Visita íntima
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Capítulo 2 02

O Silêncio Que Dói

Rubi

- Sobe aí. - Tuka falou seco, sem olhar pra mim. A moto vibrava como se sentisse a tensão no ar. Ele mascava chiclete com força, maxilar travado, olhos escondidos por um óculos escuro espelhado.

Fiquei parada, de braços cruzados, sentindo o suor escorrer entre os seios e o incômodo crescendo com aquele jeito autoritário dele. A rua em volta tava quieta, mas o olhar de quem passava era de quem esperava alguma coisa acontecer. Eu não ia dar esse gosto.

- Desde quando tu virou meu motorista? - provoquei, sem dar um passo.

Ele tirou o óculos devagar, revelando os olhos que me atravessavam. Aqueles olhos que pareciam ver o que eu escondia até de mim mesma.

- Desde que tu resolveu provocar o morro inteiro de sutiã, bem na frente do João e da rapaziada. E eu não tô com paciência hoje, Rubi.

- João é meu amigo, Tuka. - dei um passo pra frente, encarando ele de perto. - E se eu quiser andar pelada, isso é problema meu. Não teu.

- Você adora testar os limites, né?

- E você adora fingir que não liga, mas não consegue disfarçar. - sorri torto.

Ele suspirou pesado e virou o rosto, como se estivesse tentando manter o controle. Eu sabia que ele era uma bomba prestes a explodir. Mas eu também era.

- Sobe logo - repetiu, mais baixo dessa vez.

Subi, mas sem encostar nele. Segurei na lateral da moto com a ponta dos dedos. Se ele quisesse me proteger, que fosse sem invadir meu espaço. Se ele quisesse me ter por perto, que fosse sabendo que eu não era de ninguém.

O caminho até minha casa foi rápido, mas parecia eterno. O vento batia no rosto, mas não aliviava o calor. Era como se o ar estivesse denso, carregado. A tensão entre a gente era tanta que nem o barulho do motor abafa.

Chegando na frente de casa, desci antes mesmo da moto parar. Tuka nem desligou o motor, só ficou me olhando como se quisesse dizer mil coisas e engolisse todas.

- Valeu. - falei seca, já abrindo o portão.

- Rubi...

Parei. Mãos na chave, costas pra ele.

- Para de se meter com esse povo aí.

Revirei os olhos, sem virar pra ele.

- Tu fala como se tivesse moral. Como se fosse diferente deles.

- Eu sou diferente.

Virei de frente, rindo com ironia.

- Não é, Tuka. Tu é o pior de todos. Só sabe mandar, controlar, vigiar. Mas quando eu precisei mesmo... tu sumiu. Então, me faz um favor: cuida da tua vida, que da minha cuido eu.

Ele me olhou por um segundo, como se tivesse levado um soco no estômago. Mas não respondeu. Só engatou a marcha e saiu em disparada, como quem foge de si mesmo.

Suspirei fundo. Abri o portão e entrei.

A casa tava abafada, com aquele cheiro que misturava café passado, remédio e tristeza. O ventilador de teto rodava lento, como se estivesse cansado de existir. Dona Irene estava deitada no sofá, coberta até o pescoço mesmo com o calor de matar.

Ela dormia leve, com o rosto pálido e os olhos fundos. O lenço na cabeça denunciava o que a boca dela não dizia: o tratamento já tinha começado - e já tava judiando.

Fui até a cozinha, peguei um copo d'água e voltei com passos leves. Me sentei no chão ao lado do sofá, encostando a cabeça na almofada dela.

- Cheguei, dinda. - falei baixinho, tocando sua mão gelada.

Ela abriu os olhos devagar, com um sorriso fraco que me rasgou por dentro.

- Oi, minha flor... tá calor lá fora?

Assenti com a cabeça e sorri. Menti com o sorriso, como sempre.

- E você, comeu alguma coisa?

- Tô sem fome...

- Dinda, cê tem que comer. Senão vai ficar mais fraca ainda. - acariciei o braço dela com carinho. - Quer que eu faça um suquinho?

- Não precisa, filha. Só fica aqui comigo um pouco.

E eu fiquei. Fiquei ali, sentindo o corpo dela tão frágil perto de mim. Como se ela fosse desmanchar a qualquer momento. A minha dinda... minha segunda mãe. Meu alicerce quando o mundo caiu. E agora era ela quem tava caindo.

- A Vanessa ligou mais cedo. Disse que conseguiu um médico novo pra ver o teu caso.

- Outro médico? - ela murmurou, cansada. - Vão dizer a mesma coisa: que é difícil, que é caro, que não tem vaga...

- Mas a gente vai dar um jeito, dinda. Eu juro.

- Rubi... - ela apertou minha mão. - Promete que não vai fazer besteira?

Meus olhos encheram, mas não deixei cair.

- Besteira? Eu? Já faço isso só de sair de casa com essa cara linda - tentei brincar.

Mas ela não riu. Só me olhou com um amor tão grande que doía. Como se estivesse pedindo desculpa por estar doente. Como se me pedisse forças sem dizer nada.

Mais tarde, depois do banho, deitei na cama com o cabelo ainda molhado. A luz apagada, a janela aberta e o barulho da comunidade vivendo: funk, risada, moto passando. E eu ali, quieta, olhando o teto como se ele tivesse respostas.

Mas só havia silêncio.

E o silêncio grita.

Grita tudo que a gente não quer ouvir.

A verdade é que o dinheiro tava acabando. O plano de saúde da dinda não cobria o tratamento. E eu... eu tava de mãos atadas. Ou fingia que estava. Porque no fundo, eu sabia que o morro sempre dá um jeito. Sempre aparece alguém com uma proposta.

E era isso que me assustava.

O celular vibrou na mesa de cabeceira. Peguei, sem pressa.

[Vanessa 💬]

"Amiga... apareceu uma coisa. Mas não sei se a gente vai ter coragem. Me liga quando puder."

Meu coração apertou.

Sabia que aquilo não era boa coisa.

Sabia também que, se abrisse essa porta, talvez nunca mais conseguisse fechar.

            
            

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