Alguns minutos depois, avistei um carro de luxo vindo na direção de Montana e levantei-me, acenando como uma louca para que parasse, mas o sujeito passou direto, sequer reduziu a velocidade. Não demorou muito para que outro, também de luxo, passasse na direção oposta e tornei pedir carona, afinal qualquer lugar era melhor que ficar ali sozinha no meio do nada, correndo o risco dos ladrões voltarem e acabarem comigo. Mas esse também não parou. Aquilo se perdurou por horas. Carros de modelos caríssimos, como se não existisse pobres naquela região, passavam por mim, indo e vindo, esporadicamente, sem que nenhum pareasse ou sequer reduzisse. E eu sequer podia culpá-los, pois me dei muito mal quando cometi a sandice de dar uma carona. Estava quase desistindo, quando por fim um motoqueiro parou, logo adiante e voltou de ré. Mas que sorte a minha! Tantos carros de luxo passando e logo uma moto barulhenta e velha para! Todavia, isso era melhor que nada, eu só queria sair dali antes que algo pior acontecesse e o sujeito estava indo na direção de Montana, me levaria ao meu destino. Menos mal. - Olá. Muito obrigada por ter parado. - Falei para o motoqueiro, sem ver o seu rosto oculto pela viseira escura do capacete. Apesar do calor, usava uma jaqueta de couro preta, jeans surrado e luvas. - Você está indo para Montana? - Indagou, com a voz grossa. - Sim. Você pode me levar? - Eu praticamente implorei, com dificuldade em empurrar as palavras através da minha garganta seca. O homem tirou o capacete e fiquei muda, quase sem ar, meu queixo caindo tanto que quase tocou o chão. Ele tinha o rosto mais bonito e masculino que meus olhos já viram; a pele possuía um tom moreno raro, como se estivesse muito bronzeada e saudável; o cabelo castanho claro era cheio, formando um topete meio arrepiado; os olhos eram de um azul claro, sombreados por sobrancelhas grossas, naturalmente arqueadas, e carregava uma inocência meio angelical, quase um ar de tristeza; o queixo era másculo, coberto pela sombra de uma barba que parecia não ser feita há uns dois dias e o sorriso, ah que sorriso! Parecia um convite irresistível para a tentação. Esperei que ele descesse o olhar pelo meu corpo, como todo homem fazia quando via uma mulher pela primeira vez - alguns faziam todas às vezes -, mas não aconteceu. Ou era gay, ou eu estava muito mal naquele jeans sujo de poeira, com a pele queimada de sol, e o cabelo, naturalmente desgrenhado, ainda mais emaranhado. Era mais fácil acreditar na primeira hipótese, visto que a minha aparência era o tipo que todo homem olhava, o tipo gostosona, com os quadris largos, as pernas grossas e a cintura fina, o que unido aos olhos verdes em contraste com o cabelo escuro, me garantiam muitos olhadas cobiçosos masculinas, o que até então só me trouxe prejuízo e tristeza. Instintivamente, desci meu olhar pelo corpo dele, buscando o resto da sua beleza, mas não consegui ver muita coisa por baixo da jaqueta folgada, embora tivesse certeza de que era lindo inteiro. Seria o marido que eu escolheria se não fosse um pobretão em uma moto empoeirada. Desse tipo, eu só queria distância. Fábio me ensinou bem a lição. - Você está bem? Aceita um pouco de água? - Ele indagou, sem que aquele sorriso lindo deixasse de brincar em seu rosto. - Aceito sim. Estou morrendo de sede. Sem saltar, ele apoiou os dois pés no asfalto para manter o equilíbrio sobre a moto velha e tirou uma garrafinha de água mineral da mochila que trazia nas costas, entregando-me. - Não está muito gelada, porque faz horas que coloquei aí, mas dá pra beber. Sem hesitar, bebi toda a água da garrafa direto do gargalo, de uma só vez e o vi sorrindo ainda mais amplamente, observando-me com aquela cara de homem puro do interior, sem a malícia inerente a todos os homens que eu conhecia e até aos que eu não conhecia. - Muito obrigada. Eu estava mesmo morrendo de sede. - O sol hoje está muito forte. Vamos sair daqui. - Desprendeu o capacete que estava seguro por uma redinha na garupa e entregou-me, antes de colocar o seu. Fiz o mesmo e montei na garupa, sem saber onde colocar os braços. - Segure-se em mim, se não você pode cair. - Falou. Acreditei piamente que aquele era o objetivo de um homem ter uma moto em vez de um carro, mesmo que fosse um carro barato: fazer com que uma garota o abraçasse antecipadamente, durante um encontro, uma tática que certamente funcionava, pois quando contornei meus braços em volta do seu corpo, a sensação não podia ser mais agradável. Senti músculos rígidos e calor masculino - não um calor comum, esse era gostoso e excitante - partindo de baixo do couro da jaqueta e me aninhei ainda mais a ele, sem ter muita noção do que estava fazendo. Ficando louca, na certa. Foi assim que arrancamos em altíssima velocidade, rompendo o sol da tarde na direção de Montana. CAPÍTULO II Era a primeira vez que eu andava de moto, apesar do barulho infernal do motor e do vento causado pela altíssima velocidade, a sensação era boa, um misto de liberdade e adrenalina, que ficava ainda melhor unido ao calor gostoso que partia daquele homem. Obviamente eu nunca teria nada com ele, por não ser exatamente o que eu procurava, entretanto, não fazia mal algum tirar uma casquinha e tirei uma bem grande durante todo o percurso, abraçando-o com firmeza, por trás. - De onde você está vindo? - Ele perguntou, elevando o tom da voz para que se sobressaísse ao barulho do motor. - Do Rio. Sou de lá e você? - Nascido e criado em Montana. Veio a passeio? Vixe! Eu não tinha me preparado para responder perguntas como aquelas. Tive que improvisar. - Não. Na verdade, estou de mudança. Tenho uma tia que mora aqui. - Quem é sua tia? Talvez eu conheça. Puta merda! - Margô. Conhece? - Seria muita sacanagem se existisse uma Margô naquele lugar. - No momento não lembro. O que você fazia sozinha na beira da estrada? - Fui assaltada. Levaram meu carro, meu dinheiro, minhas roupas e tudo mais. - Minha nossa! Eu sinto muito. Isso não é muito comum por aqui. - Podia ter acontecido com qualquer um. A garota estava pedindo carona e eu parei. - Podia ter sido comigo. - Ele completou como se fosse capaz de ler meus pensamentos. - Você pretende prestar queixa? - Sim. Não vou deixar isso barato. Preciso recuperar minhas coisas. Continuamos conversando como velhos conhecido durante todo o caminho, o que tornou o percurso relativamente rápido. Era noite quando chegamos a Montana. Ao contrário do que eu esperava não se tratava de uma cidadezinha pequena do interior, parecia uma mine metrópole, com muitos edifícios grandes na rua principal, um trânsito bastante movimentado e uma iluminação pública que não deixava a desejar. - Onde você vai ficar? - meu resgatador perguntou e novamente precisei improvisar uma mentira de última hora, afinal eu pretendia primeiro me hospedar em um hotel, arranjar um emprego e só depois socializar com a população, não ao contrário. - Não lembro bem onde fica a casa da minha tia. - menti feio. - Era criança quando vim aqui pela última vez. Esperei que ele me propusesse passar a noite na sua companhia, em um quarto de motel, como qualquer homem faria, mas ele não parecia ser qualquer homem e sua proposta foi diferente. - Tenho uma amiga que é dona de uma pensão. Você pode passar essa noite lá e pela manhã procura a casa da sua tia. O que acha? - Acho ótimo. Obrigada. - Quer comer alguma coisa antes de ir? Eu estava morrendo de fome, mas não queria perder ainda mais o meu tempo, tinha objetivos a cumprir, preferia aproveitar o resto da noite para descansar e estar inteira no dia seguinte. Além do mais não queria prolongar minha intimidade com aquele motoqueiro. Toda a minha sensatez me ordenava a afastá-lo. - Não. Obrigada. Continuamos percorrendo as ruas da cidade até que deixamos o que parecia o centro, para que as mansões que Margô mostrou-me no site revelassem diante dos meus olhos, muito mais suntuosas e esplendorosas que nas fotografias. Jurei a mim mesma que um dia, não importasse quanto tempo demorasse, ainda moraria em uma mansão como aquelas, com o meu futuro marido, um gatinho tão lindo quanto o motoqueiro que me resgatara, porém que dirigisse um carro de luxo e não pilotasse uma moto velha.