Vestiu uma calça de alfaiataria clara, uma blusa branca e prendeu o cabelo num coque elegante. Olhou-se no espelho e viu algo diferente: não a mulher ferida de alguns dias atrás, mas alguém renascendo em silêncio.
Na cozinha, o cheiro do café recém-passado se misturava ao perfume suave do sabão. Clara preparou uma xícara e olhou pela janela. O céu ainda estava meio cinza, o tipo de manhã que anuncia mudanças.
Antes de sair, passou pelo corredor.
A porta do quarto de hóspedes continuava fechada.
Por um instante, pensou em bater - e desistiu.
Já não havia mais nada a ser dito.
O trajeto até a Vascon pareceu leve. O ar fresco da manhã batia no rosto eClara sentiu algo parecido com esperança.
O prédio era imponente, de vidro e aço, refletindo a luz do dia.
Na recepção, foi recebida com gentileza e encaminhada para o departamento de projetos. Logo, Henrique apareceu.
- Bom dia, nova supervisora - disse ele, com aquele sorriso fácil, que aquecia sem esforço.
- Bom dia. Espero não decepcionar.
- Você não decepcionava nem quando era estagiária. Não vai ser agora.
Clara riu, um pouco sem graça, e o seguiu pelos corredores.
A equipe a recebeu com curiosidade e respeito. No início, aquele ambiente cheio de energia a intimidou - mas logo o instinto de quem sempre foi boa no que faz tomou conta.
Ela mergulhou nos relatórios, nos prazos, nas ideias. Sentiu-se viva.
Henrique apareceu de vez em quando para perguntar se ela estava bem, e cada vez que ele falava, Clara percebia o quanto ele havia mudado. O mesmo olhar gentil, mas agora com uma confiança madura, de quem construiu o próprio império com as próprias mãos.
Durante o almoço, ele se aproximou da mesa dela.
- Aceita companhia?
Ela levantou o olhar e sorriu.
- Aceito. Mas só se você prometer não me perguntar o motivo do meu retorno ao mercado.
Henrique riu. - Prometo. Só quero aproveitar o fato de te ter por perto de novo.
Conversaram sobre a faculdade, amigos antigos, histórias que pareciam de outra vida.
E, aos poucos, o riso foi se tornando natural - algo que ela nem lembrava mais como era.
No fim do expediente, Clara guardou o notebook e olhou pela janela da sala. A cidade começava a se acender lá fora, e o reflexo do próprio rosto no vidro parecia o de alguém novo.
Henrique se despediu com um sorriso discreto, e ela agradeceu em silêncio por aquele dia - o primeiro em muito tempo que não terminou em lágrimas.
No caminho de volta pra casa, o rádio tocava uma música suave. Clara dirigia tranquila, sentindo o coração leve, o corpo cansado, mas cheio de uma paz que há tempos não sentia.
Quando abriu a porta de casa, o silêncio foi a primeira coisa que a recebeu.
As luzes estavam apagadas, a mesa ainda posta desde o dia anterior, e o cheiro do café velho no ar.
- Arthur? - chamou, mas sabia que não teria resposta.
Andou pela sala, olhou o quarto de hóspedes: vazio.
O armário estava entreaberto, e algumas roupas haviam sumido.
Clara encostou na moldura da porta, respirando fundo.
No fundo, já sabia onde ele estava.
Luísa.
O nome ecoou na mente dela como um estalo.
A mulher do vestido vermelho.
A mulher que destruiu o que restava de um amor - e que agora, mais uma vez, o afastava de casa.
Clara sentou no sofá, olhou para o nada por alguns segundos, e um riso leve escapou.
Não era ironia. Era libertação.
Ele podia estar com Luísa, com quem quisesse.
Porque, pela primeira vez em cinco anos, ela estava finalmente consigo mesma.
Pegou o notebook e abriu o e-mail de trabalho que Henrique havia enviado no fim da tarde.
Enquanto lia, um pensamento simples e firme tomou forma dentro dela:
"Talvez o amor da minha vida sempre tenha sido eu."
E, naquela noite, Clara dormiu sozinha - mas em paz.