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Capítulo 3 03

Quanto Vale Um Corpo?

Rubi

No dia seguinte, acordei com o rosto colado na janela. Nem lembro quando dormi, só sei que o celular ainda tava na mão, com a mensagem da Vanessa piscando na tela. Meu coração ainda tava apertado. E, por mais que eu tentasse empurrar aquilo pra longe, já sentia no peito que não era coisa boa.

Peguei o celular, respondi com um "vem aqui em casa" e fui tomar um banho. Precisava acordar de verdade antes de encarar o que quer que fosse isso.

Vanessa chegou pouco depois das nove. Tava com o cabelo preso num coque malfeito, o rosto inchado e a cara de quem não dormia direito há dias. Entrou sem cerimônia, como sempre fez desde criança.

- Cadê tia Irene? - perguntou, tirando os chinelos e se jogando no sofá da sala.

- Dormindo. Passou a madrugada tossindo. Tá fraca.

Vanessa assentiu, olhando pro chão. Ficamos um tempo em silêncio. O ventilador girava devagar, e a casa parecia mais vazia que o normal.

- E aí? Que negócio é esse que apareceu? - perguntei, indo direto ao ponto.

Ela mordeu o lábio, se encolheu no sofá e demorou pra falar.

- Tu vai me achar maluca...

- Já acho, então não tem muito o que piorar.

Ela riu fraco, mas logo o sorriso sumiu.

- Ontem, uma mulher me chamou no Instagram. Disse que me viu na fila do hospital com a minha mãe, reconheceu a situação, e... ofereceu uma chance de ganhar dinheiro rápido.

- Que tipo de chance?

Vanessa hesitou. Baixou o olhar, mexeu na ponta do short. A vergonha era visível.

- Ela disse que o "Rei" tá procurando companhia... íntima. Tipo, visita marcada. Bem paga.

Meu sangue gelou. Me ajeitei na cadeira, sem tirar os olhos dela.

- Rei? Tu tá falando do dono do morro?

Ela assentiu com a cabeça, olhando pra mim como se pedisse desculpas só por ter repetido aquilo em voz alta.

- Tu só pode tá de sacanagem.

- Rubi... - ela murmurou, passando as mãos no rosto. - A mulher disse que é seguro. Que ele escolhe uma por vez, não gosta de bagunça, quer alguém diferente. Alguém... de confiança.

- E tu pensou em mim? - levantei, sentindo o calor do corpo subir à cabeça.

- Não foi isso! - ela se levantou também. - Eu pensei na gente, Rubi. Na mamãe. Na situação. Eu pensei que, talvez... talvez a gente pudesse conversar e ver se... uma de nós...

- Uma de nós o quê, Vanessa? Se vender?

- Não fala assim!

- Como então? Embrulha e diz que é sacrifício? Que é por amor?

Ela ficou em silêncio. E eu tremia.

- Eu não tô julgando ninguém. - ela falou baixo. - Juro. Mas olha pra nossa realidade. Tia tá morrendo, Rubi. A gente vai deixar? Vai ver ela definhar porque tem medo de dar o próprio corpo em troca de uma chance?

- Tu não sabe o que tá dizendo.

- Eu sei exatamente. - ela me encarou firme. - Tu pode fazer piada, se fingir de forte, mas eu te conheço. E sei que tu morreria por ela.

Sentei de novo. As pernas tremiam.

- A mulher disse que ele paga adiantado. Que é só... uma visita. Sem compromisso. Sem vício. Sem vínculo. É rápido. É dinheiro na mão. Dá pra pagar uns exames, a primeira sessão de quimio...

Fechei os olhos. Só via a imagem da minha dinda, deitada no sofá, os olhos fundos, o lenço torto na cabeça. O barulho do ventilador parecia zombar de mim.

- Eu... não sei. - falei, sem força.

- Eu também não. Mas é isso ou assistir ela morrer esperando o SUS liberar um remédio que nunca chega.

Aquelas palavras foram uma facada. E ela sabia. Vanessa me conhecia melhor do que ninguém. Sabia onde cutucar.

- Tu acha mesmo que ele vai querer uma de nós? Com tanta mulher bonita, arrumada, se oferecendo...

- A mulher disse que ele não quer mulher de salão. Ele quer mulher de verdade. Que não se curva. Que encara.

- Ah, então quer ser domador agora?

- Não sei o que ele quer. Só sei o que a gente precisa.

Ficamos em silêncio de novo. Lá fora, alguém soltava rojão. Provavelmente a polícia subiu o morro de novo. Ou alguém fez aniversário. Aqui, nunca dá pra saber.

- Eu não consigo decidir isso agora. - falei, me levantando. - Preciso pensar.

Vanessa assentiu, cabisbaixa.

- Se tu não quiser... eu posso ir. Eu dou um jeito. Eu só... eu não aguento mais ver minha mãe daquele jeito.

Fiquei olhando pra ela. Tão perdida quanto eu. Duas meninas criadas no aperto, na marra. Sempre na beira do abismo. E agora, alguém tinha que pular.

- A gente se fala depois. - ela disse, indo até a porta.

- Vê se come alguma coisa. Tá parecendo um fiapo de gente. - murmurei, sem olhar pra ela.

Ela saiu em silêncio.

Fiquei ali, sentada no mesmo lugar. A cabeça fervendo. O coração em guerra.

Quanto vale um corpo?

Quanto vale uma vida?

E por que a gente sempre tem que pagar a conta mais alta?

            
            

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