Ainda assim me forcei a sorrir para entrar em cada estabelecimento, fosse loja de roupas, restaurantes e lanchonetes, em busca de qualquer ocupação que me garantisse alguns reais, mas não consegui nada, nem mesmo quando implorei ao gerente de um restaurante que me deixasse lavar os pratos. Todos os cargos pareciam ocupados, ou a minha cara de forasteira, unido ao meu traje não muito social - jeans colado e blusinha de alças cavada - não inspirava confiança, visto que era possível notar que se tratava de uma população que guardava tradições, dava importância demasiada às aparências e se comportava com altivez, como era comum às pessoas abastadas, da forma como em breve eu me tornaria, bastava apenas me encaixar. Continuei procurando emprego durante toda a tarde e nada. A fome aumentava a ponto de me deixar trêmula, suando frio. Quando passei na frente da igreja cogitei seriamente sentar-me diante dela e pedir esmolas, mas isso pioraria as coisas. Desalentada, sentei-me no banco de uma pracinha ali perto, esperando por algo que sequer sabia o que era apreciando a brisa que se tornava amena à medida que a noite caía. Vi carros de luxo - como eram todos por ali - passarem devagar numa rua próxima e tive vontade de gesticular pedindo parada, discretamente, só para seduzir o motorista e transar com ele em troca de dinheiro. Parecia tão fácil. Isso resolveria todos os meus problemas, acabaria com minha fome e me garantiria um quarto onde dormir. Entretanto, eu tinha prometido a mim mesma que nunca mais me prostituiria. Não podia desistir de cumprir minha promessa, precisava continuar tentando, aquele fora apenas um dia ruim. Talvez amanhã tudo desse certo, se a fome não me matasse até lá. Permanecia cabisbaixa, pensando em outras possíveis saídas, quando de súbito ouvi o ronco do moto de uma moto se aproximando e antes mesmo de erguer o olhar, soube que era Miguel. - Oi. Você tá legal? - ele indagou, parando diante de mim, em cima da calçada de tijolos, tirando capacete. Olhei em seu rosto e mais uma vez fui capturada pela sua beleza máscula, enfeitiçada pelo seu magnetismo, uma armadilha perigosa para uma mulher determinada a não se envolver de novo. Desta vez usava uma camiseta de malha preta que mesmo sendo folgada revelava os músculos bem feitos do seu corpo e os braços grossos. Como imaginei tinha um físico delicioso, tão atraente quanto o resto. - Não é proibido estacionar na calçada da praça? - perguntei desanimada, minha voz mais fraca que o normal. - Não sei. Nunca tinha estacionado antes. - Deve ser sim. Essa cidade parece tão certinha. Ele ficou me encarando em silêncio por um tempão, depois percorreu o olhar pelo meu corpo, não com a malícia comum que existe nos homens, estava observando as minhas roupas, as mesmas que eu usava quando me encontrou na beira da estrada. - Você não me parece bem. Não achou a casa da sua tia? - Não. Acho que ela nem mora mais aqui. Estou completamente sozinha e perdida. - aquilo soou como um gritante pedido de socorro. - Você não está sozinha. Eu estou bem aqui. - sorriu, me parecendo meio desconcertado. - Está a fim de comer alguma coisa? Foi a minha vez de sorrir, muito amplamente. - Com certeza. - quase gritei. - Sobe aí. - tirou o outro capacete debaixo da redinha e me deu. Montei na garupa e envolvi seu corpo forte e duro com os meus braços, inebriada com seu calor ainda mais presente devido á fragilidade da malha da camiseta. Era realmente um contato muito gostoso. Até que eu não era tão sem sorte assim. Pelo menos tinha aquele homem para me estender a mão e com toda aquela gostosura, talvez eu experimentasse um pouco mais que sua mão, mesmo que por uma vez apenas para demonstrar a minha gratidão e relaxar o estresse daquele dia. Tinha certeza que não seria nada desagradável. Me levou a um restaurante moderno, bastante movimentado, na rua principal, onde eu tinha passado mais cedo para procurar emprego. Ao entrarmos, a recepcionista vestida de forma sofisticada, que me tratou com desprezo antes, abriu um sorriso na direção de Miguel, tão largo que eu pude apostar como suas bochechas arderam, seus olhos castanhos claros brilharam para ele, o que não estranhei nem um pouco, o cara era realmente um espécime, qualquer mulher teria aquela reação diante dele. - Miguel. Quanto tempo. - a sem vergonha levou uma mão ao cabelo escorrido e a desceu, passando pelos lábios e colo, como se lhe apresentasse seus atributos. Da mesma forma como agia comigo, Miguel ignorou totalmente o gesto, mantendo o olhar fixo em seu rosto. Será que era gay? - Como está Silvia? - Muito bem e você? - Ótimo. Preciso de uma mesa para dois. Aliás, esta é a nova integrante da nossa comunidade, Manuela. - fez a apresentação com simpatia e nos cumprimentamos com polidez, muito rapidamente, já que nossa concentração estava fixa no mesmo rumo. Depois que alguns dos clientes o cumprimentaram com familiaridade, alguns me observando com curiosidade, outros apenas me ignorando, nos acomodamos em uma mesa perto da janela de vidro que nos permitia ver o lado de fora. Quando abri o cardápio fiquei perdida, sem saber o que pedir e ao mesmo tempo com vontade de pedir tudo, tão grande era a fome que me assolava. Acabei optando por uma feijoada, mas isso era só o começo, eu aproveitaria para comer pelo dia seguinte também, já que não sabia quando teria a próxima refeição. Coitado daquele cara, já era pobre a ponto de pilotar uma moto velha e eu ainda o fazia gastar seu dinheiro comigo. Daria um jeito de compensá-lo por isto. - Você conhece todo mundo na cidade? - perguntei. - Não é uma cidade muito grande. A maioria das pessoas se conhece. No Rio é bem diferente, não? - Sim. Ninguém conhece ninguém. Já esteve lá? Ele novamente pareceu desconcertado ao sorrir meio de lado. - Fui assistir o desfile das escolas de samba, uma vez. - Gosta de carnaval? - Não gosto mais. - Ficou sério ao afirmar. - O que você fazia lá? Por que decidiu partir? Puta merda! Eu tinha que pensar rápido, o que se tornava quase impossível com o cheiro de comida partindo da cozinha e das outras mesas. Eu devia ter previsto que precisaria responder àquelas perguntas e ter me preparado, pois a verdade sujaria uma reputação que eu precisava construir. Fui muito idiota mesmo.