A palavra "divórcio" ficou a pairar no ar, mais chocante para ele do que a notícia da morte do nosso filho.
O rosto do Miguel passou da culpa à raiva num instante.
"Divórcio? Estás a falar a sério? Depois de tudo o que aconteceu?"
"Sim," respondi, com uma calma que me surpreendeu a mim mesma. "Exatamente por causa de tudo o que aconteceu."
"Isso é ridículo!" ele explodiu, a sua voz a ecoar no pequeno quarto de hospital. "Eu sou bombeiro! Eu salvo pessoas! Era o meu trabalho!"
"O teu trabalho era salvar pessoas," concordei. "Mas eu era a tua mulher. Eu carregava o teu filho. E tu deixaste-nos para trás."
A Clara, que tinha ficado em silêncio no canto, deu um passo à frente.
"Sofia, não foi assim. Ele não te deixou para trás. Ele sabia que outras equipas estavam a chegar. Eu estava em pânico, pensei que ia morrer!"
"Tu estavas dois andares abaixo de mim, Clara," eu disse, sem sequer olhar para ela. "Mais perto da saída. A tua vida nunca esteve em perigo real. Tu só querias a atenção dele."
"Isso não é verdade!" ela choramingou, agarrando-se mais ao braço do Miguel.
Miguel defendeu-a imediatamente. "Não a culpes! Ela estava assustada! E tu? Tu estás a ser egoísta! Estás a pensar em divórcio numa altura como esta? Onde está a tua compaixão?"
A ironia das suas palavras quase me fez rir.
"A minha compaixão morreu no décimo segundo andar, juntamente com o meu filho," disse eu, com a voz gélida. "Morreu cada vez que te liguei e me ignoraste. Morreu quando escolheste um tornozelo torcido em vez da vida do teu próprio filho."
Ele abanou a cabeça, como se não conseguisse processar as minhas palavras.
"Tu não podes fazer isto. Nós somos uma família."
"Nós éramos uma família," corrigi. "Tu destruíste-a. Agora, por favor, sai. Preciso de ficar sozinha."
Ele olhou para mim, uma mistura de fúria e súplica nos seus olhos. Ele esperava que eu cedesse, que eu chorasse, que eu o perdoasse como sempre fazia.
Mas a mulher que fazia isso tinha morrido no fogo.
"Eu não vou a lado nenhum," ele disse teimosamente. "Nós vamos resolver isto."
"Não," eu disse, e peguei no botão para chamar a enfermeira. "Nós não vamos. Se não saíres por vontade própria, a segurança do hospital vai tirar-te."