Ele passava com frequência pela sala dela, às vezes só pra perguntar algo banal. Outras, pra trocar uma ideia sobre o andamento de um projeto.
Mas os olhos dele diziam mais do que as palavras.
Um olhar atento, que a fazia sentir vista de verdade - e não apenas observada.
Certa tarde, ficaram sozinhos na sala de reuniões depois que o resto da equipe saiu. Estavam revisando um contrato, mas a conversa logo desviou.
- Você sempre foi assim - disse ele, encostando-se na mesa. - Metódica, mas com um jeito calmo de comandar. As pessoas te ouvem porque confiam.
Clara levantou os olhos do papel. - Acho que passei tempo demais ouvindo os outros, Henrique. Agora estou aprendendo a me ouvir também.
Ele sorriu, um sorriso leve, quase orgulhoso. - Então finalmente está sendo justa com você.
Por um momento, o silêncio se instalou. Um silêncio bom, cheio de significado.
Henrique desviou o olhar para o chão, como se precisasse se recompor.
Clara sentiu o coração acelerar, não de nervoso - mas de vida.
Naquela noite, quando chegou em casa, o vazio da casa não pareceu mais tão grande.
Ela preparou algo simples pra jantar, colocou uma música leve e, enquanto comia, pensou em como as coisas estavam mudando dentro dela.
Não havia euforia, não havia pressa - só um sentimento calmo de que algo novo estava sendo construído, de forma natural, sem forçar nada.
Nos dias seguintes, a convivência com Henrique foi se tornando mais próxima.
Almoçavam juntos com frequência, trocavam mensagens rápidas durante o dia, e às vezes ele aparecia na sala dela com duas xícaras de café, dizendo que precisava de "uma pausa estratégica".
Numa dessas tardes, a conversa foi diferente.
- Eu li seu relatório - ele disse, sentando-se à frente dela. - É brilhante, Clara. Você tem uma forma de enxergar as coisas que eu não tenho.
- Só tento fazer o meu melhor. - respondeu, desviando o olhar.
- Não é isso. - ele insistiu. - Você tem uma sensibilidade rara. É disso que a empresa precisa. É disso que eu preciso.
Clara ficou em silêncio.
A frase pairou no ar por alguns segundos, até ele perceber o duplo sentido e sorrir, meio sem jeito.
Ela sorriu também - e foi a primeira vez em muito tempo que o riso dela saiu leve, natural, sem dor.
As horas se transformaram em dias, e os dias em semanas.
Henrique se tornou parte do cotidiano dela de um jeito simples, sem invadir, mas sempre presente.
E Clara começou a se acostumar a esse cuidado silencioso - aquele tipo de atenção que não cobra, não sufoca, só acolhe.
Numa sexta-feira à noite, antes de sair do trabalho, ele passou na sala dela.
- Vai direto pra casa? - perguntou.
- Acho que sim. Por quê?
- Porque você merece um jantar que não envolva micro-ondas. - disse, brincando. - E eu prometo não falar de trabalho.
Clara hesitou por um segundo.
O convite parecia simples, mas ela sentiu o peso dele.
Um jantar. Um gesto que podia mudar o rumo das coisas.
- Tá bom - respondeu, sorrindo de leve. - Mas só se você escolher o restaurante.
Henrique sorriu, satisfeito. - Pode deixar. Eu conheço o lugar perfeito.
Enquanto guardava as coisas na bolsa, Clara percebeu que o coração estava batendo rápido de novo.
Mas dessa vez não era medo.
Era esperança.
Naquela noite, ao sair da Vascon, o vento frio bateu no rosto dela e trouxe uma sensação boa - como se, finalmente, o universo estivesse empurrando as coisas pro lugar certo.
E, sem perceber, Clara começou a caminhar por um caminho que não era de vingança, nem de fuga.
Era um caminho de reencontro.
Com o amor, talvez.
Mas, principalmente, consigo mesma.