Capítulo 3 - Punhal

Não consegui dormir essa noite.

Minha cabeça estava na loucura em que eu me submeti! Eu estava perdida, eu teria que assassinar uma pessoa mesmo sendo um humano! Eu salvei um deles, então porque eu mataria outro!?

Havia uma parte de mim que queria a vingança pela morte de meus pais, mas essa parte eu guardei e tranquei com sete chaves porque ela era cruel. Eu não quero de maneira alguma ser como a minha tia, que é totalmente uma narcisista sem escrúpulos.

Eu confiava nela, ela foi quem me criou desde que eu tinha três meses de vida. Eu não entendia o porquê dela está fazendo isso comigo. Era algum castigo? Eu pequei com ela?

Bem... Eu pequei, mas ela não sabe disso, eu espero.

Dou um longo suspiro e seguro a máscara prateada de minha mãe, a acariciando. Era incrível a sensação que isso fazia sobre mim, eu podia até mesmo imaginar o seu cheiro.

Pode ser difícil de acreditar, mas eu via a minha mãe em Ofélia quando eu era criança mesmo ela me prendendo num calabouço e me deixando sem comer por dias, dizendo que aquilo era para o meu bem. Todo aquele sofrimento fez com que a garota revoltada e poderosa reprimisse os poderes e se tornasse uma garotinha assustada. Mas eu a perdoei por essa dor que eu guardo, eu acreditei que ela fez isso porque me amava...

Agora, consigo ver que ela ama apenas a si mesmo e a sua liderança!

Eu suspiro fundo.

Eu estava de frente a um espelho terminando de me arrumar. Eu me ajoelhei a promessa sem saber onde havia me metido, e agora teria que me mergulhar no leite da cabra, literalmente. Era como uma cerimônia que acontecia quando uma pessoa faz uma promessa importante como a que eu fiz.

Eu fui tão idiota, droga! Ofélia sempre me disse para reverenciar a cada pergunta que ela fizesse quando se virasse para mim, para que o clã visse que eu seria uma boa líder no futuro.

Eu nem sei se quero mesmo ser essa líder.

Agora, eu estou prestes a virar uma mentirosa, espiã e assassina! Tudo o que minha mãe nunca sonhou para mim... Estou quebrando os valores dela.

Respiro fundo, e termino de arrumar o meu cabelo. Peguei o vestido largo e branco que batia um pouco acima dos meus pés. Já estava na hora... Sinto quando eu ouço barulhos de sinos.

Fecho os punhos e peço pela bênção de meus pais antes de caminhar para fora daquela sala.

Do lado de fora, haviam bruxos por todas as partes. Assim que notam a minha presença, as atenções estavam sobre mim.

Olho para o grande buraco que agora estava repleto de um líquido branco. Era o leite de cabra. Era lá que eu deveria mergulhar.

Engulo um seco. Todos esperavam uma reação de minha parte, mas eu não podia esbanjar outra reação a não ser medo!

Olho por toda parte buscando alguma saída. Se eu pudesse fugir, eu fugiria agora mesmo. Mas não adiantaria de nada, se eu não cumprisse o que eu prometi seria morta ou dominada pelas trevas por ser uma bruxa sem palavra.

Aconteceria o mesmo se eu usasse magia negra.

Vamos, Imogen. Você se meteu nisso quando se reverenciou ao pedido de sua tia!

Sussurro em meus pensamentos.

Falando em Ofélia, ela estava sentada na primeira fileira me encarando. Ela não parecia feliz, na verdade, nem um pouco. Talvez seja por causa da minha demora ao entrar dentro dessa coisa.

Ok, vamos!

Respiro fundo novamente e fecho os punhos caminhando vagarosamente até o "leite de cabra"

Assim que coloco o meu pé dentro do líquido, todos eles se levantam, aguardando que eu entre totalmente.

Que pesadelo horrível.

Eu travo no mesmo lugar.

Meus pais ficariam decpcionados se eu fizesse isso. No diário de minha mãe, ela diz o quanto achava essa passagem desnecessária, apenas para prender uma pessoa ao clã para sempre contra a vontade...

Não era isso que eu queria para mim... e nem eles...

Olho para todos que estavam confusos por eu ainda não ter entrado totalmente. Mas quem estava furioso era minha tia, que agora me encarava com fogo nos olhos.

Engulo um seco.

Eu já estava presa a uma maldição, não preciso me comprometer ainda mais a isso entrando nessa coisa estranha!

Quando eu vejo, já estava correndo para o lado oposto de todos eles, fazendo um grito de surpresa sair pela boca de todos.

Fiz a escolha certa, uma escolha que partiu de mim e não por Ofélia.

Mas eu estava perdida, ela iria me matar por esse constrangimento ou iria me prender no seu "cantinho da tortura"

Entro no meu quarto as pressas e tento pegar o máximo de roupas possíveis para dar o fora daqui de uma vez por todas. Eu não demorei muito, eu não tinha muita coisa.

Quando me viro para sair, dou de cara com Ofélia que estava me observando na porta. Seu olhar estava distante. Eu sabia que ela estava repleta de ódio.

- O QUÊ VOCÊ FEZ!? - Começa a gritar, me fazendo soltar a minha caixa com roupas. - Você vai voltar lá e pedir desculpas a todos por tanto constrangimento e então vai completar aquele ritual! - Ela parecia tentar ficar calma, mas eu sabia que ela não estava. Ela dizia tudo apontando o seu dedo para mim. Então me lança um olhar mortífero antes de se preparar para sair.

- Não! - Meu corpo age em automático. A vejo voltar lentamente e se virar para mim, perplexa.

- Como é? - Respiro fundo e tento juntar toda a coragem que me restava.

- Eu sou uma mulher e bruxa já crescida e posso começar a tomar minhas próprias decisões. Então, tia Ofélia, eu não vou fazer aquele ritual! - Minha voz não falha quando eu digo isso a ela. Isso me faz me sentir orgulhosa de mim mesma.

Ofélia me encarava, seu olhar mudou totalmente. Seus olhos quase sangravam de tanto ódio. E de uma vez, ela segura o meu braço fortemente.

- Quer agir como a idiota da sua mãe, garota estúpida? - Ela me enforca, batendo minhas costas na parede com força. - Se você quer ser como ela, se prepara para estar no mesmo lugar que ela - Solta o meu pescoço, me fazendo tentar puxar todo o ar, tentando voltar a respirar.

- N-não f-fala assim dela! - Consigo dizer, tentando manter minha respiração calma.

- Pensei que estava te tornando poderosa como eu, mas você é fraca como ela - Diz, se aproximando.

- Minha mãe sempre foi mais poderosa do que você, de espírito e de força! Tanto que você é apenas a líder disso daqui por ela está morta! - Eu grito, gesticulando com os dedos - Sua inveja por ela é porque ela sempre foi a primeira opção, enquanto você sempre foi a última - Cuspo as palavras. Se ela queria ver o que ela criou, ela irá.

De uma só vez ela avança em mim, tentando me enforcar novamente. Mas eu não deixo e a empurro fazendo suas costas se baterem com força na parede.

- Sua idiota! - Gritou, pulando em cima de mim - Você é apenas o que eu te criei, sua tola! Você não pode medir força comigo porque tudo que você sabe, foi eu que te ensinei - Gargalhou, puxando o meu cabelo e me fazendo a encarar nos olhos.

Cuspo em seu rosto a fazendo gritar.

Eu sorrio com satisfação, mas então quando ela me olha, podia ver seu ódio triplicar.

Eu apenas sinto uma adaga sendo empurrada em minha cintura, foi tão rápido que não consigo dirigir o que havia acontecido. Empurro Ofélia para longe e encaro o punhal preso em mim. Era um punhal de prata pura... Isso era o ponto fraco das bruxas.

A última coisa que eu vejo é o seu sorriso maléfico.

Acordo sentindo uma dor gigantesca por todo o meu corpo. Abro os olhos e a primeira coisa que eu vejo são ratos, que fogem assim que eu me mexo.

Gemo com a dor e tento me colocar de pé, mas era impossível. Olho para o chão vendo a quantidade de sangue que eu estava perdendo. Se continuasse assim eu morreria em algumas horas.

Eu estava no covil de Ofélia, o famoso canto da tortura ou calabouço. Mas dessa vez eu não estava amarrada, eu apenas estava trancada e com uma hemorragia que me mataria em questões de horas, pois havia sido feita por uma adaga de prata.

Eu preciso sair daqui.

O feitiço da cura não iria dar certo, eu estava fraca de mais para conseguir fazer algum feitiço.

Junto todas as minhas forças e tento me colocar de pé, caminhando até a porta da cela que provavelmente estava trancada. E eu estava certa. Merda!

Olho para todos os lados em busca de algo para me ajudar a sair daqui, mas eu não vejo nada, estava apenas eu e os ratos nessa maldita cela. Merda, mil vezes merda!

Minha única esperança era a magia, mas eu estava muito fraca então provavelmente não teria resultado nenhum. Eu não posso morrer nessa cela, não posso morrer hoje...

Estendo minhas mãos para o portão trancando e murmuro as seguintes palavras - Azara trofogos imani imendias - Repito com dificuldade por mais 2 vezes, mas uma dor insuportável me joga para trás. Eu queria gritar de dor, mas eu estava tão fraca que não conseguiria.

Me deito no chão esperando a morte chegar. Minha visão começa a se apagar lentamente, mas eu pude ouvir passos se aproximando de mim.

Antes que eu consiga ver quem era, eu apago.

            
            

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