/0/5992/coverbig.jpg?v=15862e24d7365deadf85b32aae328950)
Day 08.5
A viagem de volta pra casa foi normal, até a hora em que eu desci do ônibus...
Já tinha dito que precisei começar a descer um ponto depois do que eu estava acostumado por causa dos cães que toda noite se acham os donos da rua, certo?
Então...
Eu fui burro pra caralho, e esqueci que tinha que descer um ponto depois. Estava tão cansado que não conseguia sequer pensar direito...
Haviam seis cães do lado da rua em que fica o presídio, na frente do qual aliás, estavam estacionados uns três carros daqueles em que eu tinha visto os militares dirigindo para o outro lado da cidade... Carros de aparência civil, mas pretos e com vidros isofilmados, e todos os cães avançaram em mim latindo, enraivecidos, como se eu estivesse invadindo o território deles...
Claro, eu sei como funciona isso de território animal... Onde os cães mijam, é deles, e qualquer coisa que cruze aquele perímetro é um inimigo.
Eu corri?
Não.
O que eu fiz?
Tive que dar uns chutes neles. E não... Não me sinto orgulhoso disso, mas porra... Eu MORO aqui!
Não posso deixar alguns cães de rua ditarem onde eu posso ou não andar...
Então lutei com eles, e escapei ileso, ouvindo alguns ganidos quando os cães se distanciaram na direção oposta e e pude finalmente voltar a andar.
Mas diminuí o volume do fone a zero, tirei um fone da orelha, e fiquei prestando atenção em um dos militares, que naquela hora saía da guarita, conversando com um policial.
'Eu não quero saber!' Disse o militar, com um tom bem exasperado. 'Eu...' Ele se interrompeu na mesma hora que me viu passando do outro lado da rua, mas eu estava balançando a cabeça, como quem ouve uma música muito boa, e ele logo percebeu que eu "não conseguia" ouvir o que ele dizia, tampouco estava prestando atenção.
'Eu quero esses caras fora daqui!' Continuou, enquanto o policial, relutante, só balançava a cabeça hesitantemente. 'Se a coisa toda se espalhar e eles ainda estiverem aqui, pode ser um perigo enorme para os moradores...'
'Aiai...' O policial suspirou. 'O senhor tem alguma ideia de quantos detentos temos aqui?' Perguntou.
'Cerca de uns dois ou três mil, eu sei. Não vai ser fácil. Mas o que você prefere capitão, um transtorno "menor" causado pela remoção e realocação dos detentos... Ou que aconteça algo com os moradores do bairro... Caso a coisa se alastre e chegue aqui, e vocês não consigam conter o estouro que pode haver aí dentro?'
Não consegui ouvir mais nada, pois já tinha atravessado a quadra, e a voz dos dois havia baixado consideravelmente.
Dá para imaginar o que rolou pela minha cabeça durante o caminho até entrar em casa, certo?
Agora é exatamente 23:31, e eu estou olhando para a minha faca, a qual estou carregando comigo seja lá onde eu for, até que tenho um sobressalto.
Tiros, provavelmente de uma metralhadora.
Apago a luz da sala, que é onde durmo, e diminuo o brilho da tela do laptop o suficiente para não chamar atenção da rua, que é estreita, e a distância entre ela e o quintal não é grande, mas a folhagem do maracujazeiro que cobre a janela ajuda muito como camuflagem, impedindo que basicamente qualquer luz escape.
Porém, nenhuma precaução é demais.
Presto atenção enquanto continuo digitando.
Tão silenciosamente quanto possível...
Nada...
O som da saraivada de balas se repete num intervalo de três minutos. Em minha cabeça, provavelmente o suficiente para andar de uma cela a outra do presídio depois de carregar o municiador, pois o som não é tão alto, Mesmo que ainda dê para notar que vem de perto.
Meia-noite, o som dos tiros cessou, e com isso parece que é chegada a minha hora de dormir.
Amanhã tenho que me lembrar de fazer uma lista do que vou precisar para quando o pior acontecer, seja o que for, e comprar uma mochila nova e resistente...
23/09/2015 – Day 09
Enquanto estava indo para o ponto de ônibus, passando pelo presídio, vi que os carros ainda estavam lá. e que dois militares iam de dentro para fora, sucessivamente, carregando sacos pretos, grandes, levando-os para os contêineres de lixo logo ao lado do terreno onde ficava a prisão.
Um dos sacos estava furado...
E eu posso jurar de pés juntos que eu vi sangue pingando daquela merda.
SANGUE!!!
A doença nem chegou aqui direito, e o provável descuido dos militares já está fodendo com a gente...
Espero que eu tenha realmente tido alguma sorte hoje...
Tive que ir para o centro há algumas horas (é exatamente 15:20 e eu já estou na loja), ou seja, tive que pegar o caminho mais rápido. Quando o ônibus estava passando pelo Jardim Botânico, eu posso jurar ter visto uma enorme coluna de fumaça subindo para o céu pelos arredores da Av. Rui Barbosa, e fiquei esperando que não tenha acontecido nada com o ônibus em que era para eu estar...
As coisas estão indo de mal a pior em uma velocidade assustadora...
Day 09.5
23:56... Eu falei dos sacos que vi os militares carregando mais cedo certo?
Eram realmente corpos...
Desci do ônibus no ponto de sempre, para não ter que dar de cara com aqueles cães de novo, e quando cheguei na quadra de casa, que fica na metade da rua do presídio (o perímetro dos cães consiste na quadra anterior, perto do ponto onde costumo pegar o ônibus todas as manhãs), havia uma fogueira enorme iluminando a lateral de fora da construção, e pelo amor de Deus, o cheiro...
Aquela merda era uma pira funerária do tamanho de um quintal, com provavelmente algumas centenas de sacos pretos, com cadáveres queimando.
Gente morta virando cinzas a céu aberto...
Acho que subestimei os militares. Eles devem saber bem com o que estão lidando.
Afinal de contas, ninguém normal queimaria os corpos se não acreditasse em pelo menos uma ínfima possibilidade de eles retornarem...
Não há tiros hoje, mas não parece que os militares deram cabo de todos os detentos na noite passada..
Enfim... Ao menos parece que o problema imediato, ou pelo menos parte dele, diminuiu de proporção.
Agora vamos ao que importa sobre o dia de hoje...
Alguém está bem a par das coisas que andam acontecendo por aqui... E não só nos arredores, mas mais precisamente COMIGO!
Mais cedo, um amigo que vive no meio dos blogs e coisas parecidas veio até mim pelas redes sociais, com um link que levava a um blog chamado Hitting The Fan (Batendo no ventilador, expressão que uso bastante). Esse blog parece ter sido criado muito recentemente, porque só possui uma entrada.
Um log militar, falando sobre uma tal iniciativa "Monstro guia", relatando partes de algumas das minhas "aventuras" dos últimos dias.
Dá medo saber que alguém que eu não tenho a mínima ideia de quem seja esteja tão perto assim.
O filho da mãe presenciou até a coisa toda com os cães ontem. E ele sabe que eu ouvi a conversa entre o soldado e o policial ontem...
Espero que não seja inimigo.
Não precisa nem ser amigo. Seja lá quem for... Só se mantenha longe.
Não sou um militar, mas devido aos dias atuais, não vou hesitar em me defender caso algo aconteça...
Esse seja-lá-quem-for pertence a uma organização, agência, ou o que o valha, chamada O.N.A.S.H.A. A qual eu procurei mais cedo no Google, mas não achei nada sobre...
O que me fez ficar mais receoso ainda...
Não vi nada nos noticiários sobre o que quer que tenha acontecido ontem na Av. Rui Barbosa, o que significa que pode não ter sido lá grande coisa.
Ou podem estar ocultando alguma coisa, mas vamos trabalhar com a hipótese menos assustadora, então não vou me preocupar tão já com isso.
É hora de dormir e eu tenho muito que fazer amanhã.
Muita merda já bateu no ventilador hoje...