Acordei no hospital. O cheiro a desinfetante e a dor no abdómen gritavam: perdi o nosso bebé no incêndio.
A minha primeira chamada foi para o Pedro, o meu namorado. Procurava consolo, uma explicação.
Mas ele atendeu, exausto e irritado.
E, ao fundo, ouvi a voz manhosa da Sofia, a sua "amiga de infância".
Ele tinha ignorado os meus gritos, a minha gravidez, para salvar o gato Dela.
"É uma pena, mas estas coisas acontecem", ele disse, antes de me chamar "dramática" por chorar a perda do nosso filho.
A sua mãe, Dona Helena, ligou-me logo a seguir.
Sem um pingo de compaixão, acusou-me de tentar "prender" o filho, de "dramatizar", elogiando sem parar a "coitadinha" da Sofia, que "perdeu tudo".
Eu estava destruída, humilhada, sozinha.
O incêndio tinha levado o meu filho.
E o homem que eu amava? Aquele que devia ser o meu porto seguro? Ele tinha-me abandonado por um gato.
Porque é que a minha dor era insignificante para eles? O que eu deveria fazer com tanto desespero?
Mas quando voltei aos escombros do nosso apartamento, encontrei uma caixa.
Dentro dela, a verdade nua e crua:
Anos de fotografias e cartas secretas do Pedro e da Sofia, em Paris, em jantares românticos.
A traição dele não começou no incêndio. Ela existia há anos.
Naquele momento, a minha dor transformou-se em raiva, fria e calculista.
Uma festa de "despedida" seria o palco perfeito.
Não para o apartamento. Mas para a verdade.
E para o Pedro, para a Sofia, e para todo o mundo ver quem realmente eram.