Quando chegou em frente ao prédio da Vascon, respirou fundo. A fachada moderna, o vidro refletindo o céu da manhã, tudo ali parecia diferente do mundo que ela deixara quando abandonou a carreira.
Um segurança a recebeu com um sorriso e a encaminhou para a recepção.
Enquanto esperava o elevador, Clara se pegou rindo sozinha.
- O que você tá fazendo aqui, hein? - sussurrou pra si mesma.
No décimo andar, a secretária a conduziu até a sala de Henrique. A porta estava entreaberta, e a voz dele veio primeiro, firme, segura, a mesma que ela lembrava, mas agora com mais peso, mais maturidade.
- Clara. - Ele se levantou assim que a viu, com aquele sorriso que começava nos olhos. - Eu realmente não esperava te reencontrar.
Ela riu, meio sem graça.
- Pois é. A vida tem dessas, né?
Henrique contornou a mesa e estendeu a mão. O toque dele foi firme, quente, familiar.
Por um segundo, Clara sentiu o tempo se embaralhar. O passado e o presente se misturaram ali, num simples cumprimento.
- Você está igual - ele disse, observando-a com sinceridade. - Talvez um pouco mais... forte.
- E você... - ela hesitou, rindo - não tem mais nada daquele garoto desastrado da faculdade.
Henrique deu de ombros, brincando. - A vida obriga a gente a crescer. Mas confesso que tô feliz em ver que o tempo foi gentil com você.
Clara desviou o olhar, tentando disfarçar o rubor.
Sentaram-se. Ele perguntou sobre os últimos anos, o que ela andava fazendo. Ela contou o básico, o casamento, o tempo fora do mercado, a vontade de recomeçar. Não falou da traição. Ainda não.
Henrique a ouviu com atenção genuína, sem interromper.
Quando ela terminou, ele ficou em silêncio por um momento e depois disse:
- Eu lembro que, na faculdade, você era a melhor da turma. Tinha um olhar diferente pras coisas, sabia? Tipo... enxergar o que os outros não viam.
- Faz tanto tempo, Henrique. Não sei se ainda tenho isso.
- Tem - ele respondeu de imediato, com firmeza. - Eu vejo nos seus olhos.
Ela sorriu, um sorriso pequeno, mas verdadeiro. E sentiu algo leve no peito, como se o ar ali dentro começasse a circular de novo.
Henrique pegou um papel sobre a mesa.
- Estamos com uma vaga de supervisora de projetos. É exigente, mas acho que combina com você.
- Não quero que pense que estou aqui pedindo um favor - ela disse, um pouco defensiva.
- E eu não estou oferecendo um. - Ele apoiou os cotovelos na mesa e a olhou nos olhos. - Estou convidando alguém que eu admiro pra fazer parte do meu time.
Clara segurou o olhar dele por alguns segundos.
Aquele jeito - seguro, tranquilo, sem promessas, sem segundas intenções - fazia falta na vida dela.
- Tá bom - ela respondeu, sorrindo de leve. - Eu aceito conversar sobre isso.
Henrique sorriu de volta, satisfeito.
- Ótimo. Mas antes, me deixa te levar pra almoçar. Temos anos pra colocar em dia.
Ela hesitou por um instante, mas acabou aceitando.
No restaurante, o clima foi natural. Riram, lembraram histórias da faculdade, falaram de amigos que se perderam pelo caminho. E entre um café e outro, Clara percebeu que não lembrava a última vez em que se sentiu assim: leve.
Quando ele a deixou na porta de casa, o sol já começava a se pôr.
- Foi bom te ver de novo, Clara. - disse ele, com um sorriso que parecia sincero demais pra ser casual.
- Foi bom pra mim também. - respondeu, sem conseguir disfarçar o olhar que durou um segundo a mais do que o necessário.
Entrou em casa com o coração batendo diferente.
Arthur ainda não tinha chegado. E, pela primeira vez, isso não a incomodou.
Ela deixou a bolsa no sofá, foi até a varanda e observou o céu laranja da tarde.
Um novo capítulo estava começando - e, talvez, ela mesma estivesse escrevendo a melhor parte da própria história.