Capítulo 5 Vontade de esquecer

O inverno avançava silencioso pela cidade, com suas manhãs cinzentas e ventos cortantes que tornavam as ruas menos movimentadas. As árvores secas pareciam testemunhas silenciosas do tempo que passava, marcando o distanciamento que agora crescia entre Lara e Matteo.

Desde aquele último encontro na praça, Matteo desaparecera por completo. Nenhum sinal na cafeteria, nos parques, nas ruas tranquilas onde costumava surgir como um espectro elegante. Para Lara, era como se ele nunca tivesse existido.

No começo, pensou que era só mais um afastamento breve. Que Matteo, com sua personalidade reclusa, precisava de espaço. Mas os dias viraram semanas, e o silêncio se tornava cada vez mais ensurdecedor.

Ela não queria admitir, mas sentia falta dele. Do olhar intenso, das respostas vagas, das palavras medidas que, de algum modo, haviam criado raízes em sua rotina.

Lara não era de insistir em pessoas que a evitavam. Sempre soubera respeitar o espaço dos outros, mas com Matteo... era diferente. Havia algo nele que não a deixava simplesmente desistir. Algo errado. Como se uma parte dela gritasse que aquele sumiço não era só por desinteresse.

Foi então que decidiu que precisava descobrir quem ele era de verdade.

Ela começou pelo básico: vasculhou nas redes sociais. Procurou pelo nome "Matteo", pelo sobrenome que ele jamais havia lhe dito, tentou reconhecer algum rosto parecido em fotos ou perfis de pessoas da cidade. Nada. Nenhuma pista. Nenhuma imagem que remetesse ao homem que ocupava seus pensamentos.

Tentou buscá-lo em registros simples: páginas de empresas, notícias locais, listas de eventos. Tudo em vão.

Era como se Matteo Romano não existisse.

A ausência de qualquer rastro só aumentava a curiosidade - e o incômodo. Quem era aquele homem tão fechado, tão misterioso, que parecia uma ilusão? Alguém com aquela presença, aquele olhar, aquele jeito de ocupar um espaço com tanta força... não poderia passar despercebido pelo mundo.

Lara pensou em procurar ajuda, talvez pedir que algum conhecido hacker ou alguém mais habilidoso com tecnologia a ajudasse, mas o orgulho e o receio de parecer paranoica a impediram.

Em vez disso, decidiu fazer o que sabia melhor: observar.

Voltou a frequentar os lugares onde eles costumavam se encontrar. A cafeteria, o parque, a livraria. Sempre com a esperança secreta de cruzar com Matteo, mesmo que só de relance.

Mas ele não aparecia.

Cada lugar parecia mais vazio sem sua presença. As ruas, mais sem graça. Os cafés, mais frios. O livro no colo tornava-se um acessório para disfarçar o olhar atento que lançava ao redor.

Às vezes, jurava sentir que estava sendo observada, mas quando olhava em volta, não via ninguém.

Era paranoia? Ou Matteo ainda cuidava dela de longe, como um fantasma protetor?

Enquanto isso, Matteo lutava consigo mesmo. O distanciamento que impusera a Lara era uma punição autoimposta. Todas as noites, o pensamento nela retornava com força, como uma febre que não passava.

Ele acreditava que estava protegendo-a. Que o melhor era afastá-la antes que o submundo o qual fazia parte a tragasse também. Lara não sabia, mas o nome de Matteo Romano era temido nos becos escuros da cidade, sussurrado entre criminosos, negociadores, pessoas perigosas

Ele não era só um mafioso. Era o topo da cadeia, o homem que controlava o fluxo de dinheiro sujo, que decidia quem vivia e quem não

E mesmo assim, havia um lado dele que queria quebrar todas as regras. Queria voltar, encontrá-la, confessar a verdade, abraçá-la, protegê-la de si mesmo.

Mas Matteo sabia: ao lado dele, Lara não seria só a garota dos olhos azuis apaixonada por literatura. Ela seria um alvo.

O conflito o consumia. Por um lado, o senso de proteção. Por outro, o desejo egoísta de mantê-la por perto.

Ele tinha olhos nela. Um de seus homens, discreto e eficiente, lhe trazia notícias: Lara estava bem, ainda frequentava os mesmos lugares, ainda parecia esperar por ele, mesmo sem admitir.

Saber disso era um alívio - e um tormento.

Em uma noite fria, Matteo se permitiu um momento de fraqueza. Sentou-se no escritório escuro de sua mansão isolada, cercado de papéis, contratos ilegais, armas escondidas em gavetas. Pegou uma foto discreta que um dos seus homens tirara de Lara sem ela saber: ela sentada na cafeteria, sorrindo para um livro.

Ele passou o polegar sobre o rosto dela na imagem, o olhar pesado de culpa.

- Eu deveria te esquecer - murmurou para si mesmo. - Mas como?

Sabia que não poderia mantê-la longe para sempre. Cedo ou tarde, ela descobriria que ele existia. Talvez por acaso, talvez por uma tragédia. Mas era inevitável.

Ainda assim, adiava o reencontro. Cada dia sem vê-la era um castigo. Mas era o que ele achava ser certo.

Enquanto Matteo se afogava em dúvidas, Lara começava a se mover por outros meios.

Foi até o bar que existia perto da praça onde se encontraram pela última vez. Era um lugar simples, frequentado por pessoas de todos os tipos. Ela levou uma foto desenhada por ela mesma, um esboço do rosto de Matteo, feito de memória.

Mostrou discretamente para o garçom, para o atendente mais velho.

- Você já viu esse homem por aqui? Ele costumava andar por essas ruas.

Recebeu apenas olhares confusos, ombros erguidos, negativas. Ninguém parecia conhecê-lo.

Tentou fazer o mesmo em outros estabelecimentos próximos. Ninguém.

Cada negativa era um muro que se erguia diante dela.

Naquela noite, voltando para casa, Lara caminhava com as mãos no bolso do casaco, o vento frio batendo no rosto, e o coração apertado.

Por que ele desapareceu? Quem era Matteo, para conseguir sumir sem deixar rastros?

Ela pensou em desistir. Pensou que talvez tudo fosse um capricho do destino. Um homem bonito, misterioso, que surgiu e se foi, deixando apenas saudades.

Mas o incômodo de não saber era maior do que a vontade de esquecer.

No íntimo, ela sabia que Matteo escondia algo muito maior do que um simples segredo. Algo que, de alguma forma, também dizia respeito a ela.

E enquanto caminhava sob a noite fria, uma certeza crescia dentro de Lara:

Ela não desistiria. Por mais que ele fugisse, por mais que o mundo dele estivesse escondido nas sombras, ela o encontraria. Nem que tivesse que encarar o próprio lado sombrio de seu coração.

                         

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