[Notificação de Conexão Mental: Heitor sabia que você estaria aqui. Ele veio para provar um ponto. Não deixe a presença de Gisela te provocar. Ele está observando cada movimento seu.]
Um arrepio de desconforto percorreu a espinha de Clara. A notificação parecia menos uma explicação e mais uma ameaça.
Alguém sugeriu um jogo de festa. Verdade ou Desafio, mas com um toque moderno. Um aplicativo de girar a garrafa em um tablet. A garrafa parou em Heitor.
"Verdade ou Desafio, Azevedo?", o anfitrião perguntou, sorrindo.
"Verdade", disse Heitor, sua voz entediada.
Gisela, vendo sua chance, se intrometeu. "Vamos ver seu número discado mais recentemente."
Um silêncio caiu sobre a sala. Todos sabiam que ele era casado com Clara. Este era um desafio direto e público.
O celular de Heitor foi passado para o anfitrião. Ele rolou pelo registro de chamadas. Um lampejo de confusão cruzou seu rosto. "É... seu assistente. Depois seu corretor. Depois... mais ninguém."
O silêncio na sala tornou-se constrangedor. Clara não estava em suas chamadas recentes. Ela nem estava na lista.
Gisela aproveitou o momento. "Heitor, querido, você nem tem o número da sua esposa salvo como favorito?" Sua voz estava tingida de falsa simpatia, mas seus olhos, quando encontraram os de Clara, brilhavam de vitória.
O olhar de Heitor piscou para Clara por uma fração de segundo. Ele viu a quietude dolorosa em seu rosto.
"Ela não é do tipo que liga", disse ele, sua voz plana e fria. Foi uma dispensa. Um apagamento público de seu casamento de sete anos.
Clara sentiu as palavras como um golpe físico. Ela não falou. Não conseguia.
O jogo continuou. A garrafa girou novamente. Desta vez, parou em Gisela.
"Desafio", disse ela imediatamente, um sorriso predatório no rosto.
O anfitrião, um pouco bêbado, olhou entre Gisela, Heitor e Clara. "Ok... eu te desafio a... beijar a pessoa à sua esquerda."
A pessoa à sua esquerda era Heitor.
Algumas pessoas murmuraram em protesto. "Ei, cara, ele é casado."
Gisela apenas riu. "É só um jogo, certo, Clara?" Ela olhou diretamente para Clara, seus olhos desafiadores. "Você não se importa, não é?"
Heitor estava observando Clara, sua expressão indecifrável, esperando. Era outro teste. Ele queria que ela se opusesse. Que mostrasse ciúme. Que lutasse por ele.
[Notificação de Conexão Mental: É isso. O teste final. Mostre a ele que você se importa. Pare com isso agora. Sua possessividade é a única linguagem que ele entende.]
Clara permaneceu em silêncio. Seu rosto era uma máscara em branco. Ela não jogaria seu jogo doentio. Não mais.
Vendo sua falta de reação, um lampejo de raiva cruzou o rosto de Heitor. Ele soltou uma risada curta e fria. "É só um jogo", disse ele, ecoando Gisela.
Gisela se inclinou. Seus lábios estavam prestes a se tocar quando ela "tropeçou", caindo em seus braços. Sua boca encontrou a dele, um beijo de boca aberta e completo.
A sala ofegou.
Os olhos de Clara encontraram os de Heitor por cima do ombro de Gisela. Ela viu um breve flash de pânico nos olhos dele antes que fosse substituído por sua habitual compostura fria. Seus lábios estavam manchados com o batom vermelho vivo de Gisela.
A visão era tão feia, tão profundamente humilhante, que cortou o último fio que prendia Clara ali.
Ela se levantou. A sala ficou em silêncio. Ela caminhou em direção à porta, as costas retas, os passos firmes.
"Clara-", Heitor começou, dando um passo atrás dela.
Gisela agarrou seu braço. "Deixe-a ir, Heitor. Não faça uma cena. Foi só um acidente."
Ele hesitou. E nessa hesitação, Clara viu tudo.
Ela não esperou. Saiu da cobertura, desceu o corredor e entrou no elevador. Ela não olhou para trás.
Na escadaria, uma mão agarrou seu braço, girando-a. Era Gisela.
"Saindo tão cedo?", Gisela zombou, o rosto corado de triunfo. "Não aguentou ver a verdade? Ele não te quer. Ele nunca quis. Você é só uma coitadinha patética que ele mantém por perto."
"Me solta", disse Clara, sua voz perigosamente baixa.
"Ou o quê?", Gisela provocou, apertando o aperto. "Vai chorar para ele? Ele está ocupado. Comigo."
Clara puxou o braço com força. "Você é um lixo, Gisela. E ele pode ficar com você."
Ela se virou para sair, mas Gisela, enfurecida por seu desafio, a empurrou. Com força.
Clara não estava preparada. Seu salto prendeu na beirada do degrau superior. Ela perdeu o equilíbrio, seus braços se agitando. O mundo inclinou-se para o lado enquanto ela rolava pela dura escadaria de mármore.
A dor explodiu em seu corpo quando ela atingiu o patamar no fundo. Uma agonia aguda em suas costelas, sua cabeça batendo no chão. O sangue floresceu no mármore branco, um vermelho gritante e aterrorizante.
Ela tentou se mover, chamar por ajuda, mas a dor era cegante. Sua visão nadou. Ela procurou seu celular, seus dedos escorregadios com seu próprio sangue. Conseguiu discar o número de Heitor, aquele que não estava em suas chamadas recentes.
Tocou uma vez. Duas vezes.
Então, foi para a caixa postal. Ele havia recusado sua chamada.
Uma nova notificação apareceu, a luz azul piscando em sua visão turva.
[Notificação de Conexão Mental: Heitor está com Gisela. Ele acredita que sua chamada é uma tentativa manipuladora de interrompê-los. Ele está te ensinando que não responderá a exigências petulantes por atenção.]
As palavras eram tão monstruosamente cruéis, tão distantes da realidade dela sangrando no chão, que uma calma estranha e aterrorizante se instalou sobre Clara.
Ela estava morrendo. E o homem que deveria amá-la, o homem cujas crueldades ela desculpara, havia desligado na cara dela.
Deitada em uma poça de seu próprio sangue, Clara Roth finalmente entendeu. Isso não era amor. Nunca fora amor.
Era uma sentença de morte. E ela mesma a assinara sete anos atrás.
Seus olhos se fecharam.