Ela entrou no quarto, seus olhos percorrendo as telas. Pegou um pequeno esboço a carvão emoldurado da mesa de Clara. Era um desenho da mãe de Clara, que falecera há dois anos. Era a coisa mais preciosa que Clara possuía.
"Esta é sua mãe?", Gisela perguntou, seu tom desdenhoso. "Ela não era muito bonita, né?"
Uma fúria fria, aguda e pura, atravessou Clara. "Larga isso, Gisela."
Gisela riu, um som alto e zombeteiro. "Ah, isso é especial? Parece algo que uma criança desenharia."
Ela fez um show de examiná-lo, seu polegar esfregando cruelmente contra o carvão. De repente, com um movimento do pulso, ela quebrou a delicada moldura de madeira. O vidro se estilhaçou, espalhando-se pelo chão.
"Ops", disse Gisela, seus olhos arregalados com falsa inocência. "Como sou desastrada."
O som da moldura quebrando foi como um tiro no quarto silencioso. Por um segundo, Clara não conseguiu respirar. Seu sangue gelou, depois ferveu.
Ela avançou, agarrando o braço de Gisela. "O que você fez?"
Gisela puxou o braço, sua expressão se tornando feia. "Era um lixo de qualquer maneira. Vou fazer Heitor te comprar cem desses." Ela abriu a bolsa e tirou um maço de dinheiro, jogando-o no chão. "Aqui. Isso é o suficiente para consertar seu desenhinho?"
A visão do dinheiro, do rosto zombeteiro de Gisela, quebrou algo dentro de Clara. Ela estava farta de ser a vítima. Farta de ficar em silêncio.
Ela empurrou Gisela, com força. "Saia da minha casa."
Nesse momento, passos pesados subiram as escadas. Heitor.
Os olhos de Gisela se voltaram para a porta. Um lampejo de astúcia cruzou seu rosto. Ela tropeçou para trás, batendo deliberadamente o braço na quina afiada de um cavalete de metal. Ela soltou um grito de dor, agarrando o braço enquanto uma linha vermelha de sangue surgia.
Heitor irrompeu no quarto. Ele viu a moldura quebrada no chão, o dinheiro espalhado e Gisela chorando, agarrando seu braço sangrando.
"Ela me atacou, Heitor!", Gisela soluçou, apontando um dedo trêmulo para Clara. "Eu só estava tentando falar com ela, e ela enlouqueceu!"
O olhar de Heitor, negro de fúria, pousou em Clara. Ele não perguntou o que aconteceu. Não esperou por uma explicação. Ele correu para o lado de Gisela, envolvendo-a em seus braços.
"Você está bem?", ele murmurou, sua voz tingida com uma preocupação que ele nunca, jamais, mostrara a Clara.
Ele olhou para Clara por cima do ombro de Gisela, seus olhos como lascas de gelo. "Você enlouqueceu? Olha o que você fez."
"Ela quebrou", disse Clara, sua voz tremendo. "Ela quebrou a foto da minha mãe."
"É só um objeto, Clara", Heitor retrucou, sua voz pingando desprezo. "Você machucou uma pessoa por causa de um objeto. Eu nunca soube que você podia ser tão cruel. O que aconteceu com a sua educação?"
Por cima do ombro de Heitor, Clara viu o rosto de Gisela. As lágrimas haviam sumido. Em seu lugar, havia um sorriso de puro e venenoso triunfo.
Aquele sorriso estilhaçou o que restava da compostura de Clara.
"Você acredita nela?", a voz de Clara se elevou, rachando de angústia e raiva. "Depois de tudo, você acredita nela em vez de mim? Heitor, olhe para mim! Apenas uma vez, olhe para mim e me diga que você me vê!"
Seu apelo ficou no ar, desesperado e cru.
Heitor não respondeu. Ele segurou Gisela com mais força, deu as costas para Clara e carregou a mulher soluçante para fora do quarto.
"Vou te levar ao médico", disse ele, sua voz um bálsamo calmante destinado apenas aos ouvidos de Gisela.
As palavras que ela não terminara, as perguntas, os apelos, morreram em sua garganta. Ele se fora. Ele fizera sua escolha.
Clara fechou os olhos, uma única lágrima fria traçando um caminho por sua bochecha. Não era uma lágrima de tristeza. Era uma lágrima de finalidade.
Ela caiu no chão, seu corpo tremendo.
[Notificação de Conexão Mental: Heitor está em um estado de extremo conflito emocional. Sua partida com Gisela é uma tentativa desesperada de recuperar o controle de uma situação que você escalou. Ele secretamente espera que você perceba a gravidade de suas ações e implore por seu perdão.]
Clara encarou as palavras, uma risada seca e rouca escapando de seus lábios. Era tão perfeitamente, previsivelmente, psicopaticamente Heitor. Ele orquestrou todo o drama doloroso, e quando ela finalmente quebrou, a culpa ainda era dela.
Ela, lenta e cuidadosamente, pegou os pedaços da moldura quebrada e o precioso e danificado desenho de sua mãe. Ela o consertaria. Ela se consertaria. E deixaria esta casa de horrores para sempre.