Assim que coloco meu cinto ele sai com o carro e meus olhos se enchem de lágrimas, conforme o carro se afasta do bar. O que eu antes tentava controlar perde o controle e o choro explode dentro de mim, três vezes pior que a noite na praia, chorando pela minha mãe. Minha mãe! Queria tanto tê-la aqui comigo agora, seu colo acolhedor e sua mão afagando meu cabelo.
- Não posso dirigir sem rumo, precisa me dar um endereço.
O motorista diz com a voz calma e olho pra ele. Deve ter a idade do Valdir e parece preocupado comigo. Eu quero a minha mãe!
- Cemitério Municipal!
Seus olhos me analisam e depois se estreitam.
- Há essa hora ele deve estar fechado!
- Não me importa!
- Tem certeza?
Confirmo com a cabeça e ele apenas segue para o cemitério.
**************
O carro para em frente ao portão principal e pago a corrida.
- Quer que espere aqui?
Nego com a cabeça.
- Tem certeza?
- Não! Mas eu não sei quanto tempo vou demorar aqui, então pode ir.
- Vamos fazer assim!
Me olha com muito carinho.
- Vou ficar aqui até receber um chamado. Se sair e não me ver aqui, é porque tive que ir.
- Obrigada!
Solto meu cinto e saio do carro, fechando a porta. Caminho em frente ao grande portão principal e o vejo trancado. Na lateral tem um pequeno acesso aos velórios e se bem me lembro, as capelas são abertas e dão acesso aos túmulos. Se eu conseguir acesso a algum velório, terei acesso às ruas que ficam os túmulos. Vou para a lateral e vejo algumas pessoas chorando. Passo por elas de cabeça baixa e subo a pequena rampa para as capelas. As lembranças do dia do enterro da minha mãe vêm com tudo e a cada passo, parece que revivo aquele dia. Cassandra segurava minha mão com muita força e chorava intensamente. Seguíamos lado a lado rumo a capela 4, onde minha mãe estava pronta pra ser velada. O caminho todo eu parecia estar fora de mim, anestesiada, morta. Chego perto das capelas e vejo que usam duas agora à noite. Paro de andar ficando em frente à capela 4, completamente vazia.
Fecho meus olhos e o choro me consome, me inunda de dentro pra fora. Lembro da Cassandra soltar minha mão e correr pra dentro da capela, se jogando sobre o caixão. E me mantive parada pro lado de fora, sem coragem de entrar e ver que eu realmente havia perdido a minha mãe. Passei o velório todo do lado de fora, vendo as pessoas entrando e chorando sobre a minha mãe. Cassandra não se afastou nenhum minuto do caixão, se despedindo como podia. Abro meus olhos e viro em direção a rua que dá acesso ao túmulo da minha mãe. Não lembro nada sobre a numeração, sobre onde ela está enterrada, mas me lembro de contar tumulo por tumulo, até chegar ao dela. Então começo a contagem, até chegar no tumulo oitenta e três. Meu corpo todo treme e meus olhos focam na pequena placa.
" Deise Carvalho Dias
*Nascida em 22 de abril de 1965
✝Falecida em 28 de maio de 2002"
Olho a foto na lápide e vejo o quanto ela era jovem e parecida comigo. Me sento na beirada da calçada, em frente ao túmulo. Fico em silêncio sem saber o que dizer ou fazer. Fazem vinte anos que não volto aqui. Desde o dia que ela se foi para sempre. Ergo meus olhos e encaro as estrelas sobre mim.
- Não sei se pode me ouvir...
Um nó se forma em minha garganta.
- Mas eu queria começar pedindo perdão por tentar esquecer a sua morte, a sua partida desse mundo.
Abaixo minha cabeça e encaro meus dedos trêmulos.
- Nunca quis aceitar o fato de não tê-la mais como nossa referência, nosso mundo. Não teria mais seu colo quando o medo me consumia. Não teria seus beijos curando minhas feridas.
Um soluço alto escapa da minha boca.
- Está doendo tanto e você não está aqui para me abraçar e dizer que a dor vai passar.
Limpo meu rosto e olho mais uma vez a foto da minha mãe, vendo o quanto somos tão parecidas.
- Tenho que aprender a me ver linda, como eu te vejo. Aprender a me olhar no espelho e não sentir culpa por sermos tão parecidas. Somos idênticas por fora, mas a que possui o seu coração e sua essência é a Cassandra.
Abro um pequeno sorriso.
- Ficaria orgulhosa de como ela assumiu o papel super protetor comigo, como se fosse uma mãe.
As lágrimas voltam a inundar meu rosto.
- Deixou de viver a vida dela, seu grande amor, sua adolescência, sua vida adulta pra cuidar de mim.
Respiro fundo pra me acalmar.
- Acho que deve saber que nos apaixonamos pelo mesmo homem. Como não se apaixonar pelo Gustavo?
Ele me vem à mente e junto com ele um sorriso idiota.
- Mas chegou a hora da Cassandra ser feliz e eu cuidar dela. Que ela viva esse grande amor e que Deus tenha piedade de mim e arranque o Gustavo de dentro do meu peito.
Mordo meus lábios pra abafar o som do choro e fecho meus olhos.
- Se você puder de alguma forma intervir ou me ajudar, faça com que eu deixe de ama-lo. Por favor!
- Senhorita!
Me viro e vejo um homem, que segura uma lanterna.
- As visitas aos túmulos encerraram faz tempo. Apenas o acesso às capelas estão liberado.
- Desculpe, só precisava de ar.
Me levanto e limpo minha calça.
- Vou acompanha-la a sua capela.
- Obrigada!
Antes de ir embora, olho mais uma vez a lápide da minha mãe.
**************
Saio do cemitério e o taxista continua me esperando. Entro em seu carro e puxo o cinto, percebendo que me olha.
- Temos um destino?
Pergunta e confirmo com a minha cabeça.
- Quero a minha casa.
Passo o endereço e encosto minha testa no vidro frio da janela, vendo as pessoas passando enquanto o carro se move.
**************
Pago a corrida e agradeço ao homem gentil por ter me esperado. Saio do carro e procuro minhas chaves na bolsa. Assim que as encontro, pego a da porta e a abro. Giro a maçaneta e levo um susto ao ver o Gustavo sentado no sofá, encarando suas mãos. Sua cabeça se ergue e ele me olha. Deus, me dê forças para suportar vê-lo ao lado da Cassandra como meu cunhado. Fecho a porta e sem saber o que fazer decido ignora-lo e ir para o meu quarto.
- Catarina!
Me chama e paro de andar, mas não me viro.
- Acho que precisamos ter aquela conversa agora.
Meu coração bate tão rápido que parece querer sair do peito.
- Onde está a Cassandra?
- No quarto se trocando.
Respiro fundo umas seis vezes pra tentar ter coragem de olha-lo, mas não consigo.
- Conversamos outro dia, quero um banho e a minha cama.
Quando vou andar, Gustavo pergunta baixinho pra mim.
- É verdade que você se apaixonou por mim?