Quando o Amor Deixa de Ser Nosso
img img Quando o Amor Deixa de Ser Nosso img Capítulo 5 A Casa Que Já Não É Lar
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Capítulo 8 A Foto Que Mudou Tudo img
Capítulo 9 O Gosto Amargo da Liberdade img
Capítulo 10 As Regras do Jogo Que Ele Criou img
Capítulo 11 O Peso do Silêncio img
Capítulo 12 O Ensaio do Que Já É Real img
Capítulo 13 Quando Fingir Vira Verdade img
Capítulo 14 O Que Escapa do Controle img
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Capítulo 5 A Casa Que Já Não É Lar

Clara acordou antes do sol nascer.

O quarto estava silencioso, e o único som que ouvia vinha do relógio sobre a cômoda. Do outro lado do corredor, a porta do quarto de hóspedes estava fechada.

Arthur ainda não tivera coragem de voltar para o quarto deles.

E ela, sinceramente, não sentia falta.

Tomou banho devagar, deixando a água cair sobre os ombros enquanto pensava no que a esperava naquele dia. Um novo emprego. Uma nova rotina. Uma nova versão de si mesma - mais firme, mais consciente, mais dela.

Vestiu uma calça de alfaiataria clara, uma blusa branca e prendeu o cabelo num coque elegante. Olhou-se no espelho e viu algo diferente: não a mulher ferida de alguns dias atrás, mas alguém renascendo em silêncio.

Na cozinha, o cheiro do café recém-passado se misturava ao perfume suave do sabão. Clara preparou uma xícara e olhou pela janela. O céu ainda estava meio cinza, o tipo de manhã que anuncia mudanças.

Antes de sair, passou pelo corredor.

A porta do quarto de hóspedes continuava fechada.

Por um instante, pensou em bater - e desistiu.

Já não havia mais nada a ser dito.

O trajeto até a Vascon pareceu leve. O ar fresco da manhã batia no rosto eClara sentiu algo parecido com esperança.

O prédio era imponente, de vidro e aço, refletindo a luz do dia.

Na recepção, foi recebida com gentileza e encaminhada para o departamento de projetos. Logo, Henrique apareceu.

- Bom dia, nova supervisora - disse ele, com aquele sorriso fácil, que aquecia sem esforço.

- Bom dia. Espero não decepcionar.

- Você não decepcionava nem quando era estagiária. Não vai ser agora.

Clara riu, um pouco sem graça, e o seguiu pelos corredores.

A equipe a recebeu com curiosidade e respeito. No início, aquele ambiente cheio de energia a intimidou - mas logo o instinto de quem sempre foi boa no que faz tomou conta.

Ela mergulhou nos relatórios, nos prazos, nas ideias. Sentiu-se viva.

Henrique apareceu de vez em quando para perguntar se ela estava bem, e cada vez que ele falava, Clara percebia o quanto ele havia mudado. O mesmo olhar gentil, mas agora com uma confiança madura, de quem construiu o próprio império com as próprias mãos.

Durante o almoço, ele se aproximou da mesa dela.

- Aceita companhia?

Ela levantou o olhar e sorriu.

- Aceito. Mas só se você prometer não me perguntar o motivo do meu retorno ao mercado.

Henrique riu. - Prometo. Só quero aproveitar o fato de te ter por perto de novo.

Conversaram sobre a faculdade, amigos antigos, histórias que pareciam de outra vida.

E, aos poucos, o riso foi se tornando natural - algo que ela nem lembrava mais como era.

No fim do expediente, Clara guardou o notebook e olhou pela janela da sala. A cidade começava a se acender lá fora, e o reflexo do próprio rosto no vidro parecia o de alguém novo.

Henrique se despediu com um sorriso discreto, e ela agradeceu em silêncio por aquele dia - o primeiro em muito tempo que não terminou em lágrimas.

No caminho de volta pra casa, o rádio tocava uma música suave. Clara dirigia tranquila, sentindo o coração leve, o corpo cansado, mas cheio de uma paz que há tempos não sentia.

Quando abriu a porta de casa, o silêncio foi a primeira coisa que a recebeu.

As luzes estavam apagadas, a mesa ainda posta desde o dia anterior, e o cheiro do café velho no ar.

- Arthur? - chamou, mas sabia que não teria resposta.

Andou pela sala, olhou o quarto de hóspedes: vazio.

O armário estava entreaberto, e algumas roupas haviam sumido.

Clara encostou na moldura da porta, respirando fundo.

No fundo, já sabia onde ele estava.

Luísa.

O nome ecoou na mente dela como um estalo.

A mulher do vestido vermelho.

A mulher que destruiu o que restava de um amor - e que agora, mais uma vez, o afastava de casa.

Clara sentou no sofá, olhou para o nada por alguns segundos, e um riso leve escapou.

Não era ironia. Era libertação.

Ele podia estar com Luísa, com quem quisesse.

Porque, pela primeira vez em cinco anos, ela estava finalmente consigo mesma.

Pegou o notebook e abriu o e-mail de trabalho que Henrique havia enviado no fim da tarde.

Enquanto lia, um pensamento simples e firme tomou forma dentro dela:

"Talvez o amor da minha vida sempre tenha sido eu."

E, naquela noite, Clara dormiu sozinha - mas em paz.

            
            

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