Fiz uma chamada de vídeo para o Caio, mostrando a queimadura, esperando que ele fizesse valer o código do nosso mundo.
Em vez disso, ao ver seus investidores o observando, ele entrou em pânico.
Ele escolheu me sacrificar para salvar as aparências.
"Fica de joelhos", ele rugiu pelo alto-falante. "Peça perdão a ela. Mostre o respeito que ela merece."
Ele queria que a filha do homem mais perigoso de São Paulo se ajoelhasse para a amante dele.
Ele achou que estava demonstrando força.
Ele não percebeu que estava olhando para uma mulher que poderia queimar seu mundo inteiro até as cinzas com um único telefonema.
Eu não chorei. Eu não implorei.
Apenas desliguei o telefone e tranquei as portas da cozinha.
Então, disquei o único número que todos no submundo temiam.
"Pai", eu disse, minha voz fria como aço. "Código Negro. Traga os papéis."
"E mande os lobos."
Capítulo 1
Bianca POV
No segundo em que a mensagem do meu noivo vibrou no meu quadril, com a ordem para "manter a paz", eu soube que o ano que passei esfregando o chão para provar minha lealdade estava prestes a terminar em sangue.
Porque a mulher que passava furiosa pela segurança não era apenas uma cliente difícil.
Ela era o erro que custaria a Caio Bastos seu império.
Puxei o avental de poliéster barato e áspero que cortava minha cintura.
Um contraste gritante com a seda e o couro italiano em que fui criada.
Eu era Bianca Salles.
Filha de Davi Salles.
O Don Supremo.
O homem que fazia assassinos experientes tremerem durante o sono.
Mas aqui, dentro das paredes escuras e esfumaçadas do Veludo Azul, eu era apenas Bianca, a garçonete.
Uma ninguém.
Um fantasma na máquina do Clã Bastos.
Eu havia concordado com essa farsa.
Era um pacto que Caio e eu tínhamos feito.
Antes de usar seu anel publicamente, antes de nossas famílias unirem os territórios da capital em um casamento de ferro e sangue, eu queria ver a operação de baixo para cima.
Eu precisava saber que o homem com quem eu estava me casando era um Rei, não uma marionete.
Ergui o olhar quando as portas duplas se abriram.
Jade Menezes não apenas entrou; ela invadiu.
Ela usava um vestido rosa-choque que gritava "dinheiro novo" e arrastava um casaco de pele pelo chão atrás dela como um animal atropelado.
Ela ignorou a corda de veludo e a fila de clientes pagantes.
Ela empurrou um segurança que poderia ter quebrado seu pescoço com dois dedos.
E ele deixou.
Essa foi a primeira rachadura na fundação.
Uma civil tocando um soldado sem consequências.
Caio Bastos deveria ser o novo rosto do crime organizado.
Implacável.
Moderno.
Honrado.
Mas olhando para Jade, eu só via fraqueza.
Ela marchou até o bar, seus olhos varrendo o salão com a fome de um cão faminto que recebe um osso.
"Você", ela latiu, apontando uma garra bem-feita para o chefe do bar. "Espresso Martini. Agora. E não use a vodca da casa. Eu sei o que vocês guardam aí atrás."
O barman congelou.
Ele olhou de relance para Marcos, o gerente do salão.
Marcos era um Capo.
Um homem feito.
Por direito, ele deveria tê-la esbofeteado só pelo tom de voz.
Em vez disso, Marcos correu, sua coluna se curvando tão rápido que pensei que poderia quebrar.
"Senhorita Menezes", disse Marcos, sua voz pingando um desespero patético que me deu arrepios. "Imediatamente. Por favor, sente-se no camarote VIP."
Meu estômago revirou.
Isso não era respeito.
Isso era medo.
Jade se virou, seu olhar pousando em mim.
Eu estava limpando uma mesa alta, mantendo a cabeça baixa, seguindo o código.
Omertà.
Silêncio.
"Ei, você", ela chamou.
Eu não me movi a princípio.
"Estou falando com você, garçonete", ela estalou.
Eu lentamente levantei a cabeça.
Seus olhos se estreitaram.
Ela não me conhecia.
Ela não tinha ideia de que o chão que estava arranhando com seus saltos era tecnicamente parte do meu dote.
"Preciso que você vá até o meu carro", disse ela, jogando um molho de chaves na mesa grudenta que eu acabara de limpar. "Esqueci meus cigarros."
Eu encarei as chaves.
Depois olhei para Marcos.
Ele estava suando.
Ele me lançou um olhar suplicante, uma prece silenciosa para que eu apenas obedecesse.
"Eu não sou manobrista", eu disse, minha voz calma.
O salão ficou em silêncio.
A boca de Jade se abriu, pintada de um vermelho berrante.
"Com licença?", ela riu, um som estridente que arranhou meus nervos como uma lixa. "Você sabe quem eu sou?"
"Sei que você está interrompendo o fluxo do serviço", respondi.
Marcos se lançou para frente, agarrando meu braço.
Seu aperto era forte.
Forte demais.
"Bianca", ele sibilou no meu ouvido. "Faça isso. Agora."
"Ela é uma civil, Marcos", sussurrei de volta, minha voz dura como pedra. "Por que você está se curvando para ela?"
"Ela não é apenas uma civil", disse Marcos, seu rosto pálido. "Ela salvou a irmã do Don. Ela tem a dívida de sangue. Se você tocar nela, desrespeita o Caio. Agora vá."
A dívida de sangue.
Uma vida por uma vida.
Era um laço sagrado em nosso mundo.
Mas Caio estava permitindo que ela abusasse disso.
Ele estava deixando um favor do passado justificar o desrespeito presente.
Olhei para Jade.
Ela estava sorrindo, desfrutando do poder que não havia conquistado.
Arranquei as chaves da mesa.
Não porque eu estivesse com medo.
Mas porque eu precisava ver até onde Caio deixaria isso ir.
"Sim, senhora", eu disse, as palavras com gosto de cinzas na minha boca.
Saí pela porta, o ar frio da noite batendo no meu rosto.
Peguei meu celular.
Mandei uma mensagem para o Caio.
Sua convidada está aqui. Ela está testando a cerca.
A resposta dele veio três segundos depois.
Ela é da família, Bianca. Resolva. Não faça uma cena.
Eu encarei a tela.
Ele não perguntou se eu estava bem.
Ele não perguntou o que ela fez.
Ele apenas me disse para me submeter.
Apertei o celular até meus nós dos dedos ficarem brancos.
O homem que eu pensei ser um Rei não passava de um garoto brincando de se fantasiar.
E eu estava prestes a queimar sua fantasia até o chão.