Naquele momento, uma chave virou dentro de mim. Não foi alto ou dramático. Foi um clique silencioso e final. A parte de mim que ainda tinha esperança, que ainda dava desculpas para ele, que ainda o amava com a lealdade desesperada de uma garota que não tinha mais ninguém no mundo - simplesmente se calou.
"Pedir desculpas?", perguntei, minha voz neutra. Estendi a mão, meus movimentos precisos e deliberados, e apertei o botão para soltar o cinto de segurança dele. "Saia do meu carro."
"Alice, não estou brincando", ele disse, a voz baixa e ameaçadora.
"Eu disse, saia." Minha voz não se alterou. Não precisava. A finalidade fria nela era suficiente.
Ele me encarou, seus olhos procurando em meu rosto a mulher que ele conhecia, a mulher que já teria desabado, que teria chorado e lutado e, eventualmente, sempre, o perdoado.
Ela não estava mais lá.
"Tudo bem", ele rosnou, empurrando a porta com tanta força que ela tremeu nas dobradiças. "Você quer ser assim? Tudo bem. Não venha chorando para mim quando tiver tido tempo para pensar na vadia que você foi."
Ele bateu a porta.
Eu não vacilei. Apenas observei no espelho lateral enquanto ele corria para alcançar Brenda, que estava parada na esquina, parecendo perdida e patética. Ele colocou o braço em volta dela, puxando-a para um abraço reconfortante, a cabeça inclinada em direção à dela enquanto murmurava o que eu só podia supor serem palavras de consolo.
Meu corpo parecia estar sendo partido em dois. Minhas mãos tremiam tanto que mal conseguia segurar o volante. Pisei no acelerador, o motor rugindo para a vida.
Enquanto eu passava por eles, Brenda olhou para cima. Seu rosto manchado de lágrimas havia desaparecido. Em seu lugar, havia um sorriso triunfante e zombeteiro. Ela encontrou meus olhos no retrovisor, uma declaração de vitória silenciosa e cruel.
Os dias que se seguiram foram um inferno gelado. Estávamos em um estado de guerra não declarada, morando na mesma casa, mas sem nos falarmos, sem nos olharmos. O ar estava denso de ressentimento. Nossos amigos, na verdade amigos de Heitor, começaram a aparecer. Um esforço coordenado.
"Qual é, Lice", disse Marcos, sentado em nosso sofá, uma cerveja na mão. "Ele só tem um ponto fraco por uma história triste. Não é como se ele estivesse dormindo com ela."
"Você sabe como o Heitor é", acrescentou outro, Paulo. "Ele vê um cachorro de rua, ele tem que levar para casa. Ele vê uma mãe solteira em dificuldades, ele tem que salvá-la. É sobre o passado dele, sabe? Ele não pôde salvar a si mesmo ou a você naquela época, então ele está supercompensando."
O passado dele. Nosso passado.
Eles não sabiam nem da metade. Eles não sabiam como era ter oito anos, ver o carro dos seus pais ser atingido em cheio em um cruzamento e depois ser jogada no sistema. Eles não sabiam da fome roendo, das noites frias que passamos amontoados em um banco de praça depois de fugir de um lar adotivo onde as mãos do pai passeavam.
Eu me lembrava de Heitor, apenas um menino de dez anos, envolvendo seus braços magros em volta de mim, sua voz feroz no escuro. "Eu vou nos tirar daqui, Lice. Eu juro. Vou te dar um lar. Um de verdade. Vou te fazer minha princesa, e você nunca mais terá que ter medo."
E ele fez. Construímos nossa empresa do nada, de uma única ideia brilhante codificada em nosso apartamento apertado. Ele construiu esta casa para mim, encheu-a de luz e calor e tudo o que nunca tivemos. Ele me chamava de sua "princesinha", sua voz cheia de um amor tão vasto que parecia a única coisa sólida no universo.
"Ele é um homem, Alice", disse a esposa de Marcos, Sara, seu tom condescendente. "Todos os homens se distraem às vezes. Você não pode simplesmente jogar fora um casamento por algo assim. Pare de ser tão teimosa."
Foi então que eu percebi. Isso não era uma intervenção amigável. Era uma mensagem de Heitor. Era o ramo de oliveira que ele estava oferecendo, através deles. Ele esperava que eu o aceitasse. Que fosse a pessoa mais madura. Que perdoasse e esquecesse, como todas as outras vezes.
Algo dentro de mim endureceu. Não. Desta vez não.
O prego final no caixão do nosso casamento chegou através da minha melhor amiga, Jaqueline. Ela me enviou uma captura de tela da última postagem de Brenda Quinn nas redes sociais.
Era uma foto. Um close de duas mãos pequenas segurando um giz de cera, desenhando uma família de bonecos de palito em um pedaço de papel. Um homem, uma mulher e um menino. Abaixo, Brenda havia escrito: "Meu Cael desenhou nossa pequena família. Meu coração está tão cheio. Ele finalmente tem a figura paterna que merece."
Mas não foi o desenho que fez meu sangue gelar. Foi a mão do homem, pousada na borda do papel, guiando a da criança.
Eu conhecia aquela mão melhor que a minha.
E no quarto dedo estava a aliança de platina simples que eu havia colocado lá dez anos atrás.
---