Capítulo 2 Mentiras Obsoletas

Ela não estava sozinha, pôde perceber. Os corredores do castelo escoavam ao som das suas botas de couro. Estava frio, sua respiração era visível. Sempre foi. Raramente o reino vê o verão.

- Alteza? - Helena bateu na porta dos aposentos da princesa Charlotte.

- Lena, quantas vezes eu preciso te pedir para não me chamar assim? - a princesa apontou para a poltrona salmão próximo a um gigante espelho, indicando para a mêstra sentar-se, depois que sua criada abriu a porta - Casey, pode nos dar um minuto, por favor?

A criada fez uma pequena reverência e se retirou.

- Eu preciso que você me acompanhe até o reino do Rei Vincent. Eu sei que temos os melhores guardas prontos para me atender, mas além de mestra, você é minha amiga, Helena. Conhece-me desde pequena, tanto quanto eu te conheço.

- Como quiser, eu não poderia recusar o caminho até o reino vizinho não é fácil. Precisarei desta noite para os preparativos.

- Faça o que precisar. E por favor, leve pouca roupa de couro ou calças. Você não vai como mestra da guarda vai como melhor amiga da princesa. Então... Eu mesma instruirei Casey e Alessia do modo a fazer seus vestidos.

- Mas, eu prefiro continuar com meus trajes, Charlie...

- Sem mais nenhum outro pedido, é uma ordem - ela sorriu, sempre quis o melhor para sua amiga.

Helena fez uma careta.

- Lena! - a princesa resmungou - Você trabalha demais, sei que o perigo mora ao lado e que devemos estar sempre alertas, mas sinto saudades da minha amiga, não da cavalheira.

- Tudo bem - fez uma reverência extravagante.

Charlotte sorriu e a abraçou.

- Lena? - alguém a chamou do outro lado da porta dos seus aposentos.

Faltavam poucos minutos para o amanhecer.

- Entre - disse, logo viu Trevor.

Ele é seu melhor amigo desde a infância, é o guarda real responsável pela princesa. Trevor tem o dom de irritá-la profundamente quando ignora o que diz.

- Estamos esperando por você, mestra - ele sorriu fraco e a ajudou com a pesada armadura.

- Obrigado, vamos - trancou a porta e suspirou antes de sair, seria uma longa caminhada até voltar para lá novamente.

- Bela Adormecida, finalmente - princesa Charlotte sorriu ao ver a amiga indo em sua direção.

- Estava colocando a armadura - fez uma reverência antes de se virar para Duck, o amigo mais antigo do seu pai. Helena fez uma reverência de longe ao ver a rainha nas escadarias.

- Então, vamos lá.

A princesa cavalgava lentamente ao lado de Helena, ela decidiu ir a cavalo assim como todos os outros. Ela sempre foi criada com o luxo e praticamente se locomovia em carruagens reais junto com a rainha. Mas hoje não, ela parece mais forte que o normal. Charlotte vivia para instruir suas criadas a fazerem seus vestidos corretamente, às visitas de príncipes e princesas de reinos aliados, vivia para tomar chá com a rainha e participar de bailes de máscaras extravagantes. Mas Helena não, não compartilhava de tal luxo. Sempre teve uma vida de alto conforto e vivia bem, mas não chegava aos pés de uma vida como princesa. Porém Helena não desejava isso, Charlotte perdeu muitas coisas que ela ganhou. Charlotte mal sai do castelo com um batalhão a sua volta. Helena vai onde quer, sem ninguém por perto. Ela viveu toda a sua vida com seu pai, o antigo Mestre da guarda. Aprendera tudo com ele, inclusive a não abaixar a cabeça por simplesmente ser uma mulher.

Se quer, tem que correr atrás. Uma mulher pode comandar um exército, assim como pode também governar um reino inteiro.

- Lena? - princesa Charlotte a chamou, baixo o suficiente para que só ela escute - O que faria se quisesse muito uma coisa, mas não pudesse?

Helena suspirou tentando entender o que ela quis dizer.

- Depende do que for Alteza - continuou olhando para a estrada de terra que se estendia a sua frente - Tem coisas que realmente não é para nós. Mas se valer a pena, não desista.

Ela sorriu pensativa com as palavras da amiga. Helena não tem mais que vinte e três anos, mas parece ter a mente tão poderosa quanto à do Mestre Duck.

Conforme a noite ia chegando, a estalagem que abrigava algumas vezes as famílias reais, surgiu quase no meio do nada da estrada. O lugar não era tão luxuoso, mas seria bom para passarem a noite antes de seguirem viagem.

- Até mais Alteza - Helena reverenciou enquanto procurava a porta do seu quarto - Se precisar de mim, estarei logo ali. O quarto estava escuro e frio, assim como à noite lá fora. Despiu a armadura e procurou em sua pequena mala, uma roupa confortável para dormir. A princesa já deve estar se preparando para deitar, sua criada Casey veio junto, porém não disse uma só palavra a viagem inteira.

Eram três da manhã quando bateram em sua porta. Lena levou alguns minutos até entender o que estava acontecendo. Mas logo entrou em alerta e correu para a porta, pensando no tempo que levaria para alcançar sua espada embainhada.

- Sou eu, princesa Charlotte - sussurrou quando a porta se abriu.

- O que faz de pé essa hora?

- Me deixe entrar - Charlie adentrou o quarto e sentou-se na poltrona acolchoada, próximo à escrivaninha - É tão estranho te ver sem armadura - ela riu - Mas, o que tenho para falar é sério.

Lena franziu o cenho e acenou para a princesa continuar.

- Eu estou apaixonada por um homem - jogou as palavras de uma vez, fechando os olhos por um tempo, mas logo voltou a abrí-los, temendo a reação da mestra, que estava impassível - Meus pais jamais aceitariam isso. Ele não é um príncipe, não é um Mestre como você, ele nem sequer é rico. Mas ainda assim o amo, e eu desejaria ser tudo agora, menos princesa. Eu só queria poder vê-lo todos os dias, ou ajudar a cuidar da plantação da família dele, queria dormir e acordar sabendo que não preciso zelar com meus compromissos na corte ou saber que não posso dar sequer um passo sem ser vigiada.

- Alteza - Lena se abaixou em sua frente e a encarou - A única coisa que sei fazer de bom é governar um exército, ou manejar qualquer espada. Eu não sei dançar, não consigo usar saltos nem vestidos tão grandes quanto os seus. O que seria eu capaz de fazer?

Helena sempre foi criada praticamente dentro do reino, desde que se entende por gente, mas o mundo de Charlie nunca seria o seu. Mesmo que quisesse. Ela nunca nasceu para cuidar de uma casa enquanto seu marido trabalhava no castelo, mal sabia cozinhar. Helena sempre acreditou ser o que desejasse, se ela não queria se casar ou ter filhos, era sua escolha. Preferia salvar o reino, ao invés de experimentar vestidos e corpetes que apertam até a alma.

- Tudo, você irá me ajudar. É um ótimo plano - ela sorriu pensativa - Eu te ajudo e você me ajuda.

- O que eu tenho que fazer? - Lena perguntou desconfiada.

A princesa se levantou.

- Simples, irá trocar de lugar comigo. Amanhã assim que começar o baile de máscaras, você será a princesa Charlotte e eu serei Helena, a mestra da guarda.