Da Janela da Cafeteria
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Da Janela da Cafeteria

Com Toda Poesia
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Capítulo 1 Não dê desculpas, dê café!

"De tão acostumados com o caos, realizar as próprias vontades às vezes dá medo."

Era a mensagem contida no adesivo, que estava colado acima de um botão, no poste de um dos muitos semáforos, na enorme Av. Rio Branco. Intencional ou não, aquele verso com o endereço da rede social do remetente, roubava a atenção e invadia os mais vastos pensamentos dos pedestres que se dispunham a refletir, enquanto a monotonia da rotina os forçava a seguir seu caminho de caos diário.

Próximo àquele semáforo, mais um dia comum se iniciava em uma pequena cafeteria no centro da cidade maravilhosa, onde poucos clientes desfrutavam da tranquilidade do ambiente. Alguns para manter seu rito e permitir-se energizar com toda aquela aura gostosa promovida pelo aroma forte do café, enquanto outros, mais apressados ou atrasados, faziam seu pedido para viagem. Entre aqueles poucos que ficam no aconchegante e intimista espaço do estabelecimento, uns abrem e-mails e programam a rotina do dia, à medida que os demais clientes aproveitam apenas para fazerem seu desjejum sem pressa, para se atrasarem com calma.

O dia de chuva fina promove uma sensação atípica e desconfortável para o povo carioca, como se pela vitrine da cafeteria, quem olha de dentro para fora, visse ruas parisienses, ainda mais ao olhar em volta e perceber a queda daquela leve chuva, molhando toda aquela arquitetura europeia. O clima promovia uma sensação internacional de maneira muito globalizada!

Ninguém seria louco de questionar, caso tivesse ganhado passagens com tudo pago, mas quem é Central Park diante do Campo de Santana, com todo aquele verde bem no centro da cidade, cercado por muretas baixas e com grades, mas exibindo seus portões tão belos quanto os portões dos jardins de Versalhes?

Já viu a Praça Alagoas e a Praça Floriano na Cinelândia? Elas estão lá, bem no meio de algumas das construções mais elegantes da cidade, em sincronia com o velho e o novo mundo. Sendo uma ao lado da outra, separadas apenas pelo belo Monumento Floriano Peixoto. Independente do lado que você estiver, é possível o acesso a nada mais nada menos que a Biblioteca Nacional, o Centro Cultural Justiça Federal, o Teatro Municipal, o Museu Nacional de Belas Artes, a Câmara Municipal e talvez o ponto turístico mais badalado daquele local, o centenário Bar do Amarelinho.

Ainda que eu pudesse exprimir toda minha capacidade para descrever cada uma dessas maravilhas arquitetônicas, não seria o suficiente. As palavras, por mais precisas e ricas que fossem, jamais conseguiriam capturar o que é estar aqui, de pé, diante dessas imponentes estruturas. A grandiosidade das formas, o jogo de luz e sombra nas fachadas esculpidas, o sutil desgaste do tempo marcado em cada pedra... tudo isso é muito mais do que meras palavras podem transmitir.

Caminhar por lugares históricos, sentir o vento carregando consigo séculos de acontecimentos e imaginar as vidas que já passaram por ali, traz uma conexão íntima com o tempo. Os mais sensíveis, conseguem se perceber efêmeros e talvez por isso, sintam a necessidade de fazer história.

Pedro se surpreendeu com aquela cena matinal a caminho de sua cafeteria favorita. E enquanto caminhava, divertia-se ao observar as pessoas agasalhadas e bem vestidas, como se esperassem por aquele evento climático, para usar o casaco guardado por nove meses seguidos. Com isso, os pedestres transitavam pela Av. Rio Branco, com pressa e classe. Isso o fez lembrar de seu mochilão pela Europa, um baita presente de formatura que o mesmo se deu.

Sempre foi consciente que as condições financeiras daqueles países eram bem mais atrativas para se viver, mas no quesito de beleza natural, sempre preferiu seu amado Brasil. É óbvio que às vezes o encanto e a preferência passavam, após refletir um pouco sobre as muitas desigualdades ainda vigentes e sua frustração suprema: a desonestidade intelectual de uma gama considerável de colegas e conhecidos.

Não importa o lugar do mundo, o que o surpreendia era a coragem de algumas pessoas, por irem trabalhar sem ao menos tomar um banho e escovar os dentes. Por que a pessoa que tem bafo sempre tem segredo, mas não tem noção?

Já sentado em seu canto predileto, saboreando sua primeira xícara de café expresso duplo, Pedro meditava surpreso com as centenas de pessoas que via passar em frente aquela cafeteria em questão de minutos, após desembarcarem dos transportes. Alguns rostos já lhe eram familiares. Não fazia ideia de seus nomes, mas todos os dias úteis, avistando aquelas pessoas pela janela, lhe causava a estranha sensação de que eram, de alguma forma, próximos. Para alguns específicos, que atravessavam a rua encarando a janela da cafeteria com um olhar ranzinza e repleto de saturação, Pedro entregava um aceno com as sobrancelhas e vez ou outra, erguia a xícara para um rosto familiar.

Ali, no espaço acolhedor e calmo, tocava em volume bem baixo, uma melodia sem letras, para não embaralhar as conversas nas mesas. Uma escolha inteligente, pois quem nunca ao desenvolver um diálogo, ouvindo uma música conhecida, não atropelou sua fala cantando versos do que se ouvia? Um questionamento intrigante, pelo menos na cabeça de Pedro, era: "E se a playlist estiver no aleatório e começar a tocar uma bossa nova, e o algoritmo agraciar todo o ambiente com as letras icônicas e singulares do Rogério Skylab?"

Com o computador aberto, sorriso malicioso e olhando distraído para o movimento lá fora, tomava breves goles de seu café sem açúcar, pensando na grande apresentação que faria naquela tarde. Sua missão era promover segurança nesse primeiro momento de estreitamento das relações entre as duas empresas. Não havia ninguém mais capacitado para tal missão e de tamanha importância, que conhecesse todos os processos da companhia e tivesse capacidade didática e persuasiva para fechar o contrato.

Pedro tinha o poder de fazer até o mais leigo dos estagiários, se tornar um exemplar representante da marca, a empolgação que ele tinha por fazer o que fazia, contagiava positivamente os que o cercavam. Falar sobre trabalho nem sempre é legal, em especial as partes burocráticas e era nesse tópico que ele se destacava. Havia sem sombra de dúvidas uma forte tensão com a reunião programada para aquela tarde, mas voltou a cabeça para o singelo momento que estava vivendo, deixando para o Pedro do futuro, a tarefa de cuidar da reunião.

Passeando os olhos pela cafeteria toda trabalhada em um estilo industrial por dentro, as paredes internas intercalavam entre tijolinhos laranja e outras em cimento queimado. As vigas de ferro à mostra, deixavam o ambiente ainda mais característico. Seu mezanino dispunha de uma pequena biblioteca, com livros finos para breves leituras, assim como alguns calhamaços, que colecionavam marcadores com identificação daqueles que estavam desfrutando aos poucos daquela leitura.

Mesmo conhecendo cada canto daquele lugar, Pedro amava passear seus olhos contemplando o ambiente tão simples e tão plural, mas de tudo que dispunha, dos quadros nas paredes com fotografias de pessoas importantes no local, dos livros no mezanino, em sua maioria, obras nacionais, com dedicatória dos autores, páginas de jornais emolduradas e penduradas ao alto, atrás do balcão, com matérias sobre o local. Esses e outros itens contavam um tanto da história daquele lugar. Um em especial sempre chamava a atenção de Pedro. Ficava num canto empoeirado da prateleira, entre umas pequenas sacas de café artesanal da casa e caixas de xícaras personalizadas. Era uma balança antiga, um tesouro esquecido do passado.

Seus pratos, feitos de latão desgastados pelo tempo, pendiam com toda uma graça e charme rústicos, por correntes oxidadas que rangiam ao menor e o mais suave movimento. Cada elo carregava consigo a história de inúmeras transações comerciais, testemunhas silenciosas de trocas antigas e valores pesados. O curioso ponto é que a peça agora era de caráter decorativo, executando ainda assim sua função. Ela sustentava em seus pratos objetos distintos. Em um deles, haviam 3 sacas de café, que não eram maiores que uma bola de tênis cada, organizadas de um jeito harmonioso, onde duas delas apoiavam-se lado-a-lado e a última vinha por cima, como se formassem uma pirâmide. No outro prato havia um pequeno relógio de bolso sem ponteiros, que fazia o prato acusar que o simples objeto que sustentava, era mais pesado que as três sacas de café.

Pedro divagava sobre as coisas mais distintas ao observar aquela velharia em bronze. Refletia vez ou outra sobre passado e presente, a conexão entre tempos distintos unidos pelo comércio e pela necessidade humana de medida. Quando se dispunha a encarar demais a escultura, podia-se quase sentir o eco sussurrante dos negócios que uma vez ecoaram ao redor daquela balança, como se ela própria guardasse segredos do passado, ansiosa para compartilhar suas histórias com quem se dispusesse a ouvir, embora hoje a mesma fosse inútil.

Após sair do transe em observar o objeto, continuou seu passeio, até que seus olhos encontram Gabriel, então, sorri de forma simpática ao balconista, preparando-se para levantar e pedir mais um café.

Pedro costuma fazer seu pedido com um falso cansaço esboçado em sua face, apenas para entoar sua piada estranha sobre amargura.

- Mais um copo de spoiler do dia, por favor!

O sorriso amarelo do balconista que também era barista, franziu sua testa com medo de num ato falho, externar sua constante dúvida:

"Eu realmente preciso ter esse trabalho?"

- Esse amargo é o elixir do proletariado. - Brincou Gabriel forçando uma simpatia.

- O que seria da economia desse país, se não houvesse café, não é mesmo?! - Respondeu Pedro enquanto recebia seu expresso.

Ao voltar para sua mesa e encarar o relógio de pulso, percebeu que talvez a caminhada de 10 minutos até o escritório não o permitiria chegar pelo menos uns 5 minutos antes das 8h. Afinal de contas, os ponteiros marcavam 7:48. Guardou seu computador e suas anotações na bolsa de couro transversal, que combinava de um jeito formoso com aquela roupa social bem alinhada, escolhida com muita cautela para aquele dia. Causar uma boa impressão era imprescindível!

Para melhorar tudo, como se já não estivesse atrasado e com a cabeça cheia, nada como uma trombada desatenta na porta, enquanto tentava sair da cafeteria. Ele pensou em esbravejar pela falta de atenção da pessoa, afinal de contas, como ocupar tanto espaço para passar por um portal de quase dois metros? " Esse ser espaçoso deve tá pagando dois IPVAs". Pedro pensou em responder, provocando, até que pensando melhor sobre o ocorrido, percebeu sem muito esforço que o erro havia sido dele, mas ao encarar a pessoa com quem havia dado o esbarrão, emudeceu.

Se houvesse uma persona responsável pela região do "Medo", tipo aquele do filme Divertidamente, esse ser ou entidade estava naquele momento alertando-o sobre o tempo correndo, enquanto a "Alegria" assumiu o comando de tudo e o dominou. Foram os 3 segundos mais conturbados de interação que ele havia vivido até então. A coordenação motora falhou enquanto tentava se desculpar e pegar as pastas que haviam caído no chão.

- Posso lhe pagar um café para me desculpar? - Perguntou Pedro, sendo a única coisa que conseguiu pensar de imediato, com um olhar gentil, embora sincronizado com o desespero. Enquanto seus dois neurônios mais responsáveis o questionavam:

"O que você está fazendo? Você está mega atrasado!".

Seu Eu irresponsável respondeu sem titubear:

"Atrasado, atrasado e meio..."

- Não precisa! - Disse a desconhecida com um sorriso tímido.

- Por favor, eu faço questão! - Insistiu Pedro, ajudando a levantar sua bolsa, pasta e chaveiro, apoiando sobre a mesa que ele estava e enquanto estavam caminhando para o balcão, ele se apresentou. - Perdão, eu me chamo Pedro. Qual seu nome?

A mulher o acompanhou, embora estivesse ainda em dúvida se aceitaria a gentileza.

- Juliana...

Ela usava uma maquiagem leve e vestia um terninho de tons claros, com um corte característico de uma marca fina e específica, o que indicava que onde quer que trabalhasse por ali, isso se trabalhasse por ali, seria no mínimo uma funcionária em um cargo de gestão, talvez pela liberdade e qualidade de escolha de roupa, sem a obrigatoriedade de um uniforme, como costuma ser para cargos operacionais...

As breves e leves observações preconceituosas que Pedro vinha fazendo ao encará-la, era uma tentativa de não dar uma bola fora, falando qualquer besteira, tendo em vista o seu péssimo timing para piadas, ainda mais quando ficava nervoso, de garganta seca e testa molhada.

- Você trabalha por aqui mesmo pelo centro? Ou veio resolver alguma questão de documentos? - perguntou Pedro, sendo cauteloso para não ser invasivo.

Até porque, ir ao centro do Rio resolver documentações é um fardo que o carioca sofre, ainda que boa parte dos processos hoje em dia sejam digitais. Mas quando se mora em bairros mais afastados, sem falar naqueles que não possuem linha de metrô, aí o sufoco é triplicado.

- Trabalho sim! Sou representante comercial. Nosso escritório fica no prédio Big, na rua Buenos Aires.

"Tão perto" pensou Pedro.

- E você? - Juliana devolveu a pergunta.

Os olhos de Pedro saltaram com a palavra "Big", pensou rápido no Big Ben e por conseguinte, no relógio, pois já estava muito mais que atrasado, entretanto tornou a ignorar o marcador de horas...

- Também trabalho aqui no Centro. Sou Analista de Performance e Desenvolvimento Pessoal.

- Nossa, uma ocupação bem importante e trabalhosa. Isso sem contar que tem que conhecer a empresa de cabo-a-rabo. - Disse Juliana demonstrando atenção genuína, pois conhecia as dificuldades do ofício, e sempre com um olhar afável e gentil.

- Um título gigante pra dizer que treino os funcionários para realizarem as atividades e avaliar se estão segundo o que a empresa espera.

- Continua sendo bastante importante. - Juliana deu um sorriso acolhedor.

- Importante é, e eu adoro. A parte ruim é que sinto uma leve desconfiança de que a operação tem um certo ódio de mim.

- Deixa eu adivinhar, acham que seu trabalho é punir quem não vai bem na avaliação, acertei? - Juliana expressava um sorriso sutil para aquele evento canônico.

- Uhum! - acenou concordando e torcendo o canto direito da boca, fazendo uma expressão de dar pena. - Pra minha sorte, há outras atividades e assim o trabalho fica mais leve.

- E quais são as outras atividades?

- Eu ia falar "Ficar vendo meme no horário de trabalho", mas isso não seria muito profissional, embora verdadeiro. - Ele brincou revirando os olhos como se tentasse disfarçar ou fingir ingenuidade.

Juliana riu.

- Mas isso aí, é tão comum quanto beber todo o café e reclamar que o pessoal tá acabando com o café da seção.

- Olha, isso foi muito específico. Quer conversar sobre? - Pedro fingiu uma voz doce e suave, do jeito que imaginou naquele momento, que um terapeuta utilizaria.

- Tá com tempo? - Juliana ria pensando no tanto que precisaria.

- Talvez essa seja a pior justificativa, mas você se importaria se eu pegasse seu número? - Sua expressão de constrangimento ao pedir o número não disfarçava as marcas de expressão de pavor pelo tanto que o tempo havia voado naquela conversa. - Estou muito atrasado, mas queria conversar mais com você depois!

Ela riu e estendeu a mão, num gesto de pedido, para digitar seu número no discador. Ele a observou digitando um nome um tanto inusitado: "Juliana - Café" e então, ela entregou o aparelho e assim que ele salvou, mandou uma mensagem para que ela salvasse o seu contato.

"Adoraria te contar mais coisas além do trabalho. Rsrsrs"

Ela pegou o celular e deu um sorriso contido ao ver a mensagem pela barra de notificação.

Ele a observou sorrindo, desejando parar o tempo para observá-la mais um pouco, todavia a responsabilidade o intimava.

- Mais uma vez, me perdoe! Tenho que ir.

- Tudo bem... Bom trabalho!

Se levantando e recolhendo suas coisas, Pedro estendeu a mão para se despedir daquela linda estranha que acabara de conhecer. Caminhou com uma postura pomposa e elegante até a porta da cafeteria e passando pelos umbrais, saiu disparado.

A tensão no escritório estava à flor da pele por conta do importante compromisso que havia para a empresa naquele dia. Independente do setor, todas as energias foram direcionadas para aprontar a recepção que aconteceria. Porém, a voz esbravejando ordens e reclamações dos supervisores estava em um volume muito baixo, em comparação a qualquer pagode que estivesse tocando na mente de Pedro naquela altura do campeonato. Dilsinho ou Ferrugem, quem quer que fosse, havia adoçado o dia de uma tal maneira, que nosso querido menino estava com a disposição de um crossfiteiro em pregar a palavra do Crossfit a qualquer um que entrasse em seu caminho.

(ARABESCO)

Enquanto na cafeteria, Juliana tomava seu café sem pressa folheando algumas páginas de Oscar Wilde, tentando entender mais sobre aquele tal retrato. Mas pensando também no caos de minutos atrás, onde qualquer pessoa da atualidade, infectada com o material radioativo que circula entre nós, teria feito daqueles minutos conturbados, a justificativa ideal para encarar o dia na negatividade logo cedo. Contudo, sorria!

- Com licença, o rapaz com quem conversei mais cedo, costuma tomar café aqui todos os dias? - perguntou ao balconista com um tom preocupado, a fim de não levantar más interpretações.

- Sim, ele costuma chegar bem cedo e fica sempre nessa mesa próxima à janela. - Contou Gabriel, que ao pensar um pouco sobre sua observação, refletiu o porquê de Pedro escolher sempre aquela mesa. Ele buscou em sua memória um dia onde ele tivesse escolhido outro lugar, mas não encontrou tal episódio. Deixando o pensamento paralelo de lado, voltou-se em direção à senhorita. - Mas o que houve? Ele deixou algo? Precisa que eu lhe entregue um recado?

- Não precisa, amanhã virei mais cedo mesmo, e falo com ele. - Se explicou buscando se esquivar. - Muitíssimo obrigada.

Descer a Avenida Rio Branco com aquela garoa fina, foi um interessante exercício de reflexão. "Como um estranho me abalou ao ponto de estar pensando nele? Ele não fez nada... Calma aí, também não é assim... Ele foi gentil, atencioso... Mas era o mínimo também, neh?! Só que foi tão fofo..."

Enquanto Juliana ia discutindo consigo pelo caminho, Pedro parecia ter atravessado uma obra da prefeitura, pois o chão se abriu. Ele estava estarrecido com sua beleza e ela com seu jeito fofo, ambos seguiram pensando no que quer que tenha acontecido na cafeteria, mas sem atitude, visto que já possuíam o número do telefone um do outro.

Havia aquele medo de parecer ao outro desesperado, quando o que havia era curiosidade sobre aquele singelo momento que havia partilhado algumas breves informações. Mas para além de toda percepção fofa, gentil e educada, ambos haviam sentido uma intrigante atração.

Pedro se contorcia para não mandar mais uma mensagem, já que ele havia enviado e ela apenas visualizado. Um estranho nervosismo o tomava, e quanto mais ele pensava, mais seus neurônios arrumavam motivos para continuar pensando naquela mulher. Tornou a pensar num tópico importante que veio meditando no caminho da cafeteria até seu prédio. Tentou lembrar há quanto tempo estava sem transar, porque aquela obsessão toda por uma completa desconhecida, só podia ser carência. Contudo, ele era mestre em se sabotar e ver coisas que, diante dos olhos de qualquer um, não havia. Após roer o lápis feito um castor, diga-se de passagem, nem era seu, ajeitou sua postura na cadeira, ergueu os braços entrelaçando os dedos para se alongar, sacudiu sua cabeça e disse pra si, na intenção de calar esses pensamentos: "Já, já você a esquece!"

Mas a empolgação pela novidade o traía.

Ainda mais porque a voz calma de Juliana, havia lhe deixado com uma sensação tão gostosa e, ao mesmo tempo, era um convite para mais. Mais conversa, mais café, que poderia se estender e ele não se importaria, visto querer isso... Ele cochichando consigo: "Como ela é linda!". E nem falava de beleza.

Juliana por outro lado, agora em seu escritório, estava focadíssima em suas atividades para o decorrer do dia. Embora hora ou outra se pegasse olhando o celular, esperando ver uma notificação mas se sentindo confusa, refletindo se de fato queria mesmo aquilo. Ao longo da vida, já havia colecionado experiências o suficiente para ficar alerta. Mas quem nunca se descuidou, não é mesmo?!

"Acho que estou pensando demais nesse estranho..." - E tornou a se concentrar nas negociações que precisava elaborar.

(ARABESCO)

Não é incomum que um estranho nos tome atenção, nos instigue. É uma pessoa a qual não temos nenhuma informação e sendo assim, nosso instinto investigativo é despertado e agora queremos saber mais desse outro, que nem fez nada, mas já alugou um triplex na mente.

As horas daquela manhã iam se encerrando, marcando o início da tarde e Pedro se aprontou para tirar seu intervalo e almoçar. Enquanto atravessava os corredores, indo em direção da copa, procurou sua amiga. Quando entrou na fila para esquentar sua marmita, se deu conta que, a manhã toda ainda não havia esbarrado com Cláudia Bittencourt, sua colega de mesa. Pensou no que ela estaria dedicando tamanha atenção, pois era estranho não estar ali o perturbando com qualquer comentário sobre a trivialidade dos programas de Reality Shows, programas e pautas jornalísticas e blogs na internet. Ele queria contar para ela sobre a misteriosa Juliana, com quem ele havia conversado de maneira apressada na cafeteria mais cedo.

Ele esquenta sua comida, se senta à mesa e continua a passar o olho na copa, na esperança de encontrá-la. Minutos depois, lá vem ela! Toda pomposa com classe e elegância. Além de ser inteligente e bem informada, sua personalidade forte intimidava a qualquer um, e essa era uma prática que ela aplicava de maneira intencional, a fim de filtrar aqueles que de fato gostariam de se aproximar dela.

- Que olhar estranho é esse, meu raro? Usou alguma coisa? - sussurrou a segunda pergunta assim que chegou mais perto de Pedro.

- Nada disso. Acho que encontrei a mulher da minha vida!

- Meu amigo, você sabe que mulher nenhuma é sua, então vamos parar com a palhaçada e me diga quem lhe deixou excitado! - Disse Cláudia da forma mais ríspida possível e com um tom irônico.

- Falo muito sério! Encontrei com ela essa manhã, ela é tão linda... Tem uma presença, sabe? Até tomamos café juntos... - Disse Pedro sem pressa, quase soletrando e suspirando, referenciando o momento que Aladim desabafa com o gênio.

- E aí, você acordou perto do ponto de ônibus onde você devia descer, após ter babado a manga da camisa da pessoa que sentava ao seu lado, né?! - Interrompeu Cláudia.

- Nada disso! Eu estava como de costume na cafeteria, fingindo naturalidade enquanto me atrasava com a paz interna de um budista regendo meus pensamentos, mas quando me aprontei para sair e vir para o escritório, trombei com ela na porta, as coisas dela caíram, foi uma confusão.

- Eu queria tá no lugar do Cafetão pra ver essa cena! Vou chamar isso de "qualquer filme teen" - Comentou Cláudia debochando de Pedro.

- Não sei porque tu chama o Gabriel assim... Sinto que não gosta de mim, mas ele é mó legal! E voltando ao assunto, até pedi o número dela!

- Olha só, parece que alguém vai transar em breve! Já estava na hora amigo, seus braços não estão simétricos. Esse treino unilateral tá feio.

- Pegou pesado! - Disse Pedro caindo na risada. - Sou um homem rústico que aprecia um namoro artesanal!

- Namoro artesanal? Que porra é essa? - ao pensar um pouco, ela se deu conta da piada típica da puberdade e ignorou a tentativa de Pedro se explicar. Revirando os olhos e dando de ombros. - Sei, mas e ela? Já te respondeu? Ficou tão empolgada quanto você?

- Ela foi bem simpática, a conversa foi rápida, leve, mas daquele jeitinho que dá vontade de continuar...

- Não quero bancar a mãe não, mas ela tem quantos anos mais ou menos?

- Meio indelicado perguntar isso na primeira interação, né, Cláudia?

- Tem razão. Me preocupei porque você já é um jovem senhor de 33 anos, e da última vez que se envolveu com uma novinha de 25, não aguentou duas baladas seguidas e ela te largou.

- Eu que não quis mais. Nossa vibe não combinava tanto...

- Fica menos feio você dizer que prefere dormir cedo, a ficar em pé numa balada. Essa desculpa esfarrapada de que "a vibe não combina" é porque um não aguenta o ritmo do outro.

A acidez e transparência de Cláudia era sua marca registrada.

- Sabemos também que você é um pouquinho emocionado, ein! Tipo um adolescente eufórico. Então esse teu sorriso largo aí, me dá medo. - Ela soltou essa

Após a metralhadora de observações que Cláudia ativou contra Pedro, de maneira mais racional e menos emotiva, ele ponderou e se questionou sobre sua condição. De fato, já havia um tempo que não se envolvia com ninguém, mas o pior não havia contado para Cláudia. No caso, o que ele deveria ter investigado e não o fez.

- Outra coisa, Pedro, você se certificou de que ela é solteira? - Ela perguntou num tom até inocente, e sem perceber, trazia o pior à tona.

- Então...

- Pedro, é sério que você tá aí todo eufórico, sem nem ao menos saber se a mulher é solteira?

- Ela não aceitaria que eu lhe pagasse um café e se sentaria comigo à mesa, se fosse comprometida, né?!

- E por que não? Já que você derrubou as coisas dela no chão, e foi um cavalheiro ao se oferecer para pagar o café como um pedido de desculpas.

Pedro pensou em refutar, tentando explicar aquele jeito peculiar de como Juliana havia lhe encarado, e o tanto que o sorriso dela era convidativo, o jeito simpático de conversar e interagir. As pessoas, no geral, não agem assim, ninguém dá trela para um estranho e prolonga o assunto, sem que haja algum interesse. Mas tudo o que pensava, e conforme pensava sobre, sabia que eram pensamentos que despertaria a feminista ativista que havia em Cláudia, provocando um debate para o qual ele só não tinha energia para iniciar, como também jamais conseguiria validar seus argumentos.

Enquanto processava tudo isso, seu dedo indicador que havia sido levantado para iniciar a argumentação, baixou-se com um suspiro concordando. Era mais sensato evitar uma discussão que poderia não levar a lugar algum, reconhecendo os limites de sua própria compreensão. Partilhar os fatos detalhados para Cláudia era sua meta. A capacidade analítica daquela mulher era absurda, além é claro de ter o lugar de fala, para orientá-lo da melhor maneira possível.

- Tá, mas o que tu acha sobre eu mandar uma mensagem pra ela? Tipo, chamando pra fazer alguma coisa.

- Meu amigo, o não você já tem! Independente do que eu diga, isso atormentará tua cabeça por um bom tempo. - Cláudia respirou fundo e completou: - Maldito "E se..."

Ela tornou a encará-lo e debochou como sempre.

- Se ela não quiser, parte pra outra. Simples.

- Você tem razão. - Com um sorriso pervertido, embora fosse um tanto melancólico. Poderia até desistir, mas seu Eu lírico sofreria pelas breves histórias que ele criou em seu mundo de ilusões.

Quase mudando de assunto, mas ainda sobre relacionamentos, Pedro provocou Cláudia com um tom de voz sério e penoso.

- Eu só queria ter o seu desapego. Atender as necessidades básicas e cair fora. Sem dependência, sem a pessoa ficar puta comigo. Como você consegue?!

- Sei que tenho razão! Você que tenta bancar o Djavan e se confunde com qualquer sinal. Um dia, talvez, você aprenda... ou não. - disse ela revirando os olhos.

- Sei que nem tudo que reluz é ouro mas, final de semana chegando, a gente só quer um cheiro e um chamego. - disse Pedro rindo.

- Agora tu tá falando minha língua! Eu só evito criar expectativas sobre o que a pessoa tá pensando sobre. É injusto com a pessoa e comigo. Só viso ser coerente com o que quero sobre aquele date e por isso tenho sempre uma conversa muito franca sobre minhas vontades e saber se a pessoa tá de acordo. Simples...

- Sei lá, parece frio demais pra mim, mas se funciona com você, não serei eu a julgar?

- Sei... tá dizendo isso julgando horrores! - Disse Cláudia com um largo sorriso debochado. - E voltando ao trabalho, o material para a apresentação, tu me enviou?

- Mandei pro Leandro e Raquel avaliarem ontem. Pensei que você estivesse na cópia da resposta deles. O Leandro gostou bastante.

- Leandro não conta, ele tem carinho por você, foi contratado por ele. - Disse Cláudia com um olhar de desdém, torcendo os lábios em deboche.

- Talvez eu seja protegido do homem, mas se eu fizer merda, roda todo mundo.

- Então não faça!

- Bora descer e comprar uma sobremesa?

- Vamos, mas você paga. - Ordenou Cláudia.

                         

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