Ele orquestrou meticulosamente sua humilhação pública, forçando-a a trabalhos extenuantes e a suportar os jogos sádicos de sua noiva cruel, observando Amanda enfraquecer, cada grama de sofrimento uma lembrança sombria da ausência de Lívia.
Amanda aceitava cada ato degradante, cada dor física, suportando tudo como uma tentativa desesperada de expiar sua implacável culpa de sobrevivente.
No entanto, mesmo enquanto seu corpo falhava, a pergunta corrosiva permanecia: sua autodestruição era realmente um sacrifício por Lívia, ou apenas um tormento teatral e prolongado, orquestrado por Heitor para seu próprio e doentio encerramento?
Finalmente, quebrada e desesperada, Amanda buscou a libertação final, ligando para o 190 do alto da Ponte Rio-Niterói, seu último desejo era doar seus órgãos para dar vida, mesmo quando a sua se extinguia.
Mas um aliado secreto a tirou da beira do abismo, permitindo que ela forjasse a própria morte e criasse uma nova identidade, sem saber que sua "morte" levaria Heitor, consumido por sua própria culpa e dor, à beira da loucura, preparando o palco para um reencontro explosivo e imprevisto anos depois, que desafiaria tudo o que eles acreditavam sobre amor, ódio e perdão.
Capítulo 1
As palavras do médico pairavam no ar estéril.
"Câncer de ovário agressivo, Amanda. Estágio quatro."
Amanda Rezende, ou apenas Amanda, encarava a mesa polida. Não o Dr. Ramires.
O diagnóstico era uma coisa fria, dura. Acomodou-se em seu peito.
Ela assentiu lentamente.
"Doação de órgãos. Quero assinar os papéis agora."
Dr. Ramires a olhou, sua expressão cuidadosamente neutra.
"Podemos discutir opções de tratamento, quimioterapia agressiva..."
Amanda balançou a cabeça. Um gesto pequeno e final.
"Não. Apenas os papéis, por favor."
Era isso. Um fim. Talvez um fim merecido.
Flashes do passado cortavam a névoa do consultório.
Lívia. Lívia Ferraz. Sua melhor amiga, vibrante, rindo, o braço jogado sobre o ombro de Amanda.
Heitor Ferraz, o irmão mais velho de Lívia, seus olhos se enrugando nos cantos quando sorria para Amanda. Sua mão, quente e firme na dela.
Eles eram uma unidade, os três, inseparáveis. Dias dourados.
Então a festa de gala. O caos. Gritos. O estalo seco de tiros.
Lívia, empurrando Amanda para o chão, protegendo-a. Os olhos de Lívia, arregalados, depois opacos.
Lívia, morta.
E Heitor, seu rosto uma máscara de fúria gelada, culpando Amanda.
"Ela só estava lá por sua causa." Sua voz, um caco de gelo.
Agora, ele era um CEO, poderoso, implacável. E Amanda era... isso. Morrendo.
A convocação veio por um celular barato, fornecido pela empresa.
"O Sr. Ferraz requer sua presença. No Copacabana Palace. Sete da noite. Traje formal."
A voz de sua assistente era tão fria quanto a de Heitor costumava ser.
Amanda trabalhava em um pequeno escritório de arquitetura. Um escritório para o qual a empresa de Heitor frequentemente jogava migalhas de trabalho.
Uma lembrança constante e amarga.
Ela vestiu seu único vestido preto bom. Ficou largo em seu corpo cada vez mais magro.
O Copacabana Palace fervilhava com dinheiro e poder.
Heitor estava perto da entrada, um rei em seu domínio. Jéssica Valença, sua noiva, agarrava-se ao seu braço.
O sorriso de Jéssica era uma faca, escondida por doçura.
"Amanda, querida. Que bom que você veio. Heitor estava justamente dizendo o quão... dedicada você é."
Os olhos de Heitor varreram Amanda, frios, avaliadores.
"Há um investidor em potencial", ele disse, sua voz baixa, mas audível. "Sr. Albuquerque. Ele é... peculiar. Precisa de um certo tipo de atenção. Você vai cuidar dele. Garanta que ele assine."
Amanda conhecia a reputação de Albuquerque. Um assediador.
A tarefa foi projetada para humilhá-la. Para quebrá-la.
Seu estômago se revirou. O câncer, uma fera roendo por dentro, despertou.
Ela assentiu.
"Claro, Sr. Ferraz."
Ela passou uma hora se esquivando das mãos atrevidas e dos comentários sugestivos de Albuquerque, com um sorriso forçado no rosto, enquanto suas entranhas gritavam.
O esforço, o estresse, a deixaram tonta, uma dor ardente no abdômen.
Ela conseguiu a assinatura dele.
Heitor a observou retornar, um brilho de algo indecifrável em seus olhos. Jéssica sorriu com desdém.
Mais tarde, um homem a abordou. Sr. Dantas, chefe de uma empresa de tecnologia rival.
"Sra. Rezende, isso foi impressionante. Ou talvez, patético. De qualquer forma, você tem garra. Minha empresa poderia usar alguém como você. O dobro do seu salário atual. Projetos de verdade."
Uma fuga. Uma tábua de salvação.
Amanda olhou para ele, seus olhos sem vida.
"Obrigada, Sr. Dantas. Mas eu tenho obrigações aqui."
Uma dívida a pagar. A vida de Lívia pela dela. Este sofrimento era sua moeda.
Dantas balançou a cabeça, um toque de pena em seus olhos.
"Como quiser."
Heitor a encontrou do lado de fora de seu prédio de apartamentos caindo aos pedaços mais tarde naquela noite.
As luzes da cidade não alcançavam aquela rua escura.
Ele agarrou seu braço, seus dedos cravando-se nela.
"O que foi aquilo com o Dantas?"
Seu rosto estava perto, seu hálito cheirando a uísque caro.
"Ele me ofereceu um emprego."
"E?"
"Eu recusei."
Uma expressão estranha cruzou seu rosto. Raiva, dor, confusão.
Ele a beijou então. Áspero, brutal. Um castigo, não afeto.
Ele a empurrou contra a parede de tijolos, a superfície áspera arranhando suas costas.
"Você está gostando disso?", ele sibilou, sua voz crua. "Me fazer ver você sofrer? É esse o seu jogo doentio?"
Amanda sentiu uma onda de náusea. Ela não lutou.
"Estou fazendo o que tenho que fazer, Heitor." Sua voz era quase um sussurro.
O celular dele vibrou. O nome de Jéssica brilhou na tela.
Ele a soltou abruptamente, seu rosto se fechando.
"Não pense que isso muda alguma coisa."
Ele se virou e se afastou, atendendo a ligação.
"Jéssica, sim, estou a caminho."
Amanda deslizou pela parede enquanto o carro dele desaparecia.
Dentro de seu minúsculo apartamento, ela mal conseguiu chegar ao banheiro antes de vomitar.
Sangue se misturava na água. Vermelho. Como o vestido de Lívia naquela noite.
Ela se encolheu no chão frio, a dor uma companheira familiar.
Esta era sua penitência. Por Lívia.
Ela fechou os olhos, aceitando. Dando as boas-vindas ao fim.
A morte seria uma libertação. Uma expiação.