- E eu cumpro promessas. - Ele fez um gesto para o garçom e pediu vinho.
A conversa começou leve, cheia de lembranças. Falaram de viagens, de como a vida muda sem pedir permissão, e de como o tempo apaga algumas dores, mas realça outras.
Clara estava à vontade, e era raro isso acontecer. Com Henrique, ela podia ser ela mesma. Sem medir palavras, sem se preocupar com o que parecia.
Depois de um tempo, o silêncio chegou, mas não o incômodo - aquele tipo de silêncio que existe quando duas pessoas simplesmente se entendem.
Henrique apoiou o queixo na mão e a observou por alguns segundos.
- Você parece diferente, Clara.
- Diferente como?
- Mais leve. Mesmo com essa sombra que às vezes passa pelo teu olhar... parece que tá se recomeçando.
Ela sorriu, mas havia tristeza no sorriso.
- Tô tentando.
- E o "sufoco" que te fez voltar a trabalhar? - perguntou com cuidado, o tom gentil. - Pode me contar ou ainda é segredo?
Clara respirou fundo, mexendo distraída na taça de vinho. Por um instante, pensou em mudar de assunto. Mas depois, simplesmente deixou as palavras saírem.
- Arthur me traiu.
Henrique ficou quieto.
Ela continuou:
- E, no meio da discussão, ele... - riu, um riso curto, amargo - ele me propôs um casamento aberto.
Henrique a olhou com algo entre espanto e raiva.
- Ele fez o quê?
- Isso mesmo. Disse que precisava de liberdade. Que amava, mas queria respirar.
- E você?
- Eu aceitei - respondeu, sem hesitar. - Não porque queria, mas porque cansei de implorar por respeito. Se ele quer liberdade, vai tê-la. Só que agora eu também sou livre.
Henrique ficou em silêncio por alguns segundos, como se tentasse digerir aquilo.
Então, com o olhar firme, disse:
- Ele não faz ideia de quem está perdendo, Clara.
Ela riu de leve, balançando a cabeça.
- Talvez não. Mas o que importa é que agora eu tô tentando me encontrar de novo.
Henrique apoiou os cotovelos na mesa e a olhou de um jeito que a fez prender a respiração.
- E se a gente o ajudasse a entender o que ele perdeu?
- Como assim? - perguntou, confusa.
- Se ele quer um casamento aberto, deve achar que ainda te controla, de alguma forma. Que pode ter você por perto, mesmo vivendo outra vida. - Ele fez uma pausa, olhando bem nos olhos dela. - Mas e se ele visse que você também seguiu em frente, que você também guarda suas surpresas?
Clara arqueou as sobrancelhas.
- Você tá sugerindo que eu arrume alguém?
- Não exatamente - disse, com um meio sorriso. - Eu tô sugerindo que a gente finja que já aconteceu.
Ela piscou, surpresa. - Fingir que estamos juntos?
Henrique deu um pequeno gole no vinho e assentiu.
- Isso. Fingir que estamos namorando. Nada sério, só o suficiente pra ele perceber que não é o centro do teu mundo.
Clara riu, balançando a cabeça.
- Você é louco.
- Um pouco. - Ele sorriu, sem desviar o olhar. - Mas, convenhamos, seria divertido.
- Divertido pra você, talvez.
- Pra mim e pra você. - Henrique se inclinou um pouco mais sobre a mesa. - Vai me dizer que não quer ver a cara dele quando perceber que te perdeu de verdade?
Clara o olhou por alguns segundos, tentando ler se ele estava mesmo falando sério.
O sorriso dele era provocante, mas o olhar... o olhar era sincero.
E, no fundo, ela sabia que havia algo mais ali.
- Você realmente faria isso? Fingir estar comigo? - perguntou, baixando o tom de voz.
Henrique deu de ombros. - Por você? Faria.
Ela desviou o olhar, tentando conter o riso nervoso.
- Isso é uma loucura.
- Às vezes, a loucura é a única coisa que faz sentido. - disse ele, sorrindo de leve.
O garçom trouxe a sobremesa, mas os dois já nem prestavam atenção.
O ar entre eles tinha mudado. Algo havia se instalado ali - algo que nenhum dos dois quis nomear, mas que ambos sentiram.
Na saída, ele a acompanhou até o carro. O vento da noite estava frio, e Clara cruzou os braços, tentando se aquecer. Henrique se aproximou e ajeitou o casaco dela, com um gesto simples, quase automático.
- Fica tranquila, tá? Eu prometo que não vou deixar nada sair do controle.
Clara ergueu o olhar pra ele, e por um instante, não soube o que responder.
O silêncio falou por ela.
- Boa noite, Henrique.
- Boa noite, Clara.
Entrou no carro e, quando olhou pelo retrovisor, ele ainda estava lá, parado na calçada, as mãos nos bolsos e aquele mesmo sorriso - meio cúmplice, meio perigoso.
Enquanto dirigia pra casa, Clara não sabia se ria ou se ficava nervosa.
A ideia dele era absurda.
Mas, de algum modo, fazia sentido.
E o pior, uma parte dela queria ver o que aconteceria se o plano realmente desse certo.