Capítulo 2 Jeito perigoso

A cafeteria que escolheram era pequena e discreta, com decoração vintage, móveis de madeira escura e uma vitrine de doces caseiros que perfumava o ambiente com um aroma suave de baunilha e canela. Era o tipo de lugar que Lara adorava e que Matteo sequer sabia que existia.

Ela escolheu uma mesa próxima à janela, e Matteo, sempre atento ao redor, preferiu sentar de costas para a rua, instinto adquirido após anos em um mundo onde ser distraído significava morrer.

O garçom veio anotar o pedido, e Lara, animada, pediu um chá de frutas vermelhas. Matteo, discreto, optou por um café preto, forte, do jeito que estava acostumado.

Por alguns instantes, ficaram em silêncio. Lara o observava com curiosidade discreta, reparando no corte impecável do terno, na forma como ele mantinha as mãos cruzadas sobre a mesa, os dedos longos e firmes, as veias saltadas que indicavam força.

Ele não parecia um homem comum. Havia algo na sua postura, no olhar, no jeito contido. E mesmo assim, havia uma elegância natural, quase aristocrática.

- Matteo - ela começou, com a voz suave - você é daqui mesmo? Nunca te vi por essas bandas.

Ele demorou a responder, ponderando o que podia ou não dizer.

- Eu cresci aqui, mas passo a maior parte do tempo viajando a trabalho - mentiu com naturalidade. - Talvez por isso você não tenha me visto antes.

Lara assentiu, sorrindo levemente.

- Que tipo de trabalho? - questionou, sem malícia.

Matteo encarou os olhos dela por um instante. Não era um olhar inquisidor, era só genuína curiosidade. Mas mesmo assim, ele precisou escolher as palavras.

- Negócios... familiares - respondeu vago. - Administração de propriedades, investimentos.

Ela achou estranho o jeito nebuloso da resposta, mas não insistiu. Não era do tipo que forçava intimidade.

- E você? - ele perguntou, virando o jogo. - O que faz, além de esbarrar em desconhecidos?

Lara riu com leveza, o som suave que atingiu Matteo como um raio de luz atravessando uma janela fechada há muito tempo.

- Eu reviso livros em uma editora - ela respondeu, orgulhosa. - Estou cercada de palavras o tempo todo, e sinceramente? Eu adoro.

- Livros? - ele arqueou a sobrancelha. - Parece... tranquilo.

Ela sorriu.

- E é. Um pouco monótono para alguns, eu imagino. Mas para mim, é um refúgio.

O garçom chegou com os pedidos, interrompendo a conversa. Matteo agradeceu com um aceno contido, enquanto Lara agradecia sorridente.

Enquanto mexia o chá, ela olhou para ele de novo, tentando adivinhar quem era aquele homem tão sóbrio, tão distante, mas que, por algum motivo, estava ali com ela.

- Você parece... sério demais - ela comentou com um sorriso brincalhão. - Não gosta de sorrir?

Matteo ergueu o olhar, surpreso pela ousadia dela em perguntar aquilo.

- Sorrir não faz parte do meu trabalho - respondeu, com um sorriso quase imperceptível no canto da boca.

Ela inclinou o rosto de lado, curiosa.

- Todo trabalho deveria permitir um sorriso de vez em quando.

- Talvez - ele disse, tomando um gole do café.

Lara não sabia explicar, mas estava gostando daquela conversa, mesmo que Matteo fosse fechado. Talvez justamente por isso: ele era um enigma, uma presença que instigava, como um livro difícil de decifrar.

Passaram mais alguns minutos conversando sobre trivialidades. Lara tentava descobrir mais sobre ele, mas Matteo era mestre em desviar, falando pouco sobre si. Ainda assim, ele ouvia tudo o que ela dizia com atenção, coisa que poucos homens faziam.

Ela falou sobre os livros que lia, sobre os passeios que fazia sozinha, sobre como preferia lugares tranquilos às baladas. Matteo apenas ouvia, fascinado pela leveza dela. Cada palavra era um lembrete do quanto o mundo dele era cinza, pesado.

Quando notou que o tempo havia passado rápido demais, Matteo consultou o relógio discreto no pulso.

- Eu preciso ir - disse, com um tom que soava como um pedido de desculpas.

- Já? - ela perguntou, desapontada, mas sem insistir.

- Já.

Ele colocou dinheiro suficiente para pagar tudo e um pouco mais sobre a mesa. Levantou-se e, pela primeira vez, sorriu de verdade para ela - um sorriso pequeno, mas sincero.

- Foi... interessante, Lara.

- Eu diria o mesmo.

Ele fez um aceno de cabeça e se virou, saindo da cafeteria como um sopro de vento frio. Ela o observou partir pela janela, sem conseguir esconder o sorriso bobo que brotara em seus lábios.

Era um homem estranho. Misterioso, fechado, mas havia algo nele que chamava Lara como um ímã. Ela sabia que não o esqueceria tão cedo.

Nos dias que se seguiram, Lara não conseguiu tirar Matteo da cabeça. Relembrava o olhar dele, a firmeza na voz, o jeito contido. Era como um personagem de romance, daqueles que escondiam segredos e cicatrizes.

Ela não sabia se o veria de novo, mas secretamente desejava que sim.

Matteo, por sua vez, não parava de se repreender. Não deveria ter aceitado aquele café. Não deveria ter sido educado, ou simpático. Deveria tê-la deixado ali, com o broche na mão, e seguido em frente.

Mas não conseguiu.

Algo naquela garota o prendia de um jeito perigoso. Era como um vício em potencial, algo que ele sabia que deveria evitar - mas cuja vontade de repetir o erro só crescia.

E então, contra tudo o que planejava, Matteo mandou alguém discretamente seguir Lara. Queria saber mais sobre ela.

Onde morava, onde trabalhava, quem eram seus amigos.

Sabia que não deveria, que aquilo era o início de uma obsessão. Mas era tarde demais.

Lara, sem saber, havia acendido um fósforo num quarto cheio de pólvora.

E a chama, embora pequena, já ardia.

            
            

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