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[Ponto de vista: Olívia]
O silêncio em seu apartamento parecia ter som.
Desde que voltou do restaurante, Olívia não havia conseguido tirar o vestido. O vinho antes sofisticado agora a sufocava. Os saltos foram chutados na entrada. Os brincos atirados sobre a pia da cozinha. Mas o que ela queria mesmo jogar longe era o olhar de Noah Ferraz.
Ela estava furiosa.
Com ele, por ser invasivo.
Com ela, por se importar.
Na tela do celular, o nome dele não apareceu - mas apareceu Lara:
"Ele me mandou mensagem. Cancelou o patrocínio com o nome dele. Disse que vai transferir pro instituto direto. Sem envolvimento."
Ela leu. Releu.
Respirou.
Mas não respondeu.
Por mais que tentasse racionalizar, algo dentro dela reconhecia o gesto. Ainda era um homem tentando se redimir à sua maneira torta, mas... era alguma coisa
Mesmo assim, não bastava.
Ela precisava mais do que ações impensadas. Precisava de atitude real, de escuta, de vulnerabilidade.
Precisava que ele largasse o poder - pelo menos ao entrar na porta dela.
Às 21h13, o interfone tocou.
Seu coração pulou no peito, como se já soubesse.
- É o Sr. Noah Ferraz. Deseja autorizar a entrada?
Olívia ficou imóvel por três segundos.
Não sabia o que doía mais: a decepção ainda fresca ou a vontade de vê-lo.
- Pode liberar.
Ela não se arrumou. Não passou perfume. Apenas soltou os cabelos e prendeu os fios mais rebeldes com um grampo. Tirou o vestido sufocante e trocou por uma calça de moletom cinza e uma blusa de manga longa, preta, fina, que marcava seus seios sem revelar. O corpo dela estava em guerra, mas ela queria estar inteira.
Quando abriu a porta, ele estava ali.
Camisa preta, de linho fino, com os dois primeiros botões abertos. As mangas dobradas até os antebraços. Calça escura. Botas limpas. O rosto parecia mais... cansado. Ou talvez só honesto.
- Olívia - ele disse, como se dissesse seu nome pela primeira vez.
Ela não respondeu. Deu um passo para o lado, abrindo espaço para que ele entrasse.
Fechou a porta com calma.
Não o convidou a sentar.
Apenas cruzou os braços.
- Você veio por quê?
- Porque não consegui parar de pensar em como te perdi. Mesmo sem nunca ter te tido.
Ela não esperava por isso.
Ficou em silêncio, então caminhou até a cozinha e pegou dois copos d'água. Entregou um a ele.
- Obrigado - ele disse.
- Pode sentar. Mas fala. E seja sincero. Porque se for mais uma cena de poder, eu juro que levanto e não volto mais.
Noah sentou-se no sofá. Ajeitou-se como quem não estava acostumado com aquele tipo de desconforto. Como se ali, pela primeira vez, estivesse nu de verdade.
- Eu sempre resolvi tudo com dinheiro. Com contratos. Com controle. Nunca precisei pedir duas vezes. Nunca precisei... me explicar. - Ele fez uma pausa. - Mas com você, eu não sei jogar. Não sei como andar. E isso me apavora.
Ela sentou de frente, nas almofadas baixas do chão, o corpo ereto, as mãos sobre os joelhos.
- Então não tente me dominar. Tente me entender.
- Eu quero te entender. Só que eu sou feito de pedras. E você veio como água. Me atravessa sem me quebrar. Mas me molda. E eu não sei se isso é bom... ou perigoso.
Ela o encarou por longos segundos.
O olhar dele estava quente. Mas não de desejo - de dor.
E aquilo a desarmou.
- Me conta - ela disse. - Não sobre negócios. Sobre você.
Ele respirou fundo, encostou os cotovelos nos joelhos e passou os dedos pelos cabelos.
- Eu tinha 15 anos quando meu pai morreu. Foi de repente. Um infarto, na frente da gente. Eu lembro do grito da minha mãe. Do cheiro do café na cozinha. Do silêncio depois. - Fez uma pausa. - Depois disso, virei adulto em dois dias. Cuidei da minha mãe. Do meu irmão. Virei chefe de casa sem saber nada do mundo.
Olívia sentiu um aperto no peito.
A dor tinha forma na voz dele.
- Aprendi a controlar tudo pra não ver mais ninguém desmoronar. Mas no processo, criei um campo minado em mim mesmo. E cada vez que você chega perto... pisa nele.
Ela engoliu seco.
Queria não sentir.
Mas sentia.
- Sabe o que é pior? - ele continuou. - Que mesmo errando com você, tudo o que eu queria era que você visse além da minha armadura. Porque eu me vejo quando você me olha. Mas ao mesmo tempo... eu fujo.
- Porque é mais fácil mandar do que se mostrar.
Ele assentiu.
- Eu tentei comprar sua presença. Quando na verdade... eu só queria que você ficasse. Por vontade.
Ela se aproximou, ajoelhando-se diante dele no chão.
Agora estavam à mesma altura.
- Noah - ela disse, com a voz baixa, - você precisa parar de tentar merecer amor com força. Porque isso só machuca. E eu não sou alguém que você precisa conquistar. Eu sou alguém que você pode conhecer. Se tiver coragem.
Ele fechou os olhos por um instante.
Quando os abriu, havia algo novo ali.
Algo humano. Cru. Quase frágil.
Ela ergueu a mão e encostou no peito dele, sobre a camisa.
Sentiu o coração batendo. Forte. Acelerado.
- Você ainda me quer? - ele perguntou.
Ela sorriu de canto.
- Isso nunca esteve em dúvida. A questão é: você consegue me ter... sem tentar me controlar?
- Quero tentar. Do seu jeito.
Ela se aproximou. Os rostos próximos. A respiração deles já se misturava.
E então ela o beijou.
Leve. Sem pressa.
Com a ponta dos lábios apenas.
E quando se afastou, sussurrou:
- Não me perde de novo.
Ele segurou o rosto dela com as duas mãos, como quem segura algo frágil e precioso.
- Eu não vou.
E naquele instante, sem corpos despidos, sem cama, sem gemidos...
Eles viveram a cena mais íntima da vida deles.