Eu forcei os meus olhos a abrirem-se, a luz do quarto do hospital era demasiado forte, fazendo-me piscar. Vi o Léo sentado ao meu lado, o seu rosto bonito mostrava uma exaustão que eu nunca tinha visto antes.
Ele estava a usar a mesma roupa de ontem, amarrotada e com uma mancha escura no ombro.
O acidente de carro de ontem à noite passou pela minha cabeça como um relâmpago. O som ensurdecedor do metal a torcer-se, o grito agudo da Ana, e depois a escuridão.
"Léo, o que aconteceu exatamente? Quem nos atingiu?"
Ele evitou o meu olhar, concentrando-se em descascar uma maçã. "A polícia está a investigar, não penses muito nisso agora, o mais importante é recuperares."
A sua evasão fez o meu coração afundar.
O meu telemóvel estava na mesa de cabeceira, peguei nele com a mão a tremer e vi dezenas de chamadas perdidas da minha melhor amiga, Sofia.
Liguei-lhe de volta imediatamente.
"Clara! Graças a Deus! Estás bem? Ouvi dizer que tu e a Ana sofreram um acidente!" A voz ansiosa da Sofia veio do outro lado da linha.
"Estamos bem," tranquilizei-a, "mas a Ana... onde é que ela está?"
"Ela está na casa dos teus sogros. A tua sogra ligou-me, disse que a menina estava assustada mas não se feriu."
Um alívio percorreu-me, mas a ansiedade permaneceu. "Sofia, podes fazer-me um favor? Vai ver a Ana por mim, quero ter a certeza de que ela está mesmo bem."
"Claro, vou já para lá. Mas, Clara... há algo que precisas de saber." A voz da Sofia hesitou. "A pessoa que vos atingiu... foi a Inês, a ex-namorada do Léo."
O meu sangue gelou.
Inês. O nome que o Léo me tinha assegurado que pertencia ao passado.
"O quê?"
"Ela estava a conduzir bêbada, aparentemente. A polícia deteve-a no local."
Olhei para o Léo, que ainda estava a descascar a maçã meticulosamente, como se nada no mundo importasse mais do que aquela fruta.
"Léo," a minha voz tremeu de uma raiva que eu mal conseguia conter. "Foi a Inês, não foi?"
A faca parou. Ele finalmente levantou a cabeça, os seus olhos encontraram os meus. Havia culpa neles, mas também uma estranha determinação.
"Clara, ela não teve a intenção."
"Não teve a intenção? Ela quase nos matou! A nossa filha estava no carro!"
"Ela estava a passar por um mau bocado," disse ele em voz baixa. "O noivado dela foi cancelado, ela tem estado a beber muito. Eu... eu tenho estado a tentar ajudá-la."
A maçã descascada caiu das suas mãos, rolando pelo chão do hospital.
O meu mundo desabou. Não foi apenas um acidente. Foi uma traição.
"Ajudá-la? Então, enquanto eu estava em casa a cuidar da nossa filha, tu estavas a consolar a tua ex-namorada?"
"Não é o que estás a pensar!" Ele levantou-se, a sua voz tornou-se defensiva. "Ela é minha amiga, precisava de apoio!"
"Amiga?" Ri, um som amargo e oco. "Uma amiga que te liga a meio da noite? Uma amiga que te manda mensagens que tu apagas antes que eu veja? Uma amiga que agora nos põe no hospital?"
O silêncio dele foi a única resposta que eu precisava.
Naquele momento, a porta do quarto abriu-se e a minha sogra, a Dona Elvira, entrou. O seu rosto estava carregado de desaprovação.
"Clara, já chega! O Léo passou a noite inteira aqui contigo, não dormiu um segundo. E tu recebes-lo com acusações?"
Ela nem sequer perguntou como eu estava.
"A Inês é uma boa rapariga, só cometeu um erro. O Léo está apenas a ser leal a uma velha amiga. Devias ter orgulho nele, não criar um escândalo por nada."
Olhei da minha sogra para o meu marido. Eles eram uma frente unida. E eu era a estranha.
"Eu quero o divórcio, Léo."
As palavras saíram da minha boca antes que eu pudesse pensar. Mas assim que as disse, soube que eram verdadeiras.