Lia abriu os olhos, o cheiro de mofo e a dor latejante na cabeça.
Lembrou-se da malária, da morte solitária da sua vida anterior.
O calendário na parede marcava a data do seu maior erro: o ano em que o Capitão Bruno, seu marido, pediu que ela cedesse a única vaga de transferência para Manaus.
Para Cíntia, a cunhada viúva, e seu Pedrinho.
Na vida passada, Lia, ingênua e apaixonada, sacrificou seu sonho por eles, resultando em anos de crueldade e abandono.
Agora, ele estava ali novamente, sorrindo aquele sorriso falso.
"Lia, Cíntia precisa muito dessa vaga."
Recusei. Aquele padrão insuportável de sempre priorizar Cíntia se repetia.
Ele me chamava de egoísta, Cíntia encenava o sofrimento.
Publicamente, ele me menosprezava, enchendo a cunhada de joias enquanto me dava migalhas.
Na terrível enchente, com minha perna presa e sangrando sob os escombros da nossa casa, vi Bruno correr para salvar Cíntia e o filho dela.
Ele me deixou para trás, novamente.
A dor física era excruciante, mas a do abandono era insuportável.
"Era meu dever proteger o Pedrinho", ele teve a audácia de dizer.
Qualquer fio de esperança em Bruno morreu ali, sob a lama e a indiferença.
Cansada de ser a segunda opção, de ser usada e esquecida, murmurei: "Não desta vez."
Com a perna quebrada e a alma liberta de ilusões, enviei os papéis do divórcio e minha solicitação de transferência.
Estava livre. Minha nova vida em Manaus me esperava.