Ponto de Vista: Catarina
O quarto de hotel era estéril e anônimo, um espaço esquecido que ecoava meu próprio passado recente. O único cheiro era o de produto de limpeza industrial.
Depois de um banho escaldante, senti como se tivesse esfregado e tirado três anos de sujeira, o peso sufocante de ser a Sra. Stanley.
Eu era apenas Catarina Queiroz novamente.
Meu telefone tocou, um número desconhecido.
Deixei tocar quatro vezes antes de atender.
"Sra. Stanley", disse uma voz de homem.
Reconheci como sendo Zane, um dos soldados de maior confiança de Ricardo.
"O Subchefe está preocupado. Você precisa voltar para casa. Pense na imagem da Família."
O nome soou como um tapa.
"Esse é um título que não reconheço mais", eu disse, minha voz uma lâmina afiada. "Você se dirigirá a mim como Catarina, ou Sra. Queiroz. Entendeu?"
Ele gaguejou por um momento antes que eu cortasse a ligação.
Segundos depois, meu telefone criptografado vibrou.
Ricardo.
"Que porra você pensa que está fazendo?", ele rosnou, sua fachada controlada de sempre estilhaçada, substituída por pura fúria. "Você está tentando me destruir. Quer me fazer de palhaço na frente do sindicato inteiro."
Peguei um arquivo da pequena escrivaninha.
"Estou olhando seu relatório médico, Ricardo. Ferimento de bala no ombro. No Setor Gama. Um setor que o Dom Gagliardi ordenou explicitamente que você evitasse."
A linha ficou em silêncio.
"Eu também tenho a gravação das comunicações", continuei, minha voz inabalável. "Os trinta segundos completos. Sua ligação para a Bianca. Consigo ouvir a vozinha de menina dela tão claramente. 'Estou com tanto medo, você tem que vir me buscar.' E sua resposta... qual foi mesmo? Ah, sim. 'Estou indo, meu bem. Não se preocupe. Não vou deixar nada acontecer com você.'"
Eu podia ouvir sua respiração, ofegante e irregular.
Ele estava sem palavras.
Ele sabia que eu tinha: a prova irrefutável de sua profunda desonra.
"Você fala de profissionalismo", zombei, a palavra com gosto de cinzas na minha boca. "Como seu status de herói vai se sustentar quando os Dons do Conselho ouvirem que você abandonou seu posto, sua esposa e seu dever por uma Associada com quem você anda dormindo?"
Pela primeira vez, sua voz perdeu a arrogância habitual, substituída por uma nota crua que eu não ouvia há anos: súplica.
"Cat... eu cometi um erro. Foi um momento de fraqueza."
"Um erro?", eu ri, um som amargo e feio. "Diga-me, Ricardo, foi um erro porque você a ama? Ou foi porque ela era mais fraca que eu? Salvar a donzela em perigo finalmente te fez sentir como um verdadeiro chefão?"
Ele não respondeu.
Ele não podia.
"Estou peticionando ao Conselho", informei-o, minha determinação se transformando em aço. "Não apenas pela anulação. Estou peticionando por um cargo formal: a negociadora e intérprete principal deles. Vou mostrar a eles como é a verdadeira lealdade e profissionalismo."
Pensei na nossa noite de núpcias.
Nele saindo para a varanda para atender uma ligação, de costas para mim em nossa cama de casal.
Ele murmurava palavras de conforto ao telefone, o mesmo tom suave que usou para Bianca no meio de um tiroteio.
Eu tinha sido uma tola naquela época, acreditando que era apenas negócio da Família.
Uma tola ingênua e cega.
Nunca mais.
Com um clique final, desconectei a chamada e bloqueei seu número, cortando o último laço.