"Qual é o seu problema?", ele berrou. "Ela está debilitada!"
Ele estava protegendo a mulher que tentou matar nosso bebê e me chamando de monstro.
Ele me manteve prisioneira em nossa casa, desfilando com sua nova família em público enquanto eu era apagada. Ele achava que eu era fraca demais para ir embora, que eu simplesmente aceitaria meu novo lugar.
Na noite da festa luxuosa de "Boas-Vindas" deles, enquanto a cidade celebrava sua comovente história de amor, eu saí pela porta da frente e nunca mais olhei para trás.
Capítulo 1
Meu mundo desmoronou no momento em que Heitor entrou em nosso quarto, o rosto uma máscara de culpa, e me disse que Kênia estava de volta com uma criança que ela afirmava ser dele. Apenas uma hora antes, eu estava acariciando a curva da minha barriga, cantarolando uma canção de ninar, perdida na doce promessa do nosso futuro. Agora, o ar em nossa casa perfeitamente decorada nos Jardins parecia pesado, sufocante.
"Juliana", ele começou, a voz um tremor baixo.
Eu olhei para ele, meu coração já se preparando para o impacto. Ele nem conseguia me encarar.
"A Kênia... ela está doente. Em estado terminal." Ele engasgou com as palavras. "E ela tem um filho. Ela diz que é meu."
As palavras me atingiram como um soco no estômago. Meu fôlego ficou preso na garganta.
"Doente?", consegui sussurrar, a única palavra soando estranha e fina. "E um filho?"
Ele assentiu, passando a mão pelo cabelo geralmente impecável. "Ela disse que não queria me sobrecarregar antes. Estava tentando me proteger."
"Te proteger?", minha voz se elevou, com uma ponta de aspereza. "Escondendo seu filho por anos?"
Ele se encolheu. "É complicado, meu bem. A doença dela, isso... mudou tudo. Ela sentiu que precisava entrar em contato."
Ele se aproximou, tentando me alcançar, mas eu instintivamente me afastei. Meu corpo estava gelado.
"E você acredita nela?", perguntei, embora já soubesse a resposta pela maneira como ele estava parado, pela forma como seus olhos evitavam os meus.
"Ela está morrendo, Juliana", ele suplicou, a voz carregada de uma culpa que eu não conseguia compreender. "Ela está morrendo e precisa de ajuda. O filho dela precisa de um pai."
Um pai. Nosso bebê precisava de um pai.
"E nós?", perguntei, minha voz quase inaudível. "E o nosso bebê?"
Ele finalmente olhou para mim, os olhos arregalados e suplicantes. "Isso não muda nada sobre nós. Você é minha esposa. Este bebê é o nosso futuro. Você sabe disso. Eu te amo, Juliana. Só você."
Ele me prometeu que resolveria tudo. Descobriria a verdade, apoiaria Kênia durante a doença e depois voltaria para nós, sua família de verdade. Suas palavras soaram vazias mesmo enquanto ele as dizia. Eu queria acreditar nele, cada fibra do meu ser ansiava por essa segurança. Mas um nó frio e duro já havia começado a se formar no meu estômago.
"Eu preciso ir vê-la", disse ele, as palavras uma nova ferida. "Só... para entender."
Eu o vi sair, a porta se fechando atrás dele, me selando em uma casa que de repente parecia grande e vazia demais. Ele prometeu voltar antes da minha próxima consulta médica, aquela em que ouviríamos juntos o coração do nosso bebê.
Ele nunca apareceu.
Sentei-me na sala de espera sozinha, segurando o cartão da consulta de ultrassom, sentindo a batida rítmica do meu próprio coração, um contraponto solitário ao silêncio onde o dele deveria estar. A voz da médica era gentil enquanto me guiava pelo exame, apontando para o pequeno piscar na tela. Era lindo, milagroso. E ele perdeu.
Naquela noite, uma amiga ligou, a voz hesitante. "Juliana, você está bem? É que... eu vi o Heitor. Ele estava no Parque Ibirapuera. Com uma mulher e um garotinho."
Meu coração despencou. O parque. O lugar onde Heitor e eu tivemos nosso primeiro encontro de verdade. Onde ele me disse que me amava.
Dirigi até lá, o mundo um borrão do lado de fora da minha janela. As luzes da rua lançavam um brilho suave, iluminando os portões de ferro familiares. E lá estavam eles. Heitor, rindo, o braço em volta dos ombros de Kênia, um menino pequeno agarrado à sua perna. Pareciam uma família. A família dele.
Minha respiração falhou. Ele estava dando sorvete para ela, limpando uma mancha do queixo dela com o polegar, o mesmo gesto terno que usava comigo. Minha visão embaçou, as lágrimas ardendo em meus olhos.
Observei enquanto Kênia encostava a cabeça no ombro dele, sussurrando algo. Ele beijou sua testa. Então, o menino, Léo, apontou para algo, e Heitor o ergueu nos braços, girando-o. A risada do menino ecoou no parque silencioso. Heitor parecia feliz. Verdadeiramente feliz. Uma facada no peito.
Peguei meu celular, meus dedos tremendo enquanto rolava por nossas fotos compartilhadas. Fotos dele beijando minha testa, rindo comigo, segurando minha mão. Pareciam mentiras agora. Selecionei algumas, aquelas em que seu sorriso era mais brilhante, e as apaguei. Todas elas. Foi como arrancar páginas de uma história que eu não queria mais ler.
De repente, um sedã de luxo familiar cantou pneu ao lado do meu carro. A mãe de Heitor, Corina. Seu rosto estava sério, os olhos semicerrados. Ela também os tinha visto.
Antes que eu pudesse dizer uma palavra, ela saiu do carro, marchando em direção a eles. "Sua bruxa manipuladora!" Sua voz cortou o ar da noite, crua de fúria.
Ela se lançou sobre Kênia, um turbilhão de casaco de grife e raiva justa. Kênia tropeçou para trás, os olhos arregalados de choque. A mão de Corina atingiu a bochecha de Kênia com força, um tapa doentio que ecoou no parque silencioso.
"Como ousa mostrar sua cara aqui de novo?", cuspiu Corina, a voz trêmula. "Depois de tudo que sua mãe fez com a minha família, agora você quer destruir a vida do meu filho também?"
Heitor, assustado, rapidamente se interpôs entre elas, protegendo Kênia. "Mãe! O que você está fazendo?", ele exigiu, a voz carregada de indignação.
Corina se virou para ele, os olhos em chamas. "O que eu estou fazendo? O que *você* está fazendo, Heitor? Protegendo essa... essa parasita? Você esqueceu o que a mãe dela fez? Você me esqueceu? Você esqueceu a Juliana?"
"Isso não tem nada a ver com aquilo!", gritou Heitor, o rosto tenso. "A Kênia está doente! Ela está morrendo! E o Léo é meu filho!"
"Morrendo?", Corina zombou, uma risada amarga escapando de seus lábios. "Ela é uma mentirosa, Heitor! Assim como a mãe dela era! Aquela mulher, uma destruidora de lares, seduziu seu pai, despedaçou nossa família por anos! Você acha que esta aqui é diferente?"
Kênia começou a soluçar então, agarrando o braço de Heitor. "Ele está apenas chateado, Sra. Menezes. Ele não sabe o que está dizendo."
"Não se atreva a me chamar de 'Sra. Menezes'!", a voz de Corina subiu para um grito. "Você acha que eu não conheço seu joguinho? Você aparece, alegando doença terminal, alegando um filho, tudo para sugar a riqueza do meu filho! É uma reprise patética do draminha barato da sua mãe!"
Heitor empurrou Corina para trás, o maxilar cerrado. "Pare com isso, mãe! Você está fazendo uma cena! Ela está vulnerável!"
As palavras me atingiram como um golpe físico. Vulnerável. Enquanto eu estava sentada sozinha, grávida, esperando por ele, ele a chamava de vulnerável. Minha cabeça girou. Meu estômago revirou. O mundo inclinou.
Senti a dor surda na parte inferior das costas, um sinal de alerta familiar. A médica me disse para evitar estresse. Evitar quedas. Evitar... tudo o que esta noite havia se tornado.
Abri a porta do meu carro, minhas pernas instáveis, e me movi em direção a Corina. "Mãe", sussurrei, alcançando seu braço. O esforço fez minha cabeça girar. "Por favor. Não estou me sentindo bem."
Heitor finalmente me notou, parada ali nas sombras, um fantasma em seu próprio velório. Seus olhos se arregalaram, um lampejo de pânico substituindo sua raiva. "Juliana?"
Ele deu um passo em minha direção, a mão estendida. "Juliana, o que você está fazendo aqui? Você está bem?"
Recuei de seu toque como se estivesse queimada. "Não", engasguei, a voz crua de dor. "Não chegue perto de mim."
Virei-me para Corina, cuja fúria havia momentaneamente dado lugar à preocupação por mim. "Mãe, por favor", supliquei, as lágrimas finalmente escorrendo pelo meu rosto. "Eu preciso ir. Preciso ir embora."
Minha determinação, tão frágil, se partiu completamente. Senti uma onda de náusea. Fechei os olhos, tentando me firmar, mas o chão pareceu subir para me encontrar.
Então, um empurrão forte no meu lado. Léo, o filho de Kênia, tinha avançado contra mim, uma pequena e agressiva bola de fúria. "Deixa minha mamãe em paz!", ele gritou, suas pequenas mãos empurrando com força.
Eu arquejei, perdendo o equilíbrio. Meu corpo se torceu desajeitadamente e eu caí. Com força. Uma dor lancinante atravessou meu abdômen. Minha mão voou para minha barriga, uma tentativa desesperada de proteger meu filho ainda não nascido.
Um fluxo quente e úmido. Sangue. Sangue demais. Minha visão se afunilou.
"Juliana!", o grito horrorizado de Corina cortou o zumbido em meus ouvidos.
O rosto de Heitor, pálido e chocado, pairava sobre mim. "Chame uma ambulância!", ele berrou, a voz cheia de um terror desesperado que de repente senti no fundo dos meus ossos.