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- Passaram a noite toda acordados? Vocês parecem zumbis. - Diana perguntou, comendo sua rosquinha recheada. Havíamos combinado de tomar café da manhã juntos no restaurante do hotel às 6:00 a. m., mas estava sendo difícil acompanhar a animação dela naquela manhã.
Eu me encontrava com uma exagerada xícara de cafeína em minhas mãos enquanto tentava concentrar-me em seu falatório. Michael, que tentava se manter acordado, estava com o canto da boca suja de chocolate do doce que ainda comia, ou pelo menos, insistia em tentar comer enquanto quase dormia sentado em sua cadeira acolchoada. Já Jackson, por outro lado, havia desistido e simplesmente se debruçado sobre seus braços em cima da mesa ao meu lado, decidido a dormir ali mesmo e ignorar as pessoas à sua volta.
- Eu revirei a noite toda. - Reclamei, bufando. Além de ter ficado por horas acordada, conversando e lendo sobre o caso, a locomotiva fantasma havia resolvido assombrar minhas poucas horas de sono e não me deixando descansar.
- Vocês deram uma olhada nos arquivos que encontrei? - Ela questionou, analisando curiosamente o loiro ao seu lado. Sem esperar por uma resposta, a ruiva puxou devagar o objeto redondo para longe dele, pegando-o para si e gargalhando divertidamente quando o homem acordou em um sobressalto, procurando pelo doce perdido. Mike ainda demorou alguns segundos para situar-se ao ambiente e notar que Diana agora balançava a mão com seu doce roubado em frente ao seu rosto, com um sorriso atrevido nos lábios vermelhos. Ele revirou os olhos para ela, pegando a rosquinha de volta enquanto resmungava algo que não consegui ouvir, mas fez a mesma rir.
- Conversamos ontem pelo chat à noite. - Respondi, observando a cena. Aqueles dois eram, no mínimo, engraçados de se assistir. Eles poderiam negar que tinham algo, porém, não conseguiam disfarçar cada vez que olhavam um para o outro. Cada brincadeira era sempre banhada de olhares profundos e apaixonados, mesmo quando estavam somente tentando irritar um ao outro. - Pelo que entendi, houve dois sobreviventes do acidente. Um homem mais velho e um garoto, certo? Mas não encontrei os testemunhos. Diana assentiu, pegando o guardanapo de seu colo para limpar as mãos do chocolate e do creme que sujavam seus dedos antes de olhar para mim.
- O homem foi interrogado pela polícia dois dias depois do acidente. Eu procurei, mas não achei o documento oficial. - Ela deu de ombros. - Já o garoto nem chegou a ser ouvido por ser menor de idade e estar em estado de choque.
- Dizem que era o mesmo garoto rico... - Jackson murmurou baixo, ainda com o rosto escondido entre as mangas do grosso sobretudo que usava e a madeira escura da mesa.
A neve e a chuva forte nos castigavam em conjunto com o sono nesse meio de outono na capital italiana. Mesmo aqui de dentro do restaurante, com o aquecedor ligado, protegida do cenário congelado e esbranquiçado pintado do lado de fora, ainda podia sentir a ponta de meu nariz sensível à baixa temperatura e poderia apostar que as pontas de meus dedos somente ainda estavam quentes devido à caneca fumegante que segurava firme.
O mês de novembro no país não era conhecido pela neve ou por ser frio, mas, pelo jeito, havíamos tirado a sorte grande de viajar justamente nos dias mais frios que Roma já pudera registrar nessa época do ano. Contudo, e felizmente, de acordo com o pouco que assisti do jornal transmitido na grande TV pendurada na parede perto da recepção, ainda teríamos uma onda de calor daqui a algumas horas, com um final de tarde ensolarado.
- O quê? - Virei-me para sua direção, franzindo as sobrancelhas em plena confusão enquanto tomava mais um gole de minha bebida e tentava compreender o que ele havia dito. O moreno levantou o corpo devagar com minha pergunta, espreguiçando-se e arrumando-se na cadeira sem pressa alguma enquanto fechava o sobretudo para se proteger melhor do vento que entrava pela enorme porta de vidro cada vez que alguém a usava e se acostumava com a claridade e agitação do ambiente.
- Preciso de café... - Ele resmungou, encarando alguns hóspedes que passavam por nós enquanto arrumava os fios rebeldes dos cabelos escuros que caíam em seus olhos, atrapalhando sua visão. Reed, que estava sentado à sua frente, empurrou a própria xícara ainda intacta para ele, mais interessado em seu chocolate quente do que na cafeína, como de costume. - Valeu, Mike. - Agradeceu com um sorriso mínimo, levando a mesma aos lábios e tomando um longo gole sem se preocupar em nos deixar esperando por sua explicação. - A lenda principal sobre a caixa de jacarandá com o crânio do autor diz que ele foi levado para o trem por um garoto. Filho de um importante magnata. E seria o mesmo garoto menor de idade que sobreviveu ao acidente.
- Por que um garoto teria acesso aos ossos de uma figura tão importante para a história? A qualquer osso, na realidade?! - A ruiva perguntou, indignada. Diana não gostava de lendas urbanas ou contos de terror tanto quanto eu. Mas, ao contrário de mim, seus motivos para isso eram o medo e os pesadelos recorrentes que sempre tinha quando inventava de assistir ou ouvir histórias como essas.
Concordávamos em preferir os fatos, podíamos lidar com o que conhecíamos e com o que, possivelmente, conseguiríamos matar, caso fosse necessário.
- Todos os 100 passageiros eram "podres" de ricos. - O loiro deu de ombros. - Dependendo de quem ele era filho, poderia ter o "mundo" nas mãos naquela época. Um crânio seria fácil de conseguir.
- Exato. O garoto viu a possibilidade de pregar uma peça nos passageiros durante a viagem chata da alta classe até Milão. Ele tinha que se divertir de algum jeito. - Jack concluiu divertindo-se com a ideia da travessura, enquanto tentava roubar alguns bolinhos de meu prato, mas antes que tivesse sucesso, acertei um tapa em sua mão, puxando os mesmos para longe de seu alcance. - Aí, Cachinhos! O que custa dividir?! - Tomei mais um gole de meu café, ignorando sua reclamação e os olhos estreitos que me encaravam contrariados. Eu poderia e realmente não me importava em dividi-los, porém, ainda pretendia comê-los e o moreno podia pedir para si de qualquer forma ao invés de pegar os meus como geralmente fazia. Bufando, ele se virou para os outros dois, continuando a falar. - Mas, de acordo com a lenda, ele não conseguiu fazer a pegadinha e a caixa ainda permanece dentro do trem.
- De qualquer jeito... Não sabemos se esta parte da história é real mesmo ou somente invenção, e nós temos que estar prontos para sair daqui a duas horas. Precisamos pegar um carro no escritório e depois passar na Academia de Ciências Antropológicas de Roma. Eles me mandaram um e-mail dizendo que encontraram mais arquivos que podem ser úteis para nossa investigação e que faltavam algumas autorizações. - Avisei, batendo novamente nos dedos atrevidos de Jack. Encarei seus olhos escuros, o ameaçando em silêncio, nenhum pouco disposta a voltar atrás em minha direção. Folgado. - Peça para você, Hould!
- Perfeito! Duas horas me dão tempo o suficiente para tirar um cochilo antes de sair... - O loiro disse feliz, depois de olhar seu relógio de pulso, alheio à nossa briga e à Diana que se divertia tomando seu suco natural e nos assistia. Ele se levantou, colocando três doces inteiros na boca de uma vez enquanto arrumava o casaco grosso de cor creme em seu corpo, pronto para voltar para seu quarto. - O quê?! - Ele questionou quando notou nossos olhares silenciosos e incrédulos em sua direção.
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A reitora e o vice-diretor da ACARome haviam sido muito atenciosos e simpáticos, em minha visão. Além dos documentos de que necessitávamos, eles forneceram duas caixas lacradas com informações secretas sobre o caso e os possíveis escândalos da Zanetti. Pelo pouco que observei, a maioria dos documentos somente ia até a época do bombardeio na guerra. No entanto, a partir dali, toda a investigação e companhia viraram arquivos esquecidos em algum departamento do governo, juntando pó. Relatórios policiais, jornais da época, documentos particulares da própria ferroviária que acabaram na mão do Estado, assim que a empresa foi à falência. O que mais me intrigava era como a reitora parecia feliz em se ver livre do caso.
- Consigo escutar seu cérebro funcionando daqui, sabia? No que está pensando, Cachinhos? - Jack brincou, sorrindo maroto. Revirei os olhos para o apelido, virando-me para o homem, a tempo de vê-lo se ajeitar na poltrona espaçosa do saguão, com uma postura impecável.
- Você não acha estranho toda essa boa vontade da Academia? - Questionei em tom baixo, curvando-me para frente e encostando meus cotovelos nos braços de meu assento enquanto observava mais hóspedes passarem pela gente em direção à rua. O moreno lançou-me um olhar confuso, repetindo meu ato e se aproximando. - Geralmente, eles não gostam de estrangeiros desvendando seus casos e mexendo em possíveis escândalos para a história de seu país que não podem controlar. E esse com certeza movimentará muito dinheiro e visualização se conseguirmos desvendá-lo. - Lembrava-me de nossas outras investigações e nunca era tão fácil lidar com o governo do país em que estávamos trabalhando. Muitas vezes tínhamos que insistir para conseguir informações úteis e até mesmo dividir tudo o que havíamos conseguido de evidência com um gabinete responsável. Porém, desta vez tínhamos acesso a tudo e livre-arbítrio para trabalhar sem nos preocupar.
- Realmente... - Respondeu pensativo após alguns segundos. - Eu comentei sobre a lenda da caixa com o Senhor Ladrini para descontrair e ele ficou "branco". Mudou de assunto na mesma hora, como se estivesse assustado... talvez eles ainda acreditem que o túnel é amaldiçoado. - Ele deu de ombros, sorrindo debochado para mim, fazendo-me rir de tal absurdo.
Antes que eu pudesse argumentar o quanto achava a ideia fantasiosa e boba, Michael e Diana apareceram com as malas prontas para sairmos. Havíamos decidido que sairíamos naquela tarde mesmo para Lombardia. Eram mais de cinco horas de viagem e, provavelmente, só chegaríamos ao anoitecer. Contudo, não tínhamos como ter certeza da previsão do tempo para amanhã cedo, então era melhor que aproveitássemos o surgimento do sol. O que também possibilitaria que pudéssemos analisar o local do acidente com maior antecedência.
- Finalmente. Tinham tantas roupas que precisavam da ajuda um do outro para arrumá-las?! - Jackson provocou os dois parados à nossa frente, mudando de assunto. Mordi meus lábios, segurando a vontade de sorrir para a expressão furiosa que a ruiva lançou para ele. E o sorriso envergonhado que surgiu no rosto do loiro, entregando o "casal".
- Já acabou, engraçadinho? - Diana perguntou, no mesmo tom de deboche. - Vamos logo, Pirata.
O moreno levantou os braços em sinal de paz ao ouvir o apelido proferido. Por mais que amasse tirar Diana do sério, Jack não era louco de continuar enquanto tivesse a possibilidade de a mesma ser a motorista e, possivelmente, tentar matá-lo em um "acidente" inesperado. Minha melhor amiga podia ser bem vingativa quando queria... Mas, para sua sorte, quem acabou no volante da SUV fui eu, e, como combinado, o moreno dirigiria quando escurecesse. Eu odiava pegar a estrada sem a luz do sol no céu, me causava sono.
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