Uma enfermeira entrou com uma bandeja de itens que caíram da bolsa de Clara durante a queda. Ela os colocou na mesa de cabeceira. Entre eles, havia um maço de papéis dobrado.
Os papéis do divórcio.
O coração de Clara saltou para a garganta. Ela tentou se sentar, uma dor aguda atravessando suas costelas, e acidentalmente derrubou os papéis no chão.
Heitor se virou com o som. Ele viu os papéis espalhados no chão e se abaixou para pegá-los. Ele viu o título na página de cima: "PETIÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE CASAMENTO".
Sua cabeça se ergueu bruscamente, seus olhos cinzentos, agudos e penetrantes. "O que é isso?"
A mente de Clara disparou. "É... é para uma amiga", ela mentiu, sua voz fraca. "Ela está passando por um momento difícil. Ela me pediu para dar uma olhada."
Ela estendeu a mão. "São apenas alguns documentos legais que preciso assinar para a galeria. Um novo contrato de consignação. Você poderia me passar uma caneta?"
Heitor a encarou, seus olhos estreitados em suspeita. Ele segurava os papéis, o polegar acariciando a palavra "divórcio".
[Notificação de Conexão Mental: Ele está hesitando. Ele tem medo que o documento seja real. Ele está apavorado de te perder. Tranquilize-o. Mostre a ele que seu amor é inabalável.]
A notificação foi, pela primeira vez, útil. Dizia exatamente o que ele precisava ouvir.
"Heitor", disse ela, sua voz suavizando, adotando o tom gentil e suplicante que ele secretamente desejava. "Eu sei que tenho sido difícil ultimamente. Eu estava apenas... tão magoada. Mas eu sei que você me ama. Eu quero consertar as coisas. Por favor. Não vamos mais brigar."
Sua expressão vacilou. A suspeita em seus olhos diminuiu, substituída por uma mistura complexa de alívio e satisfação presunçosa. Ele havia vencido. Ele a levara ao limite, e ela voltara rastejando, exatamente como ele sabia que faria.
Sem outra palavra, ele pegou uma caneta da prancheta da enfermeira, virou para a última página do documento que ela havia colocado astuciosamente por cima - um formulário de negócios genérico - e assinou seu nome com um floreio. Heitor Azevedo.
"Vou pedir ao meu assistente para cuidar da galeria", disse ele, sua voz de volta ao seu tom frio e autoritário habitual. Ele colocou a caneta e os papéis assinados em sua mesa de cabeceira.
Clara pegou os papéis, sua mão firme, e os guardou em segurança em sua bolsa. Seu coração estava batendo forte, mas seu rosto era uma máscara de alívio sereno.
Nos dias que se seguiram, Heitor não a visitou novamente. Ele estava muito ocupado punindo-a, provando seu ponto. Suas redes sociais eram um fluxo curado de sua vida com Gisela. Jantares românticos, escapadas de fim de semana, fotos deles parecendo felizes, despreocupados.
Clara assistiu a tudo de sua cama de hospital, sentindo nada além de uma determinação gélida. Ele pensava que estava jogando seu mesmo velho jogo, empurrando-a para o limite. Ele não tinha ideia de que ela já havia pulado.
No dia em que recebeu alta, ela não foi para casa. Foi para o escritório de sua advogada. O divórcio foi protocolado. O processo de divisão de seus bens começou.
Ela se mudou para um pequeno apartamento temporário. Metodicamente, começou a se apagar da vida dele. Fechou suas contas conjuntas, mudou seu número e instruiu sua advogada a lidar com toda a comunicação.
Após uma semana de silêncio dela, Heitor começou a sentir que algo estava errado. Sua constante enxurrada de provocações nas redes sociais foi recebida com nada. Nenhuma ligação raivosa. Nenhuma mensagem de texto chorosa. Apenas silêncio.
Ele chegou em casa uma noite e encontrou uma casa vazia. Estava quieta demais. Ele entrou no quarto deles. Estava arrumado, limpo, mas parecia... oco. Ele abriu o armário dela. Metade de suas roupas havia sumido. Ele abriu as gavetas de sua penteadeira. Sua maquiagem, suas joias, tudo sumido.
Um sentimento frio e desconhecido começou a se instalar em seu peito. Ele ligou para o celular dela. Foi direto para uma mensagem de número desconectado.
Ele sentiu uma onda de pânico real. Isso não fazia parte do jogo.
Ele passou os dias seguintes em um estado de ansiedade mal controlada. Descontou em seus funcionários, cancelou reuniões. Dizia a si mesmo que ela estava apenas provando um ponto, que ela voltaria.
Uma noite, ele estava discutindo com ela em sua mente pelo telefone, como sempre fazia. "Você está sendo infantil, Clara. Isso já foi longe demais."
Mas ela não respondeu. O silêncio era absoluto.
Ele finalmente quebrou. Foi à casa dos pais dela, um lugar que ele desprezava. Eles disseram que não a viam. Foi ao apartamento de Mariana. Ela bateu a porta na cara dele.
Ele estava dirigindo para casa, sua mente a mil, quando um pensamento, frio e agudo, perfurou sua negação.
Os papéis. Os papéis que ele assinara no hospital.
Ele pisou fundo no acelerador, os nós dos dedos brancos no volante. Entrou correndo em casa e foi direto para o ateliê dela. Estava vazio. Todas as suas telas, suas tintas, seu precioso esboço de sua mãe - sumiram.
Ele ficou no meio do quarto vazio, um profundo sentimento de perda o invadindo. Isso não era um teste. Era uma fuga.
Ele tropeçou de volta para o quarto deles, o coração batendo forte. Lembrou-se de um pequeno cofre escondido que ela mantinha em seu armário, um lugar onde guardava suas coisas mais pessoais. Ele o arrombou.
Dentro, havia apenas uma coisa. Um único e nítido documento.
A sentença final de divórcio, carimbada e autenticada.
E no verso, em sua caligrafia elegante, havia uma única palavra.
"Adeus."