Capítulo 1
Ponto de Vista: Helena Bastos
No último dia do meu contrato de cinco anos, o assistente de Júlio Monteiro me ligou para perguntar se eu iria renovar.
Não respondi de imediato. Meu olhar estava fixo no documento sobre minha mesa: um acordo de rescisão de serviços. Eu o havia preparado há um mês.
Cinco anos. Passei cinco anos da minha vida amarrada a um único homem, desatando os nós de seu trauma enquanto minha própria vida permanecia um emaranhado apertado. Cinco anos de noites em claro, acalmando seus ataques de pânico, sendo sua âncora em uma tempestade que ele mesmo criou.
Eu fiz isso para pagar uma dívida. Uma dívida que eu achava que tinha com ele.
- Dra. Bastos? - a voz do assistente, um homem com quem falei mil vezes, soou gentilmente.
- Não - eu disse, minha voz surpreendentemente firme. - Não vou renovar.
Um instante de silêncio do outro lado da linha.
- Entendo. O Sr. Monteiro ficará... desapontado. Especialmente com o retorno da Srta. Moss.
Uma risada curta e amarga escapou dos meus lábios antes que eu pudesse evitar. Camila Moss. Claro.
- Tenho certeza de que ele vai superar - falei, meu tom cortante. - O contrato termina oficialmente à meia-noite. Por favor, encaminhe meu pagamento final.
Desliguei antes que ele pudesse responder.
A ironia era tão densa que chegava a sufocar. O contrato estava acabando, e a noiva de Júlio - a mulher cuja partida o havia destroçado cinco anos atrás - estava de volta. O casamento deles estava marcado para a próxima semana.
Meus cinco anos de penitência haviam terminado. A dívida estava paga. Era hora de eu desaparecer da vida dele, e talvez eu devesse oferecer meus parabéns ao sair. Afinal, Camila Moss era seu primeiro amor.
Ainda me lembro do dia em que a mãe dele me procurou. Júlio, o CEO implacável que fazia os mercados tremerem, havia se tornado um fantasma depois que Camila o deixou por outro homem. Ele estava se autodestruindo, afogando-se em álcool e fúria.
Eu era a Dra. Helena Bastos, uma psicóloga de performance especializada em Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Construí minha reputação do nada, lutando para sair do sistema de lares adotivos para me tornar uma das especialistas mais requisitadas do país.
A mãe dele me implorou, oferecendo uma quantia que poderia mudar minha vida. Eu estava prestes a recusar. Contratos particulares de longo prazo eram complicados, as linhas sempre se confundiam.
Então ela me mostrou uma foto dele.
E eu fui jogada de volta no tempo. Uma garota de dezesseis anos, magra e apavorada, encharcada até os ossos em uma chuva impiedosa, tendo acabado de ser expulsa de mais um lar adotivo. Um carro parou, e um garoto, não muito mais velho que eu, saiu. Ele não disse uma palavra, apenas colocou sua jaqueta de grife sobre meus ombros e uma caixinha de leite morno em minhas mãos trêmulas antes de ir embora.
Eu nunca vi seu rosto claramente na chuva, mas a imagem na fotografia se encaixou com o fantasma daquela memória. Júlio Monteiro. Ele era o garoto que me mostrou um pingo de bondade quando o mundo não me mostrava nenhuma.
Ele era meu salvador.
Então, eu aceitei o trabalho.
Ele não se lembrava de mim, claro. Quando cheguei à sua cobertura, ele me olhou com puro desprezo, seus olhos vermelhos e vazios.
- Mais um abutre enviado pela minha mãe para bicar meus ossos? - ele rosnou.
Não me defendi. Apenas tirei o caco de vidro de sua mão antes que ele pudesse pressioná-lo mais fundo na palma.
Por meses, foi uma batalha. Eu o convencia a comer, praticamente forçando colheradas de sopa por seus lábios. Eu sentava com ele durante a noite, acalmando-o para longe do abismo de seus pesadelos até que ele finalmente desabasse em um sono agitado. Era um trabalho exaustivo e ingrato. Dia após dia, ano após ano.
Lentamente, ele começou a se curar. As tempestades dentro dele começaram a se acalmar. Ele voltou para sua empresa, mais formidável do que nunca. Pensei que meu trabalho estava feito.
Quando tentei sair pela primeira vez, após três anos, o Júlio frio e distante que eu conhecia desapareceu. Ele parou na porta, bloqueando meu caminho, um brilho de pânico em seus olhos.
- Não vá - ele disse, sua voz baixa.
A partir daquele dia, algo mudou. Ele começou a borrar as linhas que eu lutava tanto para manter. Uma mão demorando demais no meu braço. Um olhar suave durante o jantar. Ele começou a depender de mim para mais do que apenas terapia.
- Júlio, isso não é profissional - eu dizia a ele, repetidamente. - Nossa relação é estritamente de médica e paciente.
Ele apenas sorria, um brilho sombrio e possessivo em seus olhos, e me ignorava. Tentei transferir seu caso para um colega, mas ele de alguma forma sabotou o acordo, deixando claro que só trabalharia comigo.
No último ano, foi uma dança confusa e sufocante. Eu me apeguei à minha ética, mas não podia negar a atração. Ele era charmoso quando queria, e meu coração tolo, faminto por afeto, começou a vacilar.
Então, dois meses atrás, a notícia estourou: Camila Moss estava de volta.
Foi como se uma chave virasse. De repente, eu entendi. A recuperação dele não era para si mesmo. Era para ela. Ele queria ser um homem digno dela quando ela finalmente voltasse. Todo o seu progresso, toda a sua suposta dependência de mim, era apenas um meio para um fim.
E o "afeto"? Era apenas uma ferramenta para manter sua terapeuta, sua muleta emocional, por perto.
A percepção foi um soco no estômago. Meus cinco anos de dedicação pareceram uma piada. Uma piada doentia e patética.
Agora, ele e Camila eram inseparáveis, seus rostos sorridentes estampados em todos os sites de fofoca. Era hora de eu fazer uma saída elegante antes do casamento deles. Talvez, uma vez casado, ele finalmente me deixasse em paz.
Meu celular vibrou com uma mensagem. Era de Camila.
*Minha bagagem está na entrada oeste do Hotel Fasano. Júlio e eu estamos na Suíte Presidencial. Traga para cima.*
Encarei a mensagem, um nó frio se formando no meu estômago. Ela estava me tratando como um carregador. E Júlio estava permitindo.
Mas o contrato não terminava até a meia-noite. Eu precisava daquele pagamento final. Então, engoli meu orgulho, minha raiva e minha humilhação, e fui.
Quando cheguei à suíte, empurrando um pesado carrinho de bagagens, a porta estava entreaberta. Eu podia ouvir suas vozes. Empurrei a porta e encontrei Camila debruçada sobre Júlio no sofá, seus lábios pressionados contra o pescoço dele.
Ela se afastou lentamente, seus olhos pousando em mim com um sorriso de escárnio.
- Demorou, hein? Alguns de nós não têm o dia todo.
Júlio olhou para mim, sua expressão indecifrável.
- É só uma psicóloga, querido - Camila arrulhou, alto o suficiente para eu ouvir. - Basicamente uma assistente de luxo. Você paga para eles ouvirem seus problemas. Pode pagar para carregarem suas malas também.
Júlio não discordou. Ele apenas me observou, um endosso silencioso às palavras dela.
O ar em meus pulmões parecia denso e pesado. Comecei a descarregar as malas, meus movimentos rígidos. Quando terminei, virei para sair.
- Onde você pensa que vai? - a voz de Júlio, fria e autoritária, me parou no lugar. - Estamos voando para a fazenda para os preparativos finais do casamento. Você vem conosco.
Aquele tom familiar, o que costumava me fazer sentir necessária, agora parecia uma corrente em meu pescoço. Vi o lampejo de irritação nos olhos de Camila. Ela não me queria lá.
E pela primeira vez em cinco anos, eu estava completa e totalmente farta dele. Do seu egoísmo, dos seus jogos.
Mas faltavam apenas algumas horas. Eu só tinha que aguentar mais algumas horas.
No aeroporto particular, lutei sozinha com as malas pesadas enquanto eles caminhavam à frente, de mãos dadas, sem um único olhar para trás. Na sala VIP, as exigências de Camila continuaram.
- Quero um latte desnatado, extra quente e sem espuma - disse ela, sem nem mesmo olhar para mim.
- E para mim, um café americano puro - acrescentou Júlio, com os olhos no celular.
Cerrei o maxilar, meus nós dos dedos brancos enquanto agarrava minha bolsa. Virei e caminhei até o balcão do café, a humilhação queimando em meu peito.
O latte estava escaldante, mesmo através da luva de papelão. Carreguei as duas bebidas com cuidado.
- Cuidado - eu disse, colocando o café americano na mesa ao lado de Júlio. - O latte está extremamente quente.
Camila o pegou com impaciência, suas unhas bem-feitas arranhando o copo.
- Não sou criança, eu... ah!
Ela o desequilibrou. O copo virou, e uma onda de líquido fervente espirrou não nela, mas em toda a minha mão e antebraço.
Uma dor aguda e agonizante subiu pelo meu braço. Eu arquejei, meus olhos instantaneamente se enchendo de lágrimas. Minha pele já estava ficando vermelha e com bolhas.
Júlio se levantou em um instante, mas foi até Camila, afastando-a do derramamento, suas mãos verificando se ela estava ferida. Ela estava perfeitamente bem.
Ele se virou para mim, seu rosto uma máscara de fúria.
- Qual é o seu problema, Helena? Você é tão incompetente assim? Você podia ter deixado uma cicatriz nela!
Eu o encarei, perplexa. Meu braço parecia estar em chamas, e ele estava gritando comigo. Eu sabia que ele tinha visto o que aconteceu. Ele estava sentado bem ali. Ele a viu pegar o copo.
Mas ele ainda estava me culpando.
Um gosto azedo e ácido encheu minha boca. Olhei para baixo, minha visão embaçada por lágrimas que me recusei a deixar cair. Uma única gota escapou, pousando silenciosamente no chão polido. Ninguém notou.
Naquele momento, observando-o proteger a mulher que amava, uma estranha sensação de paz me invadiu. Era isso. O corte final. Ele tinha seu amor, seu futuro. Ele não precisava mais de mim.
E eu... eu estava finalmente, abençoadamente, livre.
Endireitei-me, minha voz chocantemente calma enquanto encontrava seu olhar raivoso.
- Sr. Monteiro, a partir deste momento, estou rescindindo nosso contrato antes do prazo.
Ele franziu a testa, o comando em sua voz inabalável.
- O que você acabou de dizer?
Respirei fundo e, desta vez, minha voz foi mais alta, mais clara, ecoando na silenciosa sala VIP.
- Eu me demito.