Eu era a noiva do herdeiro do Comando de São Paulo, um laço selado com sangue e dezoito anos de história.
Mas quando a amante dele me empurrou para a piscina congelante na nossa festa de noivado, Enzo não nadou na minha direção.
Ele passou direto por mim.
Ele pegou a garota que me empurrou, embalando-a como se fosse de cristal frágil, enquanto eu lutava contra o peso do meu vestido na água turva.
Quando finalmente consegui sair, tremendo e humilhada na frente de todo o submundo do crime, Enzo não me estendeu a mão. Ele me lançou um olhar de fúria.
"Você está fazendo um showzinho, Eliana. Vai pra casa."
Mais tarde, quando essa mesma amante me empurrou escada abaixo, quebrando meu joelho e minha carreira de dançarina, Enzo passou por cima do meu corpo quebrado para confortá-la.
Eu o ouvi dizendo aos amigos: "Estou apenas quebrando o espírito dela. Ela precisa aprender que é uma propriedade, não uma parceira. Quando estiver desesperada o suficiente, será a esposa obediente e perfeita."
Ele achava que eu era um cachorro que sempre voltaria para o dono. Achava que podia me matar de fome de afeto até eu implorar por migalhas.
Ele estava errado.
Enquanto ele estava ocupado bancando o protetor de sua amante, eu não estava chorando no meu quarto.
Eu estava guardando o anel dele em uma caixa de papelão.
Cancelei minha transferência para a USP e me matriculei na UFRJ.
Quando Enzo percebeu que sua "propriedade" havia sumido, eu já estava no Rio de Janeiro, ao lado de um homem que me olhava como uma rainha, não como uma posse.
Capítulo 1
Ponto de Vista de Eliana Coutinho
A água do espelho d'água não era funda, mas estava fria o suficiente para roubar o ar dos meus pulmões.
Eu me debatia, meu pesado vestido de formatura grudando nas minhas pernas como uma âncora de cimento molhado, me puxando para o fundo turvo.
Através da superfície distorcida e ondulante, eu o vi.
Enzo Ferrari.
O herdeiro do Comando de São Paulo. O homem que era dono do meu coração desde os cinco anos de idade. O homem que jurou por sangue, honra e um pacto me proteger.
Ele mergulhou.
Meu coração disparou com um alívio reflexivo e desesperado. Ele estava vindo. Ele sempre vinha.
Mas Enzo não nadou na minha direção.
Ele passou direto por mim.
Seu terno caro, feito sob medida, cortava a água enquanto ele alcançava Catarina Menezes, a garota que tinha acabado de me empurrar. Ela se debatia, gritando uma performance digna de um Oscar, apesar de estar em uma água que mal chegava à sua cintura.
Enzo a pegou no colo, aninhando-a contra o peito como se ela fosse feita de vidro e eu a tivesse quebrado.
Parei de lutar. A ficha caiu com mais força do que o frio. Eu me levantei. A água só chegava ao meu peito.
O frio físico não era nada comparado ao zero absoluto que se espalhava pelas minhas veias. Fui até a borda, arrastando o peso do meu vestido arruinado - e da minha vida arruinada.
A banda de jazz ao vivo na mansão dos Ribeiro tinha parado no meio de uma nota. Todos os olhos do submundo de São Paulo estavam fixos em nós. Os Chefões, os Capitães, os Soldados.
Eles assistiram o Príncipe da Cidade segurar a amante enquanto a noiva pingava água barrenta no pátio de mármore impecável.
Enzo saiu da água, colocando Catarina gentilmente no chão. Ele tirou o paletó e o envolveu em volta dos ombros trêmulos dela.
Só então ele olhou para mim.
Seus olhos estavam vazios de calor. Não havia pedido de desculpas. Havia apenas irritação.
"Você está fazendo um show, Eliana", disse ele, sua voz suave, baixa e letal.
Eu tremia, meus dentes batiam com tanta força que pensei que poderiam quebrar. "Ela me empurrou, Enzo."
Catarina soluçou contra a camisa dele, enterrando o rosto na seda. "Eu escorreguei! Tentei segurar a mão dela para me equilibrar!"
Era uma mentira tão transparente que chegava a ser um insulto. Mas Enzo não se importava com a verdade. Ele se importava com o que ele queria. E naquele momento, ele não me queria.
"Vai pra casa", Enzo me ordenou, dispensando-me como uma serva desobediente. "Vá se limpar."
"Você deveria ser meu parceiro", sussurrei, as palavras com gosto de cloro e bile. "Você simplesmente me deixou lá."
Enzo se aproximou. A ameaça que irradiava dele era palpável. Ele era o filho do Subchefe, um homem que já havia matado pela Família, um homem que aterrorizava homens adultos.
"Sua reputação não é problema meu, Eliana", disse ele, alto o suficiente para o círculo íntimo ouvir. "Cresça."
Algo dentro do meu peito se partiu.
Não foi um estalo alto. Foi uma ruptura silenciosa e final. A corda que me prendia a ele por dezoito anos não apenas se rompeu; ela se dissolveu.
Eu não chorei. Eu não gritei.
Eu me virei e fui embora.
Passei pelos rostos chocados das pessoas com quem cresci - pessoas que agora testemunhavam minha execução social. Saí pelos portões da mansão e entrei na rua escura.
Peguei meu celular. Meus dedos estavam dormentes, mas disquei o número que havia guardado para uma emergência que nunca pensei que aconteceria.
"Tio Sérgio", eu disse quando a voz atendeu. "Preciso de um favor. O favor que você prometeu à minha mãe. A transferência para a USP... cancele. Me coloque no sistema da UFRJ. Esta noite."
"Eliana?" Sua voz estava rouca de sono e confusão. "Seu pai sabe?"
"Ninguém sabe", eu disse, olhando para as luzes da cidade que não era mais meu lar. "E se você contar a eles, eu estou morta."
Desliguei antes que ele pudesse argumentar.
Fui para casa, para o meu quarto vazio. Não dormi.
Peguei uma caixa do meu armário. Eu me movia como um robô, programada apenas para sobreviver.
Tirei as fotos. Os ingressos de cinema. A flor seca do baile de formatura. O medalhão de prata que ele me deu quando fiz dezesseis anos.
Embalei suas mentiras naquele caixão de papelão.
Eu cansei de ser a Rosa de Espinhos do Comando de São Paulo. Cansei de ser o canário em sua gaiola dourada.
Enzo achou que tinha acabado de me disciplinar. Ele achou que tinha me colocado no meu lugar.
Ele estava certo. Ele me colocou exatamente onde eu precisava estar.
Fora da vida dele.