Ela se olhou no espelho: o cabelo solto, o rosto pálido, os olhos vermelhos, mas o olhar... o olhar estava firme.
Vestiu uma calça de alfaiataria, uma blusa simples e prendeu o cabelo num coque rápido.
Enquanto o café passava, Clara abriu o notebook. Fazia cinco anos que não atualizava o currículo. Cinco anos que ela deixara a profissão de lado porque "Arthur preferia assim".
A cada palavra que digitava, parecia recuperar um pedaço de si. Nome, formação, experiências antigas, habilidades. Quando terminou, salvou o arquivo e ficou olhando para a tela.
Um sorriso pequeno escapou.
Ela tinha esquecido como era bom se sentir útil.
Enquanto checava sites de emprego, um nome familiar apareceu em uma notícia:
Henrique Vasconcellos, CEO da Vascon, uma das maiores empresas de tecnologia do país - e, ironicamente, a principal concorrente da empresa de Arthur.
Henrique.
O nome fez algo se mover dentro dela.
Fazia mais de dez anos desde a última vez que o vira. Eles estudaram juntos na faculdade. Ele era divertido, inteligente, daqueles que viam o melhor nas pessoas e por um tempo, ela soube que ele era apaixonado por ela. Mas ela estava com Arthur, e Henrique nunca tentou nada.
Clara clicou na matéria.
A foto mostrava um homem completamente diferente daquele garoto de olhos tímidos da universidade. Agora, Henrique tinha o olhar confiante de quem sabia exatamente quem era. A matéria falava sobre uma nova expansão da Vascon, sobre liderança, inovação e, de repente, ela se viu pensando em como seria trabalhar lá.
Fechou o notebook, mas o pensamento ficou.
Henrique sempre dizia que ela tinha talento, que via futuro nela.
Talvez fosse hora de acreditar nisso.
Arthur entrou na cozinha, já vestido para o trabalho.
- Bom dia - disse ele, hesitante.
Clara levantou os olhos devagar.
- Bom dia.
Ele pareceu surpreso com a calma dela.
- Eu... não sabia se você ainda queria que eu... - ele gaguejou, perdido - se eu continuasse aqui, quero dizer.
- Você quis um casamento aberto, Arthur - respondeu ela, serena, mexendo o café. - Ninguém mandou você embora.
Ele assentiu, tentando decifrar se ela estava sendo irônica.
- Clara, eu sei que ontem... - ele começou, mas ela o interrompeu.
- Ontem acabou. Hoje eu tenho coisas pra fazer.
Ela pegou a xícara e foi até a varanda. A forma como ela falava, firme, sem hesitar, o desconcertou.
Arthur ficou ali, parado, observando-a, e sentiu que talvez tivesse perdido algo que nunca mais voltaria.
Quando ele saiu, Clara respirou fundo e voltou ao computador.
Abriu o LinkedIn.
Digitou o nome: Henrique Vasconcellos.
O perfil apareceu em segundos, com uma foto profissional e um sorriso discreto.
Ela ficou ali, olhando por um instante. O coração bateu um pouco mais rápido, não de amor, mas de lembrança - de quem ela era antes de se anular.
Depois clicou em "Mensagem".
As mãos hesitaram sobre o teclado. Então ela escreveu:
"Oi, Henrique. Aqui é a Clara.
Não sei se você vai lembrar de mim - estudamos juntos na faculdade.
Estou voltando ao mercado de trabalho e vi que sua empresa está com algumas vagas abertas.
Gostaria de conversar, se possível."
Leu a mensagem três vezes antes de enviar.
Quando o fez, sentiu algo estranho - uma mistura de medo e esperança.
O celular vibrou alguns minutos depois.
Era uma resposta.
"Clara? Claro que lembro de você.
Que surpresa boa.
Me manda seu currículo. Quero te ver pessoalmente pra conversarmos. Está livre amanhã?"
Ela ficou olhando a tela, com o coração acelerado.
Não era sobre ele, não ainda - era sobre ela. Sobre retomar as rédeas da própria vida.