Meu marido, Ricardo, olhou para mim no sofá que escolhemos juntos.
Aquele onde ele prometeu um futuro, agora era o palco do adeus.
"Sofia, me apaixonei pela Clara", ele disparou, tão casual quanto o tempo.
Ele ofereceu a casa, o carro, o dinheiro, "só preciso que me dê o divórcio."
Como se bens pudessem apagar uma década de promessas.
Engoli o nó na garganta, as lágrimas presas.
O homem que amei se tornou um estranho nobre em seu sacrifício.
Ele esperava desespero, gritos, escândalo.
Mas eu só enxuguei uma lágrima antes que ele visse e sussurrei: "Está bem."
Sua surpresa era quase cômica, desarmado pela minha calma.
Lembrei dele, meu magricela, punhos cerrados na minha frente, "Ninguém mexe com a minha Sofia."
Sua proteção feroz, seu amor avassalador.
Agora, ele era a fonte da minha dor, e sua proteção pertencia a Clara.
Aceitei o divórcio, ele parecia aliviado, explicando que Clara "não merecia carregar a culpa".
"Ela sabe que você é casado?", perguntei, fria.
Ele hesitou. "Ela sabe. Mas foi tudo... aconteceu."
Aconteceu, como as desculpas para chegar tarde, os elogios crescentes, os chocolates do Dia dos Namoratos.
Ele a via "pura," "inocente," merecedora do "melhor do mundo."
Um mundo construído com meu suor.
Para ele, "não houve traição," apenas um "sentimento incontrolável."
Ele deu a ela seu tempo, seu coração.
Dei um sorriso amargo, mas por dentro, uma nova dor queimava.
Assinei os papéis, ele transferiu tudo e saiu, leve, livre.
"Você sempre foi a mais compreensiva," ele disse, antes de partir, feliz.
Ele me via como um gatinho manso, previsível.
Depois de dez anos, desde a faculdade, eu o ajudei a construir tudo.
Lembrei dele com ciúmes, "Você não se importa?". Eu confiava.
Ele chorou no meu colo, implorando para que eu nunca o deixasse.
Eu era sua rocha, seu porto-seguro.
Mas ele estava enganado.
Eu não sou uma gata.
Eu sou uma pantera.
E ele não tinha ideia do que despertou em mim.
Aquela noite, na frente do hospital, com o teste em mãos.
Positivo.
Eu estava grávida de Ricardo.
Essa criança seria minha. Apenas minha.
Ele escolheu a "pureza" e a nova vida.
Eu o daria exatamente isso.
Eu desapareceria da vida dele.
Mas levaria o último laço que nos unia.
Ele não saberia do filho.
Ele abriu mão desse direito.
A dor ainda queimava, mas uma nova força surgia.
Eu não estava sozinha.
Eu tinha minha filha.