O olhar de Afonso finalmente caiu sobre mim, amassado no chão. Não havia preocupação em seus olhos. Nem choque. Nem pena. Apenas uma impaciência fria e dura, como se eu fosse um animal de estimação malcomportado que sujou a casa de lama.
Ele olhou da minha perna quebrada e torcida para o meu rosto pálido, e sua voz foi um estalo de chicote na sala silenciosa.
"Você o ouviu. Levante-se e vá fazê-los."
Eu o encarei, as palavras não registrando a princípio. Minha cabeça girava por causa da concussão, meu corpo era uma sinfonia de agonia. Ele não podia estar falando sério.
"O quê?" eu sussurrei, minha voz rouca.
"Você é surdo?" Afonso retrucou, sua paciência se esgotando. "Cássio quer seus folhados. Vá para a cozinha e faça-os. Agora."
A crueldade pura e absoluta do comando finalmente rompeu minha névoa induzida pela dor. Foi uma barragem se rompendo. Cinco anos de lágrimas engolidas, de gritos silenciosos, de morder a língua até sangrar, tudo jorrou em uma torrente de angústia.
"Você está louco?" eu gritei, o som rasgando minha garganta crua. "Estou sangrando! Minha perna está quebrada! Seus homens me arrastaram para fora de uma sala de cirurgia! E você quer que eu... que eu asse folhados para ele?"
A raiva e o desespero me tornaram imprudente. Eu não me importava mais com as consequências.
"Como você pode fazer isso comigo, Afonso? Como pode ser tão cruel? Eu era seu marido! Por cinco anos, eu fui seu marido! Eu te amei, te respeitei, te dei tudo o que eu tinha, e você me tratou como se eu não fosse nada! E para quê? Por ele? Uma criança mimada e manipuladora que você deixa pisar em você?"
Minhas palavras pairaram no ar, ecoando com anos de dor.
Afonso não se abalou. Seu rosto permaneceu uma máscara de pedra indecifrável.
Cássio, no entanto, parecia irritado. "Afonso, ele é tão barulhento. Está piorando minha dor de cabeça."
Instantaneamente, a atenção de Afonso voltou para seu amante. "Eu sei, meu amor, me desculpe," ele acalmou, sua voz pingando ternura. Ele me lançou um olhar de puro veneno. "Você o está perturbando."
Ele se levantou e caminhou até mim, pairando como uma nuvem de tempestade. Ele olhou para mim, seus olhos desprovidos de qualquer calor humano.
"Então, isso é um não?" ele perguntou, sua voz perigosamente suave. "Você se recusa a fazer o que lhe foi dito?"
Eu olhei para o rosto do homem que uma vez amei, e vi um estranho. Um monstro. Os últimos vestígios do meu coração partido viraram pó. Não havia mais nada dentro de mim além de um vasto e frio vazio.
"Sim," eu sussurrei, a luta se esvaindo de mim, substituída por um cansaço profundo e da alma. "Eu me recuso."
Os lábios de Afonso se curvaram em um sorriso que não continha humor. Era o sorriso de um predador.
"Muito bem," ele disse calmamente. Ele se virou para seus guarda-costas. "Levem-no para o frigorífico da cozinha do hospital. Deixem-no esfriar até que mude de ideia."
Meu sangue virou gelo. O frigorífico do hospital era um enorme freezer industrial mantido a temperaturas abaixo de zero. Para uma pessoa na minha condição, com choque e perda de sangue, era uma sentença de morte.
"Não!" eu gritei, me arrastando para trás no chão, o movimento enviando adagas de dor pelo meu corpo. "Afonso, você não pode!"
Os guarda-costas me agarraram novamente, seus apertos como ferro. Eu lutei, chutei com minha perna boa, gritei até minha voz ficar rouca, mas foi inútil. Eles eram máquinas, programadas para obedecer a seu mestre.
Eles me arrastaram pelos corredores brancos e imaculados, passando por enfermeiras horrorizadas que estavam intimidadas demais para intervir, e para a cavernosa cozinha do hospital. Eles abriram a porta pesada e isolada da câmara fria e me jogaram lá dentro.
A porta bateu, mergulhando-me em uma escuridão gélida. O baque pesado do ferrolho sendo trancado ecoou como um prego de caixão.
O frio foi imediato e brutal. Ele se infiltrou pelo meu fino avental de hospital, atacando minha pele, meus músculos, meus ossos. A tala de metal na minha perna parecia um bloco de gelo em chamas. Cada terminação nervosa gritava em protesto. Meus dentes batiam tão violentamente que pensei que iriam quebrar.
O tempo deixou de ter significado. Havia apenas o frio, a escuridão e a dor. Eu podia sentir meu corpo desligando, minha consciência se desfazendo nas bordas.
É isso, pensei. Ele finalmente vai me matar.
Meu orgulho, minha raiva, meu coração partido – tudo não significava nada diante da morte. Um instinto primal e desesperado de viver surgiu em mim.
Bati meu punho bom contra a porta de metal até que ficasse dormente e em carne viva. "Por favor!" eu implorei, minha voz um coaxar patético e congelado. "Por favor, me deixem sair! Eu faço! Eu faço os folhados! Por favor!"
Silêncio.
Então, depois do que pareceu uma eternidade, ouvi o ferrolho deslizar para trás. A porta se abriu, e a luz ofuscante da cozinha inundou o local. Um dos guarda-costas olhou para mim, minha forma coberta de gelo encolhida no chão, com uma expressão indecifrável.
Ele me levantou. Eu desabei contra ele, incapaz de ficar de pé. Ele meio que me carregou, meio que me arrastou para um balcão de aço inoxidável.
Meu corpo estava um destroço. Minhas mãos tremiam tanto que mal conseguia segurar a peneira de farinha. Minha visão embaçava e focava. O sangue do corte na minha cabeça pingava na bancada, misturando-se com o açúcar derramado.
De alguma forma, por pura e desesperada vontade, eu fiz os folhados. Minhas mãos se moviam no piloto automático, seguindo uma receita que eu conhecia de cor, uma receita que eu uma vez fiz com amor. Agora, cada movimento era um ato de profundo auto-ódio.
Quando finalmente ficaram prontos, dourados e brilhando com mel, o guarda-costas pegou a bandeja das minhas mãos trêmulas.
Afonso apareceu na porta da cozinha. Ele não olhou para mim. Ele olhou para os folhados, um lampejo de satisfação em seu rosto.
"Bom," ele disse, sua voz monótona. Ele se virou para o guarda-costas. "Ele cumpriu seu propósito. Leve-o para a cirurgia."
Eles me empurraram de volta para uma maca. Enquanto me levavam, de volta para a sala de cirurgia de onde eu havia sido roubado, vi Afonso pegar um dos folhados quentes e levá-lo de volta para o quarto de Cássio.
Deitado na maca, o mundo girando ao meu redor, uma única e solitária lágrima escapou do canto do meu olho e traçou um caminho frio pela minha têmpora.
Não era uma lágrima de tristeza. Ou raiva. Ou mesmo dor.
Era uma lágrima de finalidade. Um adeus final ao garoto tolo que acreditava que o amor poderia conquistar tudo.
Ele havia vencido. Ele me quebrou completamente.
Mas enquanto o anestésico começava a me puxar para a inconsciência, um pequeno e frio pensamento se formou nas ruínas da minha mente.
Você não pode quebrar algo que já está morto.
Meu amor por Afonso Tavares estava morto. E em seu lugar, algo novo, algo duro e inflexível, estava começando a crescer.