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ALEX WILSON
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2024
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- E se hoje falarmos sobre quando nos conhecemos, senhor Jhonnes? - apertei o botão da minha caneta, olhando para o homem e abrindo meu caderno.
Ele olhou para cima, como se tentasse se lembrar dos acontecimentos de um mês atrás.
- Na sala de treinamentos? - ele questionou, como se não soubesse bem do que eu estava falando naquele momento.
- Exatamente. - peguei meu caderno e ele me olhou, semisserando os olhos.
- O que vai anotar? - cruzou seus braços.
- Palavras. - sorri ao ver o homem revirar os olhos de tédio. - Isso eu sei, mas o que vai ser?
- Apenas o que for necessário. - comecei a anotar alguns dados importantes sobre a seção de hoje.
- Já está escrevendo alguma coisa sobre mim? - ele voltou a serrar os olhos.
- Talvez, Agente Jhonnes.
- Talvez? - soltou uma risadinha nervosa, enquanto eu me divertia com sua curiosidade.
- Está incomodado com meu caderno, senhor Jhonnes? - questionei irônica, esperando sua resposta, e ele relaxou seus ombros.
- Mas é claro que não. - jogou seu corpo para trás, se encostando na poltrona.
Com sua resposta, direcionei meu interesse para o caderno, riscando-o com a caneta e depois dando uma leve olhada para Carter, que parecia ainda bastante curioso e nervoso sobre o conteúdo do caderno.
Soltei uma pequena risada.
- Sabe, - ele disse com uma voz de revolta. - Isso é passivo agressivo! - acusou, enquanto eu ainda estava me divertindo sobre aquele assunto.
- Não estou fazendo nada de mais, Carter.
- Está anotando coisas sem nem mesmo termos começado a consulta. - acusou.
- Mas é claro que começamos! - falei o óbvio e ele estranhou. - a partir do momento em que você entra por aquela porta, nossa consulta começa, Agente Jhonnes. E a nossa já começou faz um tempo.
- Do que quer falar, Doutora? - ele me direcionou o olhar. Imaginei o quão estranha nossas consultas deveriam estar sendo no ponto de vista dele, já que eu sempre preferia me sentar no tapete do que na poltrona destinada a mim.
Tentei preparar minhas palavras, não querendo deixar o homem tão desconfortável.
- Quando nos vimos pela primeira vez... - comecei, mas logo fui interrompida por uma risada zombateira vinda do meu paciente.
- Na verdade, não nos vimos, não é? - acusou, enquanto estreitou seus olhos verdes. - estava com aquelas coisas nos olhos, - ele gesticulou, passando a palma de sua mão aberta a poucos centímetros do próprio rosto, gesticulando como se mostrasse onde a bandana estava presa em meus olhos. - qual era mesmo o nome? - tentou se lembrar, mas logo fui responder.
- Vendas. - expliquei, ele concordou, como se q palavra estivesse já na ponta de sua língua.
- Vendas. - repetiu. - Aliás, por que estava com aquela coisa? - foi curioso, mas logo notei onde ele queria chegar e porque estava fazendo aquelas perguntas.
- Estou em treinamento. - falei logo, mas querendo fugir daquele assunto.
- Mas já não era uma agente? - juntou suas sobrancelhas, muito interessado com minha vida pessoal.
Dei graças a Deus por ele não ter lido minha ficha e também por lembrar que a tal ficha era quase que toda censurada. Gostava de meus segredos bem guardados, principalmente de Carter, que poderia encarar como um insulto se soubesse a verdade sobre mim.
- Tive que me afastar por um tempo. - encarei as lindas em branco de meu caderno, batendo a caneta sobre a página por diversas vezes.
- Licença a maternidade? - meus olhos se arregalaram com suas palavras e joguei minha cabeça para trás, gargalhando um pouco e recebendo um olhar estranho.
- Acredite, senhor Jhonnes, eu fosse mãe, todos da nossa equipe seriam os primeiros a saberem. - justifiquei, achando graça da suposição que ele havia feito naquele momento.
- Então o que foi? - parecia mais interessado em minha saída da SMI do que na consulta que teríamos hoje.
- Problemas pessoais, Carter.
- Não é justamente sobre isso que tratamos nessa sala? Sobre problemas pessoais? - okay, ele havia me pegado dessa vez, mas suas gracinhas eram bastantes incômodas. - Me conte tudo, Doutora. - juntou suas mãos, entrelaçando seus dedos uns nos outros e me olhando, como se ele fosse o terapeuta presente naquela sala.
Ele queria fugir de meus questionamentos a todo custo, e eu queria fugir de sua curiosidade excessiva e iria conseguir.
- Dos seus problemas pessoais, senhor Jhonnes, dos seus problemas! - retruquei, apontando minha caneta para ele.
- Você não havia especificado! - me acusou.
- Carter, não sou eu quem preciso de acompanhamento psicológico, sou? - levantei minha sobrancelha, arqueando-a como se desafiasse o homem.
- Está me deixando ofendido. - vi que seu tom não era sério, e que ele estava sendo irônico novamente, mas aquilo não me irritava, apenas me mostrava que Carter não gostava daquele tipo de dinâmica em nossas consultas e que se sentia tão incomodado, a ponto de me bombardear com questionamentos incabíveis, ao invés de prestar atenção nas minhas perguntas e responder todas elas. Ele odiava falar sobre si mesmo e eu havia entendido isso, mas mesmo assim, não poderia deixar o homem apenas em sua zona de conforto, ele tinha que entender que não era assim que a terapia funcionava.
- Está divagando novamente, senhor Jhonnes. - acusei o homem, ele já havia enrolado muito em nossa conversa, falando de mais e nada do que eu realmente queria que ele me respondesse, gastando o tempo da nossa consulta com papo furado.
- Divagando? - me olhou confuso, apertando seus lábios uns nos outro, fazendo uma careta e olhando para cima. - O que seria divagar, Doutora? - me encarou novamente, como se fosse um idiota ignorante que não soubesse de nada, mas ele era inteligente, apenas com um senso de humor peculiar.
- Bom, você sabe... - deu de ombros e eu fui tentar explicar algo que sabia que ele tinha conhecimento. - Acredito que a definição de divagação seja a ação de de afastar de um determinado assunto. - juntei minhas mãos uma na outra.
- Está me acusando de estar fugindo do assunto? - juntou as sobrancelhas, fingindo estar ofendido e jogando um pouco de seu corpo para frente, como se não soubesse do que eu estava falando. Ele era cínico e seu deboche era notável a quilômetros de distância.
- E você está. - dessa vez, fui realmente direita e o acusei de verdade. - você é cínico também.
- Não estou fugindo de nada, e nem mesmo sou um cínico! - cruzou os braços.
- Está enrolando suas palavras e não me deixando prosseguir com o atendimento, Carter. Está fugindo sim do nosso assunto.
- Papo para boi dormir, então?
Abaixei as sobrancelhas, juntando-as e estranhando o que o homem havia dito. Nem mesmo fazia sentido aquelas palavras saírem de sua boca.
- Não faço ideia do que esteja falando, senhor Jhonnes.
- Ah, claro que não. Me desculpa. Eu estava falando que, você acha eu estou falando um monte de besteiras, apenas para não responder algo que quer perguntar.
- E é exatamente isso que está fazendo. - forcei um sorriso.
Ele concordou com a cabeça, cruzando suas pernas de forma confortável, esperando por algo, como se eu já pudesse questionar, mas foi mais rápido e voltou a falar.
- Você nem mesmo me fez um questionamento sobre aquele dia, não específicou o que queria comigo. - me acusou novamente. - Eu sou um senhor de idade, Doutora, tem que ser direta comigo, e você não foi. Sendo assim, sua acusação me parece ser um pouco injusta, não acha?
- Usar sua idade avançada comigo não é uma coisa legal, sabe disso. - cruzei meus braços, já um pouco insatisfeita com nossa consulta.
Abri a boca e fechei algumas vezes, pronta para acabar com aquilo.
- Tudo bem então, Doutora. Pode me perguntar sobre o que quer saber. - novamente, Carter tomou a palavra.
- Não vai fugir da pergunta, vai? - ele negou, me fazendo pensar se estava mesmo falando a verdade e sendo sincero. Provavelmente ele iria voltar a divagar, mas eu tenho paciência e aguentaria aquilo. E novamente, dei uma pausa antes de voltar a falar, com receio de que o homem ficasse incomodado, mas uma hora eu teria que perguntar sobre isso. - Pediu para que eu atirasse em sua cabeça. - comecei a falar e ele se endireitou na poltrona, mostrando sinais de que começaria a ficar inquieto- Por que disse aquilo? - perguntei confiante.
- Por quê sabia que mesmo se você atirasse, tinha certeza de que não me causaria mal algum. - suspirou como se achasse aquele tipo de atitude a coisa mais comum do mundo, dando evidências de que ele não tinha mesmo amor a sua própria vida.
- E se você se machucasse seriamente? - Me levantei do chão, sabia que aquela conversa iria ser séria, e me sentei na poltrona que era confortável de mais para o meu gosto.
- Eu não iria. - falou ríspido.
- Não pode ter tanta certeza disso.
- Claro que eu posso, Doutora, eu sou a droga de uma criação Gênesis. - parecia começar a se alterar.
- Mas e se levasse mesmo um tiro? - ignorei sua fala.
- Não aconteceria, Doutora. - passou a mão em seu rosto, demostrando impaciência. - A arma não estava carregada. - suas desculpas só aumentavam.
- Ela estava, Carter. Eu havia a carregado. - mesmo que eu tivesse gastado praticamente todas as balas da arma durante aquele treinamento, sabia que quando ele chegou, aquela arma ainda estava carregada.
- Eu não sabia. - mentiu, engolindo a seco. Claro que ele sabia, ele mesmo havia desmontado a arma, daria para saber se estava carregada apenas pelo peso dela. - Mesmo assim, não iria me ferir. - expressou convicto de suas palavras.
- Mas imagine que sim. - pedi novamente, mas dava para ver que sua paciência diminuía ainda mais, e que já estava louco para sair daquela sala.
Seus pés estavam virados em direção a porta, e uma hora ou outra ele desviava seu olhar para a maçaneta, como se se imaginasse girando a peça de metal e indo embora daquele lugar que estava o deixando sem paciência e encurralado. Ele sabia que uma hora algo como isso iria acontecer, mas parecia não ter certeza de quando, e nem mesmo sabia como lidaria com tal situação quando a hora chegasse.
- Não consigo. - falou seco, ele parecia minimizar suas palavras, eu sabia que a essa altura, Carter estava com raiva, estava bravo e insatisfeito com minhas investidas, mas ele não parecia saber que tudo o que eu fazia era para o seu bem, para te ajudar a poder viver uma boa vida. Uma vida livre de amarras do passado. Livre de tudo aquilo que o impedia de ser feliz e viver uma vida.
- Não tem imaginação? - aquela pergunta, parecia ter sido o estopim para que ele demonstrasse ainda mais insatisfação. Seu rosto estava vermelho, e uma veia de sua testa parecia saltar. Mas não parei, eu, Alexandra Wilson Evans, não tinha medo de Carter Gray Jhonnes e nem mesmo iria abaixar a cabeça só por ter o deixando com raiva. Esse era meu trabalho, ajudar a se adaptar ao mundo em que vivemos.
Ele suspirou impaciente.
- É só fechar os olhos e... - Arrisquei, continuando no meu lugar, vendo o homem quase virar um Hulk e me atacar.
- Eu não quero fechar a droga dos meus olhos! - se alterou, levantando-se da poltrona e praticamente pulando para cima de mim. - Se eu fechar os meus olhos, tudo o que verei são flashbacks de pesadelos e uma vida que não terei mais, minha vida foi roubada, Alexandra, acha mesmo que eu não estou almejando pela minha morte? Depois que a Gênesis me levou, eu não recebi nenhum motivo para continuar vivo. Sou atormentado constantemente por pensamentos dolorosos, me fazendo imaginar como minha vida teria sido sem tudo isso me prendendo a uma vida medíocre. E é só isso, Doutora... Só isso que eu vejo quando meus olhos de fecham. - Ele gritava cada vez mais.
Não sei se Carter não estava vendo ou apenas ignorando uma luz vermelha e silenciosa que brilhava por toda a sala, era um sensor que Gregory havia instalado ao preparar a sala para mim. Ele sabia que seria perigoso atender um homem instável como Carter, e aquela era o gatilho que avisaria a todos se ele se alterasse de uma forma mais perigosa e se pudesse colocar minha vida em risco.
- E não! Não tem como eu imaginar você me dando o tiro, Alex, - ele prosseguiu com sua fala, mostrando sua revolta. - por quê isso não iria me ferir, e sabe o porquê? Por quê nas minhas veias correm uma maldita maldição. - Ele continuou gritando bem próximo de meu rosto, poucos centímetros nos afastava. - Eu tentei, sabia? - abaixou um pouco do tom de sua voz, como se percebesse só agora que estava alterado demais. Eu não me importei com sua alteração, sabia que ele precisava colocar para fora, de uma forma ou de outra, Carter teria que me falar o que se passa a em sua cabeça, e se gritar de raiva fosse a forma que ele havia achado melhor, por mim estava tudo bem. - Mas não consigo morrer nem mesmo com um simples tiro em minha cabeça. - saber do que ele estava falando, acabava me fazendo ficar cada vez mais triste e magoada por saber que ele estava passando por tanta coisa, a ponto de tentar se matar. - Não dá, Doutora. - voltou a gritar, mas eu vi uma lágrima cristalina cortar seu rosto, descendo pela sua bochecha, molhando sua pele. - Tentei mais de uma vez, acredite.
Não pude responder nada, já que minha porta foi bruscamente aberta por um homem, que só depois, fui perceber que era meu irmão, Mattew.
- Se afasta dela, agora! - ele estava com uma arma em mãos. Sim, essa era a forma mais irônica de sermos interrompidos. - Eu disse para ir pra trás!
Com as ordens de Matt, Carter começou a dar passos curtos, com suas mãos levantadas e mostrando que não iria se negar a fazer nada que Matthew mandasse naquele momento.
- Ele te machucou? - Ele questionou, e então me lembrei o porquê de ele estar ali, o alarme. Ele havia recebido o sinal do alarme.
- Não, está tudo bem, Matt. - forcei um sorriso. - Me desculpa por isso. - apontei para o teto, onde as luzes continuavam a piscar sem parar. - O Carter ele só precisava colocar algumas coisas para fora. - me aproximei do meu irmão, colocando a mão em seu pulso, fazendo com que o mesmo abaixasse a arma que segurava. - Podemos conversar depois sobre isso? - questionei, na esperança de que ele saísse logo da minha sala.
- Quer ficar aqui com ele? - não parecia entender minha situação. Mas eu concordei, mostrando que queria voltar a trabalhar em paz, e que ele não estava ajudando em nada ali naquela sala. - Se aquela coisa brilhar de novo - apontou com a arma para um dos sensores, que naquele momento, já havia parado de piscar loucamente e voltava ao normal com a iluminação da sala. - eu vou te tirar de perto dele nem que seja a força.
- Tudo bem, Agente Evans, eu já entendi o seu recado. - sorri novamente, empurrando o homem porta a fora e logo girando a maçaneta para fecha-la.
- Ele não gosta de mim. - Carter disse, já mais calmo com tudo aquilo. Ele não estava mais tão vermelho, e parecia mais tranquilo, já sentado novamente em sua poltrona. - Tudo bem, nem eu mesmo gosto de mim. - deu de ombros.
Dessa vez, quem deu um suspiro fui eu, já cansada de toda aquela bagunça que rodeava.
- Podemos voltar com a nossa consulta, senhor Jhonnes? - aposto que ele poderia notar o peso de minhas palavras. Eu estava preocupada e já inquieta com tudo.
- Se você quiser. - ele apontou para o chão, onde eu costumava me sentar, como se fosse um convite para que eu fosse para o meu lugar, mas para sua surpresa, me virei e fui novamente em direção a poltrona de couro, que ficava bem em frente a sua.
- Preciso que colabore. - ele concordou com a cabeça.
Peguei novamente meu caderno, abrindo e novamente fitando as linhas pretas que repartiam os espaços em branco. Olhei novamente para o homem, pensando nas palavras que ele havia me dito a alguns minutos atrás.
- Tentou tirar sua própria vida, senhor Jhonnes? - questionei o obvio, esperando que ele já soubesse que aquela pergunta viria mais cedo ou mais tarde, a tensão em seus ombros, mostrava que ele esperava que esse questionamento viesse somente mais tarde.
- Não. - Ele demorou alguns segundos para me responder com uma mentira.
- Acho que não entendeu a gravidade de tudo isso, senhor Jhonnes, então farei novamente a minha pergunta. - suspirei cansada, pegando minha caneta. - Por acaso o senhor já tentou alguma, ou algumas vezes, tirar a sua própria vida, senhor Jhonnes? - já estava pronta para sua negação.
- Eu nunca faria isso. - foi novamente cínico, mentindo descaradamente.
- Não foi o que disse. Acabou de dizer que havia tentado atirar em si mesmo e tentado se matar, Carter, e que tentou mais de uma vez. - avisei, com uma voz calma e que fosse bastante distante de um tom de acusação.
Não iria questionar o porque de ele já ter feito aquilo, sabia que ele odiava tudo nele e o que havia feito o homem se transformar no que ele é hoje. Ele não queria ser um soldado genericamente modificado. Ele queria apenas ser o sargento Jhonnes, o homem que ainda teria toda uma vida caso sobrevivesse a guerra. Mas para ele, estar ali em minha frente não significava que ele havia sobrevivido, e sim que ele estava cada vez se sentindo mais morto e vazio. Ele não aguentava e não suportava pensar que estava ali com seus olhos abertos e respirando um ar que não era de sua época. Não pertencia a aquele lugar, e sabia exatamente disso. Nem mesmo tentava ignorar as circunstâncias do que havia mantido seu corpo saudável e impecável durante todos esse anos.
- Não disse. - voltou a negar.
- Então retira sua fala? - questionei, fazendo uma de minhas anotações e recebendo um certo olhar de Carter. Ele não gosta de se abrir, não gosta de estar vivo, não gosta de si mesmo e nem mesmo gosta que eu escreva sobre isso em um pedaço inofensivo de papel.
- Não tem como eu retirar algo que eu não disse, Doutora. - a forma que em que ele usava para se expressar, fazia com que suas palavras saíssem tão naturalmente que parecia até mesmo que todo era verdade. Carter tentava transformar toda a fanfic criada em sua cabeça, em uma história real e cabível, mesmo sabendo que aquilo estava longe de ajudar com sua recuperação. Pelo contrário, apenas piorava tudo.
- Negação é um dos estágios do luto. - afirmei, sem tirar os olhos de meu caderno.
- Só é negação quando você está errado.
- E acha que está certo, senhor Jhonnes? - esperei sua resposta, já sabendo que sua regra era: Negue, negue, negue!
- Não acho que estou errado, então acho que já é alguma coisa. - e fez o que eu já esperava, seguindo fielmente com seu estágio de negação.
- Claro que é alguma coisa... Alguma coisa bastante preocupante. - fixei meu olhar no homem.
- Todos tem direito a ter sua própria opinião. - ele afirmou e eu soltei uma risada baixa, breve e revoltada.
- Isso tudo que eu disse não são opiniões, são fatos! - exclamei, tentando mostrar o óbvio.
- E isso aí é a sua opinião! - ele rebateu, e eu já estava sentindo uma pequena dor se formar em minha cabeça.
- Admiro sua bipolaridade. - cruzei minhas pernas e ele me olhou surpreso pela minha fala. - Outra de suas válvula de escape, imagino. A primeira é com certeza a negação. Mas não sabia que infantilidade também iria fazer... Ou melhor, fazia parte de sua lista extensa de argumentação, Carter.
- Do que está falando, Doutora? - ele estreitou os olhos, confuso com minhas acusações. - Não somos mais crianças a muito tempo.
- Claro que não somos, homem, você tem cento e dois anos. Quase que um fosseo, mas mesmo assim, tem uma fala bastante infantil, e foge de perguntas sérias usando argumentos irônicos.
- Onde quer chegar, Doutora? - ele estava confuso, mas eu realmente não queria chegar a lugar nenhum, e estava mostrando a ele que todas essas voltas sem sentido que ele tentava dar em nossa conversa, não nos levaria a lugar algum.
Era chato, massante e eu já estava me questionando sobre o porque de eu ter escolhido a psicologia como carreira. Não era possível que anos de estudo me faria vir parar em frente a um homem que uma hora queria fazer de tudo para ser curado, e na outra se recusava a falar duas palavras que eu pedisse. Era como um gato e um rato. Eu era o gato, que tentava incansavelmente alcançar o bendito rato, mas não obtia sucesso, e Carter, era o rato, mais esperto e traiçoeiro, quase que inalcançável. Era cansativa toda essa desculpa entre o Tom e Jerry, e mesmo com todos os meus esforços, estava cada vez mais difícil conseguir tirar algo realmente relevante de Carter.
- Você está se sentindo bem, senhor Jhonnes? - questionei, depois de longos dois minutos em silêncio, apenas encarando Carter.
- Estou. - ele balançou sua cabeça positivamente, e também relaxou seus ombros, querendo realmente passar a imagem de alguém que não estava surtando por dentro.
Fechei meu caderno, fazendo um barulho quando as folhas se chocavam umas com as outras de forma bruta e desajeitada. Descruzei minas pernas, juntei meus cabelos, prendendo-os com uma caneta e me levantei de meu acento, procurando meus sapatos que estavam ao lado da poltrona. Sim, eu também tirava meus sapatos quando iria para minhas consultas com Carter, era a forma em que eu me sentia confortável, e em um ambiente onde se trabalha com a mente, deixar seu corpo livre de qualquer coisa que te prenda ou te deixe desconfortável, é algo que ajudará bastante. E eu gostava de me sentir o mais confortável possível dentro daquela sala, para passar a imagem de conforto e confiança também para o meu paciente, para que ele se sentisse seguro e disposto a se abrir comigo. Mas aquilo não parecia funcionar muito bem com Carter, já que o homem sempre fazia o oposto do que eu queria que fizesse.
- Então não sei o que faz aqui. - dei um suspiro, mostrando dessa vez, que eu estava cansada de nossa consulta e de tanta divagação.
- Como disse? - se inclinou para frente, fazendo uma cara confusa e desentendida. Estava surpreso, sendo que eu estava fazendo exatamente o que ele queria desde que entrou naquela sala: deixando-o livre da consulta maçante e que estava sendo desconfortável para nós dois.
- Isso mesmo que você ouviu. - direcionei meu olhar para ele, mas logo desviei, voltando para a minha mesa no canto da sala e abrindo a gaveta que eu guardava o caderno que ele odiava tanto. - Por que desperdiça meu tempo, Carter? - empurrei a gaveta com total falta de delicadeza, apenas mostrando que não estava nem um pouco satisfeita com a forma em que ele levava a nossa consulta.
- Eu não... - tentou falar, mas ele mesmo se interrompeu, sem ter argumentos o suficiente para se defender de minha acusação.
- Eu não deveria nem mesmo estar aqui, sabia? - andei até próxima dele, dessa vez, me encostando na porta e cruzando meus braços. - Mas eu implorei, quase lambi os pés do diretor da SMI, apenas para me juntar a vocês, sabia? Eu queria fazer parte de algo importante, Carter, e considerei você alguém muito importante. Fiquei anos fora da ação, e quando descobri que mandariam você para cá, fiz de tudo para mostrar que eu era a pessoa certa para estar aqui nesse prédio. Apenas para me comprometer ao seu treinamento e tratamento. Não quero pensar que estou sendo inútil aqui nesse lugar, senhor Jhonnes. Tenho comprometimento, senhor, e esperava que também tivesse o mesmo compromisso com o seu tratamento, pois é você quem mais precisa de ajuda aqui.
- Não queria te ofender. - ele olhou para baixo, fitando seus pés.
- Mas ofendeu. - me distanciei um pouco da porta, abrindo-a e já pronta para sair.
- O que está fazendo? - questionou sem entender.
- Indo embora. - Falei o óbvio.
- Mas e a nossa consulta? - sua falta de noção, me fez quase dar uma risada.
- Acabou por aqui, eu presumo. - fui ríspida, mas não me arrependo.
- Alexandra... - percebeu minha indignação.
- O que aconteceu com o "Doutora"? - estranhei ele usando meu nome de forma normal.
- Doutora, eu sei que não estou sendo um bom paciente, mas podemos conversar sobre isso?
- Não vamos conversar. Eu tentei e você não quis. Nosso tempo acabou e eu fracassei mais uma vez. - digo olhando no relógio - Nós dois fracassamos, Carter.