Assim, a atenção de Heitor se desviou de mim. "Kátia, querida, o que há de errado?" Ele correu para o lado dela, seu braço envolvendo-a, sua preocupação absoluta. "Você precisa descansar. Aurora, você pode ir agora. Conversamos mais tarde." Ele me dispensou com um aceno de pulso.
Meu coração, já um destroço, sentiu outra pontada aguda. Ele não se importava. Não comigo. Nunca mais se importaria. Era assustador ver com que facilidade ele me descartava.
Uma risada amarga e oca escapou dos meus lábios. Virei-me para sair, os papéis ainda na minha mão.
"Espere!", Kátia chamou, sua voz de repente forte, sem traço de dor. Ela enfiou a mão na bolsa e tirou um pequeno pacote elegantemente embrulhado. Era um tubo de creme. "Ah, e Aurora, Heitor me pediu para pegar isso para você. É para suas estrias. Sabe, do bebê. Queremos que você se sinta no seu melhor." Ela piscou, um brilho malicioso nos olhos. "Ele disse que você realmente precisa, especialmente com o quão... persistentes elas são."
Meu corpo enrijeceu. A vergonha, quente e espinhosa, se espalhou pela minha pele, fazendo minhas estrias arderem. Minhas mãos se fecharam em punhos, minhas unhas cravando nas palmas. A humilhação era um peso físico, me pressionando.
Heitor pegou o creme de Kátia, seu olhar frio quando encontrou o meu. "Ela está certa", ele disse, sua voz plana. Ele enfiou o tubo na minha mão. "Você deveria usar isso todos os dias, Aurora. Para o seu próprio bem. Ajuda com... as sequelas." Seus olhos desceram para minha barriga, um olhar de nítido desgosto em seu rosto.
Foi uma facada fria e calculada. O homem que eu amava, o pai do meu filho, estava usando meu corpo pós-parto, o próprio recipiente que carregou seu filho, como uma arma contra mim. Parecia que ele tinha acabado de enfiar uma faca no meu coração e torcido.
Heitor e Kátia então deram os braços, virando as costas para mim, em direção ao seu elevador privativo. Assim que as portas estavam prestes a se fechar, ouvi a voz de Kátia, clara e afiada.
"Você tem certeza que esse creme vai funcionar, Heitor? Li que tem alguns efeitos colaterais bem desagradáveis se usado com muita frequência. Tipo, afinar a pele, aumentar a sensibilidade... talvez até algumas cicatrizes." Ela deu uma risadinha.
A risada de Heitor foi igualmente cruel. "Ah, vai funcionar, Kátia. Vai funcionar muito bem. E se não funcionar, bem, pelo menos ela vai se lembrar de quem manda. Ela precisa de um lembrete do seu lugar."
Minhas pernas cederam. Caí no chão, o tubo de creme escorregando dos meus dedos dormentes. Ele bateu no mármore polido com um baque surdo. Minha cabeça girou. Minha visão ficou turva. Ele tinha a intenção de me machucar. De me causar dor ativamente, maliciosamente. O homem que eu amei, o homem com quem me casei, tinha realmente desaparecido. Substituído por um monstro.
A raiva, fria e pura, surgiu dentro de mim. Peguei o tubo de creme, minha mão tremendo de fúria, e o arremessei contra a parede oposta. Ele explodiu, uma mancha branca contra o papel de parede caro.
De alguma forma, cheguei em casa, meu corpo um peso de chumbo. Quando desabei na minha cama, uma febre ardente havia se instalado. Minha cabeça latejava, minha pele parecia crua e inflamada.
A babá, abençoada seja, ligou para Heitor imediatamente. "Sr. Bastos, a Sra. Bastos está com febre alta. Ela não está respondendo bem."
Ouvi sua resposta curta e impaciente pelo telefone, mesmo da minha cama. "Apenas dê a ela um analgésico, Maria. Ela provavelmente está só fazendo drama. Estou ocupado. Não me ligue de novo a menos que seja uma emergência." Ele desligou.
Minhas lágrimas haviam secado. Não restava nada além de um vazio vasto e doloroso. Lembrei-me de um inverno, anos atrás, quando peguei uma gripe. Heitor ficou ao meu lado, pressionando panos frios na minha testa, sussurrando palavras de conforto, seu toque um bálsamo. Agora, ele não podia nem se dar ao trabalho.
A febre durou três dias, borrando as linhas entre a realidade e o pesadelo. Na terceira noite, senti uma mão fria na minha testa. Heitor. Abri os olhos. Ele estava lá, o rosto marcado pela preocupação, seus dedos massageando suavemente minhas têmporas.
Uma onda de alívio, fugaz e perigosa, me invadiu. Ele tinha voltado? Foi tudo um mal-entendido? Meu corpo, dolorido e exausto, se inclinou para o seu toque.
Então, a sensação fria e pegajosa do creme na minha pele. Ele estava esfregando na minha barriga, seu toque mais áspero do que antes. "Kátia encontrou este tipo especial", ele murmurou, sua voz pingando uma doçura artificial. "Ela disse que é muito mais forte. Vai limpar essas marcas feias rapidinho."
Seu sorriso não alcançou seus olhos. Havia um brilho frio e calculista ali, um lampejo de algo semelhante a nojo. Ele me odiava. Ele realmente me odiava. Meu estômago revirou.
Bati na mão dele, minha força surpreendendo até a mim mesma. "Saia!", eu grasnei, minha voz rouca pela febre.
Seu rosto endureceu instantaneamente. "Aurora, pare de ser infantil", ele disse, seu tom desprovido de calor. "Maria, vista-a. Ela vai comigo à celebração da Kátia esta noite."
Maria, a babá, olhou para mim, seus olhos arregalados de preocupação. "Mas senhor, ela ainda está muito doente. Ela mal está consciente."
Heitor zombou. "Ela vai ficar bem. E certifique-se de que ela use uma máscara. Não quero que ela contamine a Kátia. Kátia tem uma apresentação muito importante amanhã." Ele então foi até a pia do banheiro e esfregou as mãos com força, como se meu toque o tivesse contaminado.
Meu corpo parecia chumbo, minha mente nublada pela febre. Eu era uma marionete, mole e sem resposta. Maria me ajudou a vestir um vestido, suas mãos gentis. Fui empurrada para o banco de trás do carro de Heitor, minha cabeça balançando contra o assento.
Chegamos à festa brilhante. As portas se abriram, e a primeira coisa que ouvi foi a risada triunfante de Kátia, seguida pelos murmúrios da multidão.