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- Safira, já vai sair filha? - mamãe pergunta, curiosa como sempre.
- Sim, mamãe. - dou um beijo na cabeça dela, quando passo para pegar minha bolsa.
- Safira, você está saindo muito a noite, os vizinhos estão falando. - rolo meus olhos.
- Os vizinhos não pagam a minha conta. - mamãe e sua mania de dar ouvidos ao que esses urubus falam.
- Safira.
- Chega mamãe, daqui a pouco nós saímos daqui e essa ralé invejosa fica para trás mordendo a própria língua.
- Filha. - arregala os olhos, suponho que meu tom de voz saiu arrogante demais, sinceramente? Não me importo. Já falei sobre isso centenas de vezes com a minha mãe, ela insiste por que quer.
- Não sei que horas vou voltar. - ignoro suas lamúrias. - ou melhor. - olho por cima do ombro. - não sei se volto hoje, por tanto, não espere por minha volta. - saio porta afora sem dar tempo de ela dizer algo a mais.
Eu e minha mãe moramos sozinhas, sou filha única e meu pai morreu em um acidente, aconteceu antes de eu nascer, por isso nunca senti falta. As pessoas acham isso estranho, falam que eu sou muito seca, que um pai é algo divino, e mais um monte de coisas, mas, eu te pergunto, como se sente falta de algo que nunca teve? Nunca conheceu? Posso ser seca sim, mas acho que nesse ponto estou certa.
Passei uma infância que nem deveria ser considerada Realmente como infância. Cresci na pobreza, do tipo que não tinha nem mesmo vontade de comer aquele biscoito de dois reais que via no super mercado, porque simplesmente não tinha dois reais para aquilo. Já vi dona Lia passando fome para eu comer, ela trabalhava como faxineira, porém, foi demitida.
Sem ter mais o que fazer, começou a pedir no sinal, o que ganhava dava mal para comprar uma Milharina para fazer cuscuz, que era o mais caro que poderia comprar de comida. Ela tentou juntar para pagar o aluguel, mas não conseguiu, fomos despejadas. Passamos por toda a humilhação do mundo até que conseguiu outro emprego em uma casa de família, sem ter um lugar do qual eu pudesse ficar até sua volta, ela me levava e me deixava em um canto, eu passava o dia todo quieta em um único lugar, porque minha mãe estava trabalhando, e não podíamos nem mesmo sonhar em perder aquele emprego.
Mas, um dia eu levantei, e foi a ruína, minha e de mamãe novamente.
Saí do lugar que sempre ficava e entrei em uma sala, o lugar era bem bonito, eu tinha algo próximo a dez anos, avistei um vazo de flores a cima de uma escada, nunca havia visto um arranjo tão lindo, subi e fiquei admirando as pétalas, de repente um gato peludo passou por mim, rodeou minhas pernas e fiquei encantada, nunca na minha miserável vida eu havia visto um animal tão lindo. Ele saiu andando e fui atrás, quando percebi eu estava dentro de um quarto com um homem me olhando da maneira mais nojenta que podia. Ele se aproximou e eu dei dois passos para trás, eu era nova, mas não era boba, fazia ideia do que poderia vir a seguir, pois, minha mãe sempre conversou comigo sobre educação sexual, eu fiquei com muito medo e só queria sair dali o mais rápido possível, na ânsia, eu virei muito rápido, esbarrei em um abajur e o derrubei, a dona da casa entrou, e o desgraçado disse que me pegou tentando furtar algo no quarto, tentei rebater, mas a mulher não ouviu, quem iria dar ouvidos a uma "morta de fome" quando a outra pessoa era tão culto e engravatado? Não deu outra, foi rua para minha mãe mais uma vez.
Eu passei muito tempo com ódio daquela situação, quanto mais eu via minha mãe sofrendo, sem conseguir emprego, mais meu ódio crescia, o filho da puta tinha "nome" infernizou o quanto pode para ninguém emprega-la. Vivemos de todo jeito, até em abrigo fomos parar. Ainda bem que da escola dona Lia nunca me tirou, penso que, no fundo, era a única esperança dela, que eu um dia me formasse e mudasse nossas vidas.
Eu também nunca me conformei com o pouco, e sabia que a única solução para conseguirmos sair daquele miserê um dia era por meio dos estudos. Foi aí que aproveitei todo o meu tempo para estudar, eu pegava os livros da biblioteca da escola emprestado, às vezes, até escondido. Um dia acho que Deus ouviu as orações da minha mãe, uma escola particular lançou um projeto de doações de bolsas para um determinado número de alunos, foi aí que minha estrela brilhou, eu fiz a prova exigida e passei, no mês seguinte eu comecei a estudar na melhor escola de São Paulo, e foi aí também que conheci a Manuela, minha melhor e única amiga.
Apesar de estar estudando em uma escola boa nossa vida continuou ruim, passamos mais de dois anos em um abrigo, dependendo da bondade de estranhos, já que o desgraçado que me assediou lascou com as possibilidades de mamãe conseguir um serviço, eu o odeio até hoje por isso, lembro-me que sempre torcia para que ele estivesse sofrendo com alguma doença maligna toda vez que via minha mãe chorar desesperada por tudo que estávamos vivendo, eu sabia que todo aquele sofrimento era porque ela sabia que eu também estava sofrendo, e sabia também que as coisas estariam diferente se eu não tivesse me levantado e seguido aquele maldito gato de pêlos bonitos. É por isso que não suporto gatos, até hoje.
O tempo foi passando e com quinze anos eu era uma menina muito bonita, apesar de ser abaixo do peso e ter roupas simples, resultado da pobreza em que vivíamos.
Um dia eu vesti um shortinho que Manu me emprestou, e amarrei minha blusa deixando minha barriga a mostra, estava fazendo muito calor e a aula estava me matando, eu não me saía muito bem com exercícios físicos.
Comecei a me alongar e percebi os olhares do meu professor de Educação Física, eu nunca havia tido nenhuma relação com alguém, mas eu já havia visto olhares de desejos que outros casais trocavam. Para testar se ele estava mesmo interessado, eu empinei a bunda bem para o lado dele e me alonguei, vi quando seus olhos ficaram nublados, dei um sorriso que julguei ser sedutor, e continuei meus exercícios. Quando ele liberou os alunos pediu para eu ficar mais um pouco, Manu tentou ficar também, mas eu pedi para ela que fosse à frente. O professor começou a conversar coisas sobre a aula, mas eu sabia o que, no fundo, ele queria, não perdi tempo e me lancei sobre ele, naquele dia, com um homem muito mais velho e experiente do que eu, minha vida mudou, eu perdi não só meu primeiro beijo, mas também minha virgindade e consequentemente, minha inocência.
Ficamos juntos por mais algum tempo, ele começou a me dar dinheiro e eu comecei a comprar coisas para eu e minha mãe, ela ficou preocupada e queria de todo jeito saber como eu estava conseguindo todo aquele dinheiro, não contei, lógico.
Minha mãe jamais permitiria aquilo. Eu sabia que ele seria acusado de pedofilia, e eu não queria que isso acontecesse. Afinal de contas, para o bem ou para o mal, ele era a minha única ponte entre a esperança e a miséria.
Acabei falando com ele sobre ela está desempregada, também não contei todos os detalhes, só falei estar precisando de um emprego, ele mexeu os pauzinhos e logo ela conseguiu um serviço em uma empresa. Logo saímos do abrigo, e eu descobri que com as pessoas certas e com o meu corpo, eu poderia ir muito mais longe.
Acabamos morando em uma casa perto da casa da Manu, e ficamos ainda mais amigas do que já éramos.
Manuela é como uma irmã para mim, eu a amo do fundo do meu coração, mas nosso mundo é bem distante, enquanto ela mora em uma casa boa, com uma família completa e feliz, eu sempre tive que viver na pindaíba com minha mãe. E é por isso que a estou traindo da pior forma possível, fodendo com o cara que ela sonha em um dia se casar. Óbvio que isso não vai acontecer, já que eu sei que ele não vale nada.
Depois que eu conseguir tudo o que quero dele, vou dar um jeito da Manu descobrir sobre as traições, e o quanto ele não a merece, mas, enquanto isso não acontece, eu vou continuar dando para ele, e em troca cursando a minha faculdade.
Não é ele quem paga o meu curso, o cara que me banca é outro, um velho que se interessou por mim anos atrás, mas ele me impôs uma condição para ficarmos juntos. Ele me bancária, e eu não trepava com mais ninguém, aceitei, visando o meu futuro, mas o cara já está bem coroa, não dá conta do mulherão que eu sou, da maneira que eu gosto. Mas não poderia arriscar perder tudo, foi aí que comecei a transar com Ricardo, o namorado da minha melhor amiga, porque quem iria imaginar que nós dois estaríamos juntos? Ninguém, claro.
Manu está tratando de um problema no útero, passa alguns períodos sem conseguir fazer relações sexuais, então decidi ser justa com ela e fazer o trabalho que não estava conseguindo, alimentar o macho dela para que outra não faça na rua.
Não veja isso como uma traição absurda, veja como uma troca, eu fodo com Ricardo, Manu não leva chifres de outras, e de brinde eu ganho um diploma.
Porque você pode me chamar de vadia, se não já chamou, mas uma coisa que eu lhe garanto que não vai acontecer é de você me chamar de vadia burra. Porque meu amor, de burra eu não tenho nada.
Também não preciso que sintas pena da minha história, se eu lhe contei ela é porque nem eu mesmo sinto, faz tempo que passei dessa fase.
A intenção em te contar tudo o que me aconteceu não era para lhe fazer encher os olhos de lágrimas, mas sim, para fazê-la entender quando me tornei uma vadia, e qual o meu propósito na vida. Porém, se te contei que estou estudando você já deve saber não é?
Meu propósito é ser rica.
Me tornar a melhor e maior arquiteta desse país, ser a senhora Safira Muniz, ser respeitada por todos esses urubus engravatados que me olham como se eu não fosse nada, viajar, comprar sem me preocupar com a fatura do cartão, viver a vida, eu e minha mãe.
Meu propósito é chegar em qualquer lugar, e ser notada. Brindar, enquanto todas me olham e me chamam de vagabunda.
E quem sabe... Olhar para o marido de uma, e fazê-lo pagar minha bebida, até porque, uma conta a menos significa dinheiro a mais, e quem começou a sim, tende a continuar assim, não é mesmo?