"Francamente... está sendo patética", retrucou Roderick, com desdém, revirando os olhos com impaciência. "Não finja ignorância. Você sempre soube que, mais cedo ou mais tarde, eu a deixaria. Espere... você acreditou mesmo que eu tornaria você a Luna da minha Matilha? Eu mal consigo suportar a visão do seu rosto. Como espera que eu a leve a encontros de Alfas e a apresente como minha companheira? Você me causa repulsa!"
"Mas essa cicatriz... eu não a escolhi! Você prometeu que procuraria os melhores especialistas, que me ajudaria a me curar... Porém, você nunca moveu um dedo, e tem plena consciência disso, Roderick!"
"Ah, por favor. Nem sua própria família se importou o suficiente para levá-la a um médico, e você esperava que eu fizesse algo por você? Seja racional e desapareça da minha Matilha, Lyric!"
As lágrimas, quentes e amargas, turvavam minha visão. Não era a primeira vez que era alvo de palavras tão cruéis... mas ouvir isso de sua boca tornava a dor infinitamente mais aguda. 
Desde o momento em que minha família selou nosso vínculo, há um ano, eu sabia que jamais houve amor entre nós. Apesar de sermos companheiros, vivemos como perfeitos estranhos durante todo esse tempo e eu ainda era virgem, já que ele jamais tinha coragem de me tocar. 
Jamais escolhi carregar o fardo da deformidade. Quando eu era criança, um ferro de prata em brasa deixou uma marca profunda no lado do meu rosto. Nunca descobri quem fora o responsável por tamanha crueldade, mas cresci sob o peso sufocante da rejeição. Até mesmo minha própria família me repudiava, sentindo vergonha ao olhar para mim. 
Acreditei, por um breve e ingênuo instante, que Roderick seria diferente, que me aceitaria como eu era. Contudo, em um mundo onde o status e a hierarquia valiam mais do que qualquer sentimento genuíno, perceber meu erro foi apenas uma questão de tempo. 
Encarei o Alfa, dominada por uma raiva tão intensa que fazia meus músculos tremerem e minha voz vacilar. Mesmo assim, o sentimento que nutrira por ele ainda ardia - uma chama doentia, misto de amor e ódio, que desejava vê-lo provar do mesmo sofrimento que me infligira. 
"Você é um desgraçado... um monstro miserável", rosnei entre dentes cerrados, a fúria vibrando em cada sílaba. "E espero, do fundo da minha alma, que um dia pague por tudo o que fez."
Inclinando a cabeça para trás, ele sorriu secamente. "Lyric, sua amaldiçoada... e de que maneira, exatamente, isso aconteceria? Afinal, hoje eu sou o terceiro Alfa mais poderoso. Minha Matilha ascendeu enquanto a sua família rasteja nas sombras, abaixo da minha autoridade. Não existe nada, absolutamente nada, que você possa fazer contra mim. Você sempre foi - e sempre será - um fracasso patético e lamentável! Ouça bem, já a descartei, e você aceitou isso sem resistência. Embora ainda reste uma formalidade a ser concluída, para mim, você já deixou de existir. Agora desapareça da minha Matilha com esse rosto manchado! Saia imediatamente, antes que eu ordene aos guardas que a arrastem para fora!"
Mal consegui recuperar o fôlego, e ele já se afastava com uma expressão gélida, me deixando cercada por um vazio glacial. 
... 
Depois de conseguir me recompor, deixei a Matilha de Roderick e decidi retornar para casa, a Matilha do meu pai, onde eu não voltava desde que havia me mudado para a Matilha de Roderick, esperando que estivessem dispostos a me receber novamente. 
Na verdade, minha família nunca teve muita afeição por mim. Desde que minha mãe me abandonara aos quatro anos e meu pai escolhera outra companheira, deixei de ter um lugar ao qual pertencer, e a marca apenas ampliou essa distância. 
O vento cortante castigava minha pele quando toquei a campainha do salão. Minha meia-irmã e a mãe dela abriram a porta, os olhares gélidos e implacáveis se erguendo como uma barreira que me impedia de entrar. 
"Volte para Roderick e rasteje aos pés dele, Lyric. Aqui, você jamais encontrará abrigo", declarou Nora, com um sorriso glacial, após ouvir minha história sem sombra de compaixão. 
Mesmo diante das minhas súplicas, confessando que não tinha para onde ir, ambas ordenaram que os guardas me expulsassem com o mesmo desprezo meticuloso de sempre. 
Para elas, eu sempre representara uma vergonha, e minha ida para a Matilha de Roderick fora recebida como um verdadeiro alívio. Agora, meu retorno era simplesmente intolerável. 
... 
Na mesma noite, eu estava sentada em um bar - o meu refúgio habitual, o Bar Drunk, onde serviam doses suficientemente intensas para embriagar até o mais resistente dos lobos, e ninguém precisava temer ser reconhecido ou julgado, pois todos os frequentadores escondiam o rosto sob máscaras. 
Durante anos, esse lugar fora meu porto de fuga. Se vissem minha verdadeira face, certamente diriam que eu bebia para tentar afogar a própria feiura. 
"Feia demais para ser amada." Essas palavras ecoavam incessantemente em minha mente, martelando como um mantra cruel. 
Mas, acima de qualquer ferida, era a traição de Roderick que mais me despedaçava - e a amarga constatação de que nada podia fazer contra ele. Sua Matilha era poderosa e intocável, enquanto eu não passava de uma mulher rejeitada, sem família, sem nome, sem lugar a que pudesse chamar de lar - uma mulher que nunca fora desejada. E, diante disso, comecei a questionar o real propósito de continuar respirando. 
Esvaziei o copo em um único gole, pronta para me levantar, quando uma voz, firme e inesperada, rompeu o murmúrio do ambiente: "Outra dose para a moça, por favor."
Virei-me, tomada por surpresa, ainda que com certa cautela, e vi um homem se acomodar no assento ao meu lado. 
O atendente apenas assentiu em silêncio antes de se afastar para buscar o pedido. 
Franzi o cenho, intrigada. Não consegui vislumbrar seu rosto, pois ele também usava uma máscara - como todos ali - mas havia algo em sua postura, no modo como se movia, que denunciava sofisticação. 
O corte preciso de seu terno - um Mason Étoile - e o brilho discreto do Aristo Tempus em seu pulso denunciavam uma origem abastada, pois nenhum lobo comum teria condições de ostentar tais peças. 
"Você costuma vir aqui beber sozinha há algum tempo", observou ele, em um tom sereno, porém marcante, que me desconcertou de imediato. 
A voz... tinha algo de macio e ao mesmo tempo imperativo - impossível de ignorar. 
Baixei o olhar, sentindo o rubor de um súbito constrangimento. Como ele poderia saber? "Não sei do que está falando."
"Sua máscara", disse ele, inclinando ligeiramente o queixo em minha direção. "Você nunca a trocou."
Ah... agora tudo fazia sentido. "Então você também é um frequentador assíduo deste lugar."
"Sou, sim. Não era o tipo de ambiente que eu costumava frequentar, mas acabou se tornando o meu refúgio. Gosto do anonimato - da liberdade de estar em um lugar onde ninguém julga ninguém."
Logo o atendente retornou trazendo o drinque solicitado. 
Dirigi um breve aceno de agradecimento ao desconhecido e levei o copo até os lábios. 
"Pelo que vejo, carrega consigo sombras profundas... assim como eu. Sendo assim, o que acha de selarmos um acordo, senhorita? Apenas nos entregamos ao prazer desta noite e, com o romper da aurora, cada um segue seu próprio caminho, sem amarras."
Encarei o homem, tomada por surpresa e desconforto, o convite inesperado fazendo o ar escapar dos meus pulmões. 
"Mas... você sequer sabe quem sou", balbuciei, com evidente hesitação. 
"Não há necessidade. Busco apenas o prazer."
O tom com que ele falava era desprovido de emoção, como se o prazer fosse apenas uma transação, e não um encontro de almas. 
"Contudo, preciso admitir, raramente consigo atingir o clímax com uma mulher - nunca o alcancei, na verdade. Então, como mencionei, se trata apenas de distração, nada mais", continuou ele, com a mesma impassibilidade. 
Como assim? Sempre ouvi dizer que essa era a melhor parte. Como extrair prazer da intimidade sem a culminância? Ainda assim, havia uma nota de melancolia em sua confissão que me tocou de forma inesperada. 
Por mais insensato que parecesse, algo dentro de mim se deixou levar pela sedução. Nenhum homem jamais me desejara genuinamente desde que a cicatriz marcava meu rosto... nem mesmo aquele que fora designado como meu companheiro. 
Talvez fosse o peso da solidão ou um impulso nascido da mera curiosidade, mas, diante da insistência gentil do estranho, percebi-me considerando com seriedade a proposta. 
"Seria possível mantermos as máscaras?", indaguei com cautela, temendo que, ao revelar meu rosto, ele reagisse com repulsa - como tantos antes dele já haviam feito. 
"Claro", ele concordou de imediato, encolhendo os ombros em um gesto despreocupado, como se nada disso tivesse relevância. "Se assim preferir, Princesa."
Princesa? Um título tão alheio à minha realidade que soou, ao mesmo tempo, como uma carícia e uma punhalada. 
Senti meu estômago se revirar. 
Ah, não... era evidente que ele desconhecia o que havia sob essa máscara. Se soubesse, sem dúvida, já teria se afastado como os demais. 
Em certos momentos, eu desejava ser tratada como uma princesa, ainda que apenas por um breve instante.