Três meses antes, ela havia sido deixada no altar pelo homem que dizia amá-la. Ele não teve nem a decência de encarar seu olhar ferido, fugindo para os braços da prima dela sem pensar duas vezes. Desde então, a palavra "confiança" havia se tornado algo distante, quase estranho.
Mas agora, tudo era diferente.
Ela precisava daquele emprego. E não só pelo salário.
Seu pai, doente e aposentado, mal conseguia levantar da cama nos dias mais difíceis. Os medicamentos estavam caros, e os boletos não paravam de chegar. Eloise não tinha luxo de esperar a sorte bater na porta - ela havia decidido ir atrás dela.
- Bom dia - disse à recepcionista com um leve sorriso. - Tenho entrevista para a vaga de secretária pessoal do senhor Augusto Monteiro.
A mulher a olhou de cima a baixo, como quem avalia se uma garota assim aguentaria um chefe como "ele". Engoliu em seco antes de responder:
- Último andar. Sala 15. Ele está te esperando.
Ele.
O nome já vinha carregado de tensão: Augusto Monteiro. Frio, impiedoso, perfeccionista. O homem que comanda um império bilionário como se tivesse nascido para reinar - e talvez tenha mesmo. Diziam que seus olhos verdes eram capazes de perfurar a alma, e que ninguém durava mais de um mês ao lado dele como secretária.
E ali estava ela... indo direto para a toca do lobo.
O elevador subiu em silêncio. Eloise ajeitou o cabelo longo e escuro, respirou fundo e tentou acalmar o coração. Não era do tipo que se deixava intimidar, mas algo nela sabia: aquele homem ia virar sua vida de cabeça para baixo.
A porta abriu.
Ela bateu duas vezes na imponente porta de madeira escura.
- Entre - veio a voz grave, firme.
Ela entrou, com passos decididos, mesmo sentindo o olhar dele sobre cada centímetro do seu corpo.
Augusto Monteiro ergueu os olhos do notebook. E pela primeira vez em meses... congelou.
Morena, corpo marcante, olhar desafiador. Não sorria. Não se curvava. Estava ali, como se o mundo tivesse que se adaptar a ela - não o contrário.
- Eloise Nogueira? - ele perguntou, com um tom quase entediado, tentando esconder o impacto.
- A própria - respondeu, com um sorrisinho de canto. - Mas pode me chamar de Eloise. Ninguém pronuncia meu sobrenome com a arrogância certa.
Ele arqueou uma sobrancelha.
Atrevimento? Era isso mesmo?
- Sente-se - disse, apontando para a cadeira diante da mesa. - Vamos ver se você tem mais do que uma boca afiada.
- E vamos ver se o senhor Monteiro tem mais do que fama e dinheiro - rebateu, sem pestanejar.
Silêncio.
Tensão.
Olhos nos olhos.
E foi ali, naquela primeira troca de farpas, que Augusto soube:
Essa mulher ia ser o seu inferno particular.
E, talvez... o único céu que ele ainda poderia alcançar.
- Está brincando comigo? - perguntou Augusto, cerrando os olhos verdes em pura desconfiança.
Eloise cruzou as pernas, mantendo a postura impecável. Seu vestido roçava levemente a pele exposta das coxas, e ela sabia que ele reparava, mesmo que se fingisse de estátua.
- Nem um pouco - respondeu. - Eu li tudo sobre sua empresa, conheço sua rotina de reuniões, sei que demitiu a última secretária por ter servido seu café com açúcar em vez de adoçante. E mesmo assim, estou aqui. Isso não é brincadeira, é coragem.
Augusto levantou-se da cadeira. Imponente, 1,92 de pura tensão masculina. Seu terno preto sob medida moldava o corpo forte, e o olhar penetrante encarava Eloise como se pudesse despir não apenas suas roupas, mas suas defesas.
- Coragem pode ser confundida com insolência - disse ele, contornando a mesa, parando bem próximo dela.
Eloise levantou-se também. Menor que ele, mas sem desviar o olhar. Nunca desviava.
- Insolência é o que você chama de humanidade. Eu apenas sou verdadeira, senhor Monteiro. O senhor deveria tentar de vez em quando.
Silêncio.
Um sorriso cínico curvou os lábios dele.
- Você foi longe demais. Está contratada.
- O quê?
- Já que você quer provar que é diferente... esta é sua chance. Apresente-se amanhã às 8h. E não se atrase.
- Eu nunca me atraso - respondeu com um sorrisinho atrevido.
Augusto caminhou até a janela, de costas para ela, mas ainda assim dominando o ambiente.
- E mais uma coisa, senhorita Nogueira... Eu não me envolvo com funcionárias.
Ela ergueu uma sobrancelha.
- Que sorte a sua. Eu não me envolvo com homens como você.
Augusto se virou bruscamente. Mas antes que dissesse qualquer coisa, Eloise já havia saído da sala.
O salto dela ecoou pelo corredor.
Assim que passou pela portaria e sentiu o vento no rosto, o ar de desafio que usara lá dentro começou a se dissolver.
Ela andava firme, mas por dentro o estômago revirava.
"Talvez eu tenha ido longe demais...", pensou, mordendo o canto do lábio. "Mas eu precisava ser notada."
Havia enviado currículos para todos os lugares. Tinha aceitado empregos temporários, recusado convites indecentes, se virado como pôde. Mas agora... o pai estava pior. Os remédios caros, o aluguel atrasado, e o peso de sustentar tudo caía só sobre ela.
Ela não ia mendigar uma vaga.
Nunca foi do tipo que bajula para conseguir algo.
Ao contrário, preferia provocar. Incomodar. Despertar atenção pelo que era - intensa, verdadeira, corajosa.
E se tivesse que enfrentar Augusto Monteiro para salvar o que restava da sua vida em pedaços... então que fosse.
Mas no fundo, algo nela tremia.
Talvez não pelo medo do emprego.
Talvez... por ele.
...
Lá de cima, no último andar, Augusto observava a cidade acesa.
O vidro refletia a silhueta de um homem que tinha tudo: dinheiro, poder, fama. Um império construído com sangue frio, disciplina e nenhuma margem para sentimentos.
Mas havia algo que o espelho não mostrava.
Um vazio.
Um nome que ele evitava dizer.
Um rosto que evitava lembrar.
Um gosto que, mesmo após anos, ainda queimava na memória.
"Eu jurei que nunca mais deixaria ninguém me enganar."
A cicatriz ainda ardia.
E a chegada daquela mulher atrevida, de olhos desafiadores e alma indomável, mexia com algo que ele acreditava ter enterrado.
- Maldita sorte - murmurou, apertando os olhos. - Ou maldição mesmo...
Eloise Nogueira acabava de entrar no seu mundo.
E ele pressentia que não sairia ilesa.
Nem ele.