Ela se manteve de pé, um pouco afastada, com Giulio no colo, como sempre fazia quando sabia que a noiva de Ryan estaria presente. O menino escondia o rosto no pescoço dela, incomodado com o burburinho, com o olhar de estranhos que o tratavam como um troféu de família. Ela o embalava, sussurrando baixinho ao ouvido dele, tentando passar uma calma que nem ela mesma sentia.
- É a prisioneira de sempre... - escutou uma voz feminina sussurrar em uma ponta da mesa.
Mesmo diante da humilhação, Carina fingiu que não ouviu. Era assim que ela fazia todos os dias para evitar o estresse.
Ao lado dela, a nova estrela da casa ocupava seu lugar com a pompa de quem já se considerava rainha. Aquela mulher, que um dia foi amante de Ryan Gambino, se tornou a noiva enquanto Carina estava em coma. Verônica Martini era alta, esguia, de cabelo loiro puxado para o dourado, com feições angulosas e frias. Filha de um dos aliados da família Gambino, vinda direto de Lombardia com a missão de selar a nova geração dos Gambino com um casamento de fachada e poder.
- Que horror! A ex dele ainda circula pela casa... - comentou Verônica, com a voz bem alta de propósito, fingindo rir com uma das primas. - Certas mulheres não têm vergonha nenhuma.
Diante do constrangimento, Carina foi com Giulio até a cozinha. Era o único lugar onde conseguia respirar. Ali, entre o cheiro de alho, azeite e massa fresca, encontrava um pouco de dignidade.
- Venha, querida... Senta ali - disse Carmela, a cozinheira.
Carmela era uma senhora baixinha, de olhos bondosos e mãos calejadas de tanto amassar pão e preparar molhos.
Giulio foi acomodado numa das cadeiras perto da bancada. Carmela logo trouxe um prato de macarrão com molho de tomate e uma fatia de pão rústico.
- Não se preocupe com eles... - sussurrou a cozinheira, ao servir um copo de água para Carina. - Deus vê tudo.
Ela sorriu de leve, com lágrimas ardendo nos olhos.
Naquela noite, o destino parecia disposto a lhe roubar até isso. Poucos minutos depois, a porta da cozinha se abriu com força. Verônica entrou, com o salto alto batendo no piso de mármore.
- Então, é aqui que você se esconde ao invés de ajudar servir a mesa? - A voz dela cortou o ambiente.
Os outros empregados pararam o que estavam fazendo, mas nenhum teve coragem de intervir.
Carina gelou, ficando de pé de forma automática.
- Eu só vim jantar com o meu filho... - ela murmurou.
- Seu filho? - Verônica riu, olhando para Giulio como se ele fosse um inseto. - O bastardo, você quis dizer.
A ofensa fez seu sangue ferver. Carina sentiu o corpo inteiro estremecer, mas antes que pudesse reagir, Verônica caminhou até a bancada, pegou o copo de vidro da mão dela com desprezo e, com um movimento rápido, o deixou cair ao chão.
O estilhaço foi imediato. O som do vidro quebrado pareceu ecoar por todos os cantos da cozinha.
- Limpe isso. - A voz de esganiçada de Verônica mandou. - Agora.
Carina permaneceu estagnada. Sentiu todos os olhos voltados para ela. Os cozinheiros, os ajudantes, até mesmo Carmela... Ninguém ousou mexer um músculo.
Com o coração aos pulos, ela se agachou, começando a juntar os cacos. As pontas afiadas cortaram a pele de sua palma, e o sangue logo escorreu por entre os dedos.
Do alto da cadeira, o pequeno Giulio começou a chorar.
- Mamãe, não!
Mas ela engoliu a vergonha, o orgulho, a raiva e continuou limpando.
Quando terminou, levantou-se com as mãos sujas de sangue e lágrimas nos olhos. Carmela se aproximou para lhe oferecer um pano limpo, mas antes que pudesse aceitá-lo, Verônica já tinha saído, com o salto ecoando pelo corredor.
- Use isso para estancar o sangue, - A cozinheira insistiu ao tentar lhe dar o pano.
Carina respirou fundo, envolveu o tecido na mão e abraçou Giulio com força.
- Um dia, isso vai acabar! - Com a voz embargada, a mãe sussurrou contra os cabelos do filho. - Eu te prometo, meu amorzinho.
Inesperadamente, um homem parou na porta.
- Deseja algo, senhor? - A cozinheira perguntou com intenção de distraí-lo, mas foi em vão.
Ryan Gambino entrou com o mesmo ar despretensioso. Usava terno italiano perfeitamente alinhado ao corpo, gravata estreita, a barba bem feita, deixando apenas um sombreado que reforçava o queixo firme. A cada passo, a presença de Ryan parecia preencher o ambiente. Os olhos dele focaram direto no pano sujo de sangue envolto na mão de sua ex-mulher, que tentava acalmar o filho.
- O que aconteceu aqui? - Ryan inquiriu, olhando de Carina para os funcionários.