Capítulo 9 09. Mudança

06/10/2015 – Day 22

Não sei o motivo, mas só no último treino eu havia me dado conta que não havia falado nada sobre o que estava acontecendo com nenhum dos meus amigos...

Ou pelo menos não tanto quanto era realmente necessário.

É uma verdade que não temos nenhuma força dentre eles contra os militares, nem contra nada que eles pudessem estar fazendo ou planejando, e eu espero do fundo da minha alma não ter que lutar nenhuma guerra que possa estar por vir, pois não dá para se preocupar em sobreviver se você for obrigado a não se importar em morrer enquanto estiver defendendo seu país de sabe-se lá quem ou o que...

O que importa, é que agora estamos tendo mais contato, provavelmente por eu não ter que me afastar tanto do círculo atualmente.

Ana está a salvo, indo para as aulas e voltando para minha casa, meus amigos estão juntando tudo o que podem, e logo vamos conseguir um lugar seguro para podermos nos abrigar quando tudo começar a ficar realmente sério...

E eu ainda estou seguindo o cronograma de rotina.

Trabalho, casa, casa, trabalho, treino e sair com Ana nos fins de semana, ou ao menos tanto quanto possível, e tudo se repetindo quando a semana começa outra vez.

O exército está fazendo movimentos mais ousados ultimamente, levando todos os doentes para algum lugar afastado, e mantendo os não imunes sob vigilância constante. Eu não sabia que o exército brasileiro tinha tanta autonomia para conduzir tudo isso.

Faz uma semana que eu não ouço uma palavra do ministério da saúde e nem da própria presidente.

Tudo está ficando tão mais obscuro que antes...

Nem o hoje é tão mais claro quanto já foi.

E o cheiro de gente morta está chegando mais perto e ficando mais forte...

08/10/2015 – Day 24 (E o que houve pra não haver o 23)

Se alguém diz pra não sair de casa, geralmente você segue o conselho...

Tudo começou ontem de manhã, quando Ana disse que não estava com vontade de ir para a aula, então fiquei em casa cuidando dela, até a hora de ir trabalhar, mas ela não queria que eu fosse.

Adivinha, tive que ir. É trabalho, querendo ou não, é aquela parte retardada de mim que ainda quer se agarrar aos últimos dias ou meses ou até mesmo minutos daquela vida normal que eu tinha... Então eu fui.

E foi aí que tudo deu errado...

As emissoras de TV não estão mais funcionando de forma autônoma e o estado está muito provavelmente passando por um golpe militar, isso só pra começar a história. Eu odeio não saber o que está acontecendo do lado de fora dessa minha esfera, porque parece que eles enfiaram no nosso rabo uma lei marcial, enquanto dormíamos, pois eu não estava sabendo de porcaria nenhuma, e quase enfiaram uma bala na minha cabeça (de novo) quando eu estava indo passar pela cerca de segurança, sair do bairro e ir trabalhar...

Tive que apresentar minha identificação e a marca no pulso, tatuagem que confirma minha imunidade, além de passar por mais uma bateria de exames (que deveriam ter acabado desde que fui marcado como imune), uns tapas na cara e um aviso de que se eu fosse pego saindo de casa novamente sem autorização, eu ganharia muito mais do que aqueles tapinhas.

Claro, aquilo me deixou absurdamente puto. Mas pelo menos foi uma última chance...

Traduzindo, último dia de emprego, e última chance de aproveitar a normalidade...

Mas é a minha vida...

Ela não é, nunca foi e provavelmente nunca será normal...

Quando o ônibus deixou São José dos Pinhais e entrou na Curitiba propriamente dita, passando pelo Jardim Botânico, foi como se a cidade toda tivesse passado por uma transformação, da noite para o dia, literalmente.

Havia colunas de fumaça subindo em diversas partes da cidade, o trânsito estava pior do que jamais foi, e haviam gangues saqueando tudo.

Naquele mesmo momento eu entendi o que o exército quis com aquela lei marcial sendo decretada.

Seja lá como os militares estivessem fazendo aquilo, eles estavam mantendo a ordem para que talvez pudéssemos aproveitar um algo mais de segurança, mesmo que não fosse durar muito.

O sinal de celular também estava horrível, mas ao menos estava bom o suficiente para mandar uma mensagem de texto para Ana, dizendo que estava tudo bem (na medida do possível), e que não se preocupasse.

Era uma mentira bem intencionada, mas ainda assim, uma mentira.

E as consequências dela só poderiam ser carregadas, se eu permanecesse vivo dali por diante.

Desci do ônibus aonde ele havia parado por causa do trânsito, que parecia não querer aliviar tão cedo (tão cedo, significando nos próximos dias), e segui na direção do centro, me esgueirando atrás de carros e evitando as pessoas o melhor que pude.

Tinha que conseguir entrar em contato com meus amigos o mais rápido que pudesse. Era hora de botar o plano em ação...

09/10/2015 – Day 25 (Day 24 pt2)

Vendo como tudo mudou de um dia para o outro em Curitiba, parte de mim se perguntou se quando os guardas da cerca de segurança, quando me deixaram sair, fizeram alguma aposta sobre quanto tempo eu ia durar aqui fora...

Pois é... Andando cada metro daquele caos tentando me manter oculto do maior número de pessoas possível, eu pensava a mesma coisa. E eu ainda estava atrás do colégio Hildebrando Araújo...

A merda do caminho já estava impossível...

Mas de algum jeito, consegui me ver livre daquela zona de guerra e atravessar todo o caminho até chegar em um atalho que poucas pessoas tinham coragem de usar...

O viaduto Capanema.

Veja bem, é fácil pegar os atalhos de Curitiba, e é quase como se você usasse algum sistema de dobra espacial, onde o espaço se curva ao seu favor fazendo a distância entre um ponto e outro diminuírem.

Mas a parte complicada disso, é que certos atalhos são ridiculamente perigosos, e não somente por causa de pessoas.

Eu já morei na rua, isso me deu um bocado de malícia para saber passar por certos lugares e situações, mas o que tem embaixo daquele lugar...

É como se antes mesmo de zumbis existirem, eles já habitassem aquele canto escuro da cidade...

Só esperando um deslize seu, para que todos pudessem avançar sobre você como se fossem um só...

Como se você fosse uma presa fácil...

Mas eu não era uma presa fácil, e mesmo que meus nervos estivessem à flor da pele, não podia deixar a atmosfera do lugar me abalar.

Então eu segui pé-ante-pé por aquele reduto de drogados, passo atrás de passo, olhando para todos os lados e rezando para que ninguém me ouvisse.

O que era ridículo, porém real, pois não havia ninguém ali.

Nenhuma viva alma, a não ser eu, meus pensamentos, e uma pistola Glock que parecia ter sido perdida por alguém ali.

Peguei-a com a mão esquerda, exatamente quando ouvi um click de uma arma semelhante atrás de mim, e com todos os meus instintos gritando de uma vez, girei o mais rápido que pude e bati com o pulso na mão que segurava a pistola que apontava para mim. Apontei a pistola que encontrei no mesmo instante para o rosto de...

A garota na minha frente com certeza nunca atirou em alguém, e definitivamente ficou tão surpresa por ter me encontrado exatamente ali quanto eu fiquei por tê-la encontrado.

Mas graças aos deuses eu tenho amigos inteligentes, pois ela não soltou um som que fosse enquanto eu baixava minha arma e pegava-a pela mão para que me seguisse.

Nunca na minha vida fiquei tão feliz de encontrar Jenny, minha uma das minhas melhores amigas, a quem praticamente tenho como filha.

E também fiquei feliz por saber que ela ao menos havia conseguido encontrar uma arma. Então saímos dali, para finalmente podermos conversar, no que ela tomou a liderança do caminho e me trouxe para cá...

Estamos no centro agora, em um dos prédios perto do shopping Mueller, e eu estou esperando que ela traga o resto do grupo do qual me falou. Tenho certeza que é o pessoal do swordplay, mas não entendo o porquê de ela fazer tanto mistério.

Pelo menos agora as coisas estão clareando aos poucos, mesmo com tanta fumaça por aí. E eu ainda tenho que dar um jeito de avisar Ana que estou indo buscá-la logo.

Mas ainda assim, obrigado deuses por meus amigos inteligentes...

            
            

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