A noite envolvia a estrada solitária como um manto escuro e implacável. A chuva caía sem cessar, batendo forte no asfalto, criando poças que refletiam as luzes dos faróis distantes, como espelhos quebrados. O silêncio foi rasgado pelo rugido de um motor, o desespero do freio de uma freada e, depois... o estrondo terrível do metal contra o metal. O mundo se partiu em um segundo.
O carro ficou virado ao lado da estrada, o para-brisa estilhaçado, o motor soltando fumaça, e o silêncio voltou a se impor, só interrompido pelo barulho constante da chuva. E no meio de tudo isso, uma figura se arrastava fraca. Ana. Seu corpo estava quebrado, ferido, mas sua alma parecia ainda lutar para se agarrar à vida.
Cada respiração era um esforço titânico. Cada batimento de seu coração doía. A dor a queimava, mas o que mais doía era a confusão. Como cheguei até aqui? Por que tudo parecia tão... distante? Seus olhos, turvos e cheios de lágrimas, se fixaram no teto do carro virado. De sua boca saiu um sussurro, fraco, quase inaudível, enquanto tentava lembrar algo - algo importante:
- Sebastião... Gabriel...
Por que esses nomes? Sua mente gritava, mas o corpo não respondia. O que significavam? As palavras escorriam de seus lábios como se estivessem se desfazendo antes de serem completamente pronunciadas. Ela não entendia, mas seu coração reconhecia, como se estivessem marcados em sua pele, em sua alma.
- Por que não...? - Seus pensamentos se entrelaçavam como fios quebrados. Seu peito se apertava com o peso do medo. O que aconteceu aqui?
O trovão ressoou à distância, retumbando em seu interior, como se o próprio céu estivesse chorando por ela. Sua cabeça girava, e o mundo parecia se perder em um mar de sombras. A chuva batia cada vez mais forte, como se a terra tentasse enterrá-la.
- Eu não posso morrer aqui... não agora... não sem... o que aconteceu com eles? - ela se perguntava, com uma desesperança que a envolvia. Sebastião... Gabriel... Os nomes se repetiam em sua mente como um mantra, mas a cada vez se desvaneciam mais.
De repente, um brilho suave chamou sua atenção. Em sua mão, trêmula, algo metálico refletia as poucas luzes que ainda conseguiam se filtrar pela tempestade. Um pingente. As iniciais "G.S." gravadas nele. Algo dentro dela se quebrou. Esse pingente. Por que ele estava em suas mãos?
As sirenes começaram a soar à distância, mas para Ana, tudo parecia um eco distante, como se as vozes do mundo chegassem até ela de um sonho distante. Seu corpo já não respondia. A dor a arrastava para a inconsciência, mas algo, uma centelha de lucidez, a mantinha à tona. Não poderia desistir.
Ao longe, as luzes vermelhas e azuis das ambulâncias iluminaram a tempestade, mas Ana já não podia se mover. Sua mente, que antes lutava para entender o que aconteceu, agora só queria se agarrar a um único pensamento, uma única certeza: que alguém estivesse por perto. Alguém que pudesse salvá-la. Mas quem?
Quando os paramédicos chegaram, a pegaram com suavidade, quase com reverência, como se ela fosse frágil e preciosa, um cristal prestes a se quebrar. A voz de um deles a atravessou, mas ela não conseguiu entender o que ele dizia.
- "Ana, respire fundo. Calma. Vai ficar tudo bem. Estamos aqui."
Mas como ela poderia acreditar nele? A dor se cravava em cada centímetro de seu corpo. Sua respiração estava errática, e ela sentia como se seu peito fosse explodir. Tudo parecia um pesadelo, mas o pingente ainda estava em sua mão, apertado com força. Por que não conseguia se lembrar?
Os paramédicos, com mãos firmes e eficientes, começaram a atendê-la. Um deles colocou uma máscara de oxigênio em seu rosto, e um estremecimento percorreu seu corpo. A umidade da chuva a encharcava, mas o frio que ela sentia vinha de dentro.
- "Ana, aguente... você não vai ficar sozinha." - disse a voz de um homem. Ela quis dizer algo, mas as palavras não saíam. As lágrimas caíam por seu rosto, misturadas com a chuva, confundindo sua dor com a tempestade que nunca cessava.
Como ela chegou a esse ponto? O mundo começava a desaparecer diante de seus olhos, mas em sua mente, uma imagem persistia, como uma sombra que não a deixava ir: o rosto de Sebastião na penumbra, e os olhos de Gabriel, carregados de algo que ela não entendia. Por que estavam eles em suas memórias? Que papel eles desempenhavam em tudo isso?
A dor a afundou na inconsciência. A escuridão a abraçou como um manto pesado. A última imagem foi o pingente brilhando em sua mão, como uma promessa quebrada, como uma chave que nunca poderia ser aberta.
E no silêncio, o mistério se plantava.