Minha conta bancária estava no vermelho há meses, e a ideia de pagar por outro dia de tratamento parecia um insulto cruel. Por que insistem em cobrar tão caro pela vida? Eu só tinha vinte e dois anos. Não era para eu estar decidindo entre comprar remédios ou pagar a conta de luz.
Estava tão absorta em meus pensamentos que quase não percebi o homem que entrou na sala de espera. Quase. Ele tinha uma presença que não dava para ignorar, uma aura de autoridade que fez o ar parecer mais pesado. Alto, bem vestido, com um terno sob medida que provavelmente custava mais do que tudo o que eu tinha no armário. Seu olhar varreu a sala até pousar em mim, e ele caminhou direto na minha direção.
- Você é a... - Ele parou, como se precisasse reunir as palavras certas. - ...a filha de Clara?
Minha garganta secou. Ninguém chamava minha mãe de Clara. Para todos aqui, ela era apenas "a paciente do leito 8".
- Quem é o senhor? - perguntei, tentando manter o tom firme, mas soando mais desconfiada do que autoritária.
Ele se sentou ao meu lado, sem pedir permissão, e se inclinou para frente, com os cotovelos apoiados nos joelhos. Por um momento, pensei que ele fosse algum tipo de advogado ou algo assim. Mas então ele disse:
- Meu nome é Arthur Lacerda. Eu sou... seu pai.
Eu ri. Quer dizer, não foi um riso de verdade, mas aquele tipo de gargalhada histérica que explode quando algo simplesmente não faz sentido.
- Meu pai? - repeti, cruzando os braços. - Isso é uma piada? Porque, olha, hoje não é o dia.
Ele suspirou, como se esperasse aquela reação.
- Eu sei que parece absurdo, mas é verdade. Eu e sua mãe... tivemos uma história complicada. Minha família nunca aceitou nosso relacionamento, e nós acabamos nos separando antes de você nascer.
Eu o encarei, esperando que ele completasse a frase com algo mais convincente. Mas, em vez disso, ele puxou uma foto do bolso interno do paletó.
- Isso é ridículo... - comecei, mas minha voz morreu quando vi a imagem. Era uma garota. Ela parecia comigo, mas não exatamente. Os cabelos pintados de um loiro impecável, a pele impecável, roupas caras. Como uma versão de mim mesma em um universo paralelo onde eu não tinha que contar moedas.
- Quem é ela? - perguntei, minha voz falhando.
- Sua irmã gêmea, Aurora. Vocês foram separadas no nascimento.
Eu ri de novo, mas dessa vez foi mais amargo. - Claro. Uma irmã gêmea. Por que não? Isso é hilário. Você é rico, tem outra filha, e resolveu aparecer agora?
Ele se inclinou para trás e passou a mão pelo cabelo, como se estivesse tentando manter a calma.
- Aurora desapareceu há duas semanas. Eu marquei um casamento para ela... algo que ajudaria a resolver uma dívida da nossa família... e ela fugiu. Eu não tenho outra opção a não ser pedir sua ajuda.
Eu pisquei, tentando entender o que ele estava dizendo.
- Minha ajuda? - repeti, incrédula. - O que diabos você espera que eu faça?
- Quero que você finja ser Aurora, pelo menos até conseguirmos encontrá-la.
Eu ri de novo, mas dessa vez foi vazio.
- Você só pode estar brincando.
- Eu não estou. Se você concordar, eu pago todas as despesas do hospital. Tudo o que sua mãe precisar, ela terá.
Meu coração acelerou, e eu senti a bile subir pela minha garganta. Ele não podia estar falando sério. Era chantagem emocional, manipulação pura. Mas então um som cortou o ar: o alarme do monitor da sala ao lado. Eu me levantei instintivamente, mas Arthur segurou meu braço.
- Estão estabilizando ela - ele disse, a voz mais suave agora. - Mas você sabe que isso não vai durar muito sem os cuidados certos.
Fechei os olhos, sentindo as lágrimas queimarem.
- Tudo bem. - Minha voz era quase um sussurro. - Mas isso não significa que eu confie em você. É só pela minha mãe.
Arthur não sorriu, mas pareceu aliviado.
- Vamos transferi-la imediatamente para o melhor hospital. Amanhã, falamos sobre os próximos passos.
Horas depois, quando finalmente cheguei em casa, o silêncio parecia mais alto do que o normal. Sentei na beira do meu colchão, sem conseguir tirar os olhos do teto. Minha mente era um caos. Como eu não sabia nada sobre meu pai? Sobre uma irmã gêmea? Minha mãe sempre foi tão fechada sobre o passado, mas por quê? O que realmente aconteceu entre ela e Arthur? E por que ele não lutou por mim?
Minhas mãos tremiam, e eu segurei o travesseiro com força, como se aquilo fosse me ajudar a colocar os pensamentos em ordem. Uma parte de mim estava furiosa com minha mãe por esconder tanto. Outra parte estava curiosa demais para julgar. Eu queria respostas, mas as perguntas pareciam maiores.
E então havia Aurora. Uma parte de mim queria odiá-la por ter tudo o que eu nunca tive, mas como odiar alguém que eu nem conhecia? Talvez ela estivesse tão perdida quanto eu, ou talvez não. Ela fugiu do casamento arranjado - teria sido por medo? Por desespero? Ou porque sabia que podia?
Cada vez que eu fechava os olhos, as imagens se misturavam: o rosto da minha mãe, pálido no leito do hospital; Arthur, falando com tanta certeza como se pudesse comprar soluções; e Aurora, sorrindo em uma foto que parecia tirada de uma revista. Eu sentia como se tivesse tropeçado em um capítulo de um livro que não era meu, e agora precisava descobrir como terminava.
Suspirei, cobrindo o rosto com as mãos. Amanhã. Amanhã eu enfrentaria Arthur de novo e tentaria entender onde exatamente eu me encaixava nessa história. Por enquanto, tudo o que eu podia fazer era tentar dormir - mesmo que o sono estivesse a milhões de quilômetros de distância.