Suspirei fundo, sentei no degrau da porta e comecei a tirar tudo de dentro da mochila. Caderno, estojo, agenda, fone de ouvido embolado, tudo bagunçado. Quando finalmente achei as benditas chaves, escutei o barulho de moto parando bem do lado da minha casa.
Nem precisei olhar. Já sabia quem era.
Tuka.
Levantei do chão e bati a poeira da roupa. Quando encarei ele, lá estava: o mesmo sorrisinho cara de pau de sempre.
- Vim pra conversar contigo, gata! - falou se encostando na moto.
Cruzei os braços.
- Sério?! Que coisa... E quem disse que eu quero conversar contigo, um?
- Para com isso, pô! Tu sabe que eu não gosto de ficar brigado contigo. Vamo resolver isso?
- E se eu não quiser "resolver" nada dessa vez, um? - soltei o ar pesadamente. - Sinceramente, Tuka, eu tô cansando desse nosso joguinho de vai e vem. Cansa.
Ele me olhou sério, mas com aquele jeitinho dele de sempre que tentava quebrar qualquer raiva que eu tivesse.
- Qual foi? Eu vim te pedir desculpa por ter sido babaca contigo ontem. Me desculpa, vai?
- Ah, jura? - abri a porta com a chave e olhei por cima do ombro. - Você não vai desistir disso, né?
- É... tu sabe que eu sou teimoso. Só saio daqui depois de ouvir da tua boca que você me desculpou.
- Você é chato demais! - entrei em casa e deixei a porta aberta. - Vai entrar ou não?
Ele abriu o portão e entrou, como se fosse a casa dele. Sentou no sofá com aquela cara lavada.
- Tava com saudade de tu, sabia? - falou se inclinando e beijando meu pescoço.
- Sai, eu tô toda suada! - empurrei ele. - Deixa eu tomar um banho e depois a gente conversa, pode ser?
- Pode ser... - ele se jogou no sofá e segurou minha mão. - Mas se tu quiser companhia no banho...
- Claro que não, seu idiota! - dei um tapa na mão dele e fui pro banheiro.
Depois do banho, voltei pra sala enrolada na toalha. Ele ainda tava no mesmo lugar, com os pés em cima do sofá.
- Tira os pés do meu sofá! - bati de leve nas pernas dele.
- Chatona!
Sentei do lado e ele deitou a cabeça no meu colo, todo pidão. Comecei a fazer um cafuné, porque, no fundo, eu também tava com saudade.
- Fiquei sabendo da tua madrinha... Como andam as coisas?
- Como sempre né, só que pior. Ontem a dona Leila demitiu a Vanessa por causa das faltas. E nem era culpa dela. Aquela bruxa sabia e mesmo assim mandou ela embora.
- Se tu quiser, eu posso dar um jeito nisso. É só tu me pedir que eu empresto o dinheiro pro tratamento dela.
Aquela frase fez o cafuné parar na hora.
- Sem chance disso rolar, Tuka. A Vanessa não gosta de você, e você sabe disso. Ela nunca aceitaria dinheiro vindo de você. E, sinceramente? Nem eu.
- Vê isso como um empréstimo. Depois tu me paga. Eu nem cobro juros, pô.
- Já disse que não! - falei mais alto. - É melhor você parar de insistir nisso, senão eu vou acabar me irritando contigo.
- Chatona...
- Tu sabia que eu era chata desde o começo! Se não gostou, compra um coelho e põe no meu lugar.
Ele riu.
- Da onde tu tira essas merdas, Rubi? - me puxou pra perto.
- Sai, menino! - tentei me soltar, mas ele me segurou.
- Tu parece uma criancinha, sabia?
- Melhor parecer criança do que parecer bandido! - retruquei, meio brincando, meio não.
Mas a verdade é que aquela oferta dele mexeu comigo.
Porque no fundo... eu sabia que se eu dissesse sim, ele realmente daria o dinheiro.
Dinheiro sujo.
Dinheiro de sangue.
Dinheiro que pode salvar a vida da minha madrinha...
Mas que também poderia sujar a minha.
E eu? Eu não queria isso.
Não queria dever nada a ele.
Nem ao mundo que ele vivia.
Por isso, eu resistia.
Mas por quanto tempo mais?