Enquanto o silêncio da casa se rompia com cada passo hesitante que ele dava em direção ao corredor, eu me mantinha firme na cozinha, minha expressão se endurecendo com cada segundo que passava. Não toleraria suas escapadas noturnas enquanto ele reclamava dos meus passeios. Ele era um homem mimado, egoísta, que achava que o mundo girava em torno de seus desejos.
Finalmente, ele entrou na cozinha, seus olhos cansados encontrando os meus olhos fuzilantes.
- Oh, você ainda está acordada? - ele perguntou, como se eu fosse a errada por estar ali, no meio da madrugada, confrontando-o. Eu podia sentir a raiva borbulhando dentro de mim, porém, eu não ia deixar isso transparecer tão facilmente.
- Claro, Miriam. - respondi friamente, fazendo questão de enfatizar meu nome. - Porque é isso que pessoas casadas fazem, certo? Esperam maridos cafajestes chegarem de suas noitadas. - Cruzei os braços, esperando por uma explicação que eu sabia que ele não daria voluntariamente.
Ele suspirou, passando a mão pelo cabelo desalinhado.
- Miriam, não começa com isso agora. Eu estava apenas passando um tempo com um amigo. Não vejo por que você está tão chateada.
Um riso amargo escapou dos meus lábios.
- Ah, então é assim? Você pode passar o tempo com seu amigo até altas horas da noite, mas quando eu quero dar um passeio pela cidade, você faz um escândalo? Interessante como a sua lógica funciona, não é?
Ele revirou os olhos, claramente impaciente.
- Você está exagerando. Não é a mesma coisa.
Minha paciência estava se esgotando rapidamente.
- Ah, claro, não é a mesma coisa. Porque você é um homem e pode fazer o que bem entender, enquanto sou apenas sua esposa, não é? Você pode sair por aí, agir como um solteiro, contudo, quando se trata de mim, devo me contentar em ficar em casa, não é mesmo?
Ele parecia irritado agora.
- Você está distorcendo tudo. Isso não tem nada a ver com ser um homem. Você simplesmente não entende.
- Não entendo? - eu praticamente rosnei. - E o que exatamente eu não entendo? O fato de que você pode ser egoísta e hipócrita ao mesmo tempo? Ou talvez eu não entenda como é ser constantemente desrespeitada e tratada como se minha opinião não valesse nada?
Ele suspirou novamente, desta vez não havia um traço de condescendência em seu olhar.
- Olha, eu sei que não sou perfeito, porém, você também não é. Você vive implicando comigo, reclamando por coisas pequenas.
Minhas mãos estavam tremendo de raiva, entretanto, eu me recusei a deixar as lágrimas caírem.
- E você acha que isso te dá o direito de agir como se fosse solteiro? De voltar para casa no meio da noite e achar que tudo está bem? Você nem mesmo se desculpou pela discussão de mais cedo.
Ele me encarou por um momento, suas feições conflituosas.
- Eu sei que errei. Me desculpe, Miriam.
Maldito seja o dia em que meu irmão Levy tramou esta maldição que me levou ao abismo do casamento com Arlo. Não havia amor, não havia paixão, apenas um pacto frio e indiferente que amarrava nossas vidas de forma tortuosa. Meus passos eram carregados de um fardo invisível, a presença de Arlo era como um veneno no ar que eu tinha que respirar.
O encarei com olhos afiados, minha repulsa quase palpável. Ele levantou um canto dos lábios em um sorriso condescendente, como se estivesse ciente de que era o senhor do jogo. A ira dentro de mim cresceu, alimentada por cada insulto não dito.
- Arlo. - rosnei seu nome, minha voz um sussurro cortante que parecia ecoar pelo ambiente. - A partir de agora, você terá que andar na linha se quiser evitar o fogo que está prestes a consumir nossa frágil aliança. Seu pedido de desculpas não me pareceu sincero.
Seus olhos escuros me encararam, uma mistura de surpresa e desdém.
- Miriam, o que pretende com ameaças vazias de uma mulher que mal sabe como se manter de pé?
Minhas mãos cerraram-se em punhos, minhas unhas cravando-se em minhas palmas enquanto eu lutava para manter a compostura. Ele estava tentando me enlouquecer, testando os limites da minha paciência. Eu não podia deixar que ele visse como suas palavras cortavam profundamente.
- Você pode subestimar minha força, Arlo, mas não subestime minha determinação. - retruquei com frieza. - Eu não sou uma ingênua que pode ser manipulada ao seu bel-prazer. Este casamento pode ter sido forçado, no entanto, isso não significa que eu seja sua prisioneira.
Ele deu um passo em minha direção, sua altura imponente fazendo-me recuar instintivamente.
- Acha mesmo que suas palavras vão mudar alguma coisa? Somos peças de um jogo maior, jogadas em um tabuleiro que não controlamos.
Minha respiração estava pesada, meus sentimentos conflituosos agitando-se dentro de mim como uma tempestade.
- Você pode acreditar no que quiser, Arlo, contudo, saiba que a coragem não reside apenas na força física, mas na mente resiliente que se recusa a se curvar.
Seu sorriso se alargou, uma expressão cínica que me fez querer gritar de frustração.
- Mente resiliente, você diz? Vamos ver o quão resiliente é quando a realidade de nossa situação se tornar ainda mais evidente...
Ainda ecoava em meus ouvidos a ameaça disfarçada de desdém que Arlo proferira segundos antes. Eu estava parada ali, com minhas palavras ainda pairando no ar, quando a próxima reviravolta da noite me atingiu como um soco.
De repente, ele estava me puxando para perto de si, seus dedos agarrando meu braço com força. O choque me percorreu como um raio enquanto meu corpo se chocava contra o dele, e sua boca estava sobre a minha antes que eu pudesse sequer piscar.
A sensação dos lábios frios e indesejados de Arlo pressionados contra os meus fez meu estômago revirar de repulsa. Meus instintos gritaram para empurrá-lo para longe, para gritar, era uma mistura de surpresa e paralisia me mantiveram imóvel por um instante agonizante. Cada segundo que aquele beijo persistia era uma tortura, uma invasão repugnante dos meus limites.
Finalmente, com uma risada que me fez arrepiar, ele se afastou, o canto de sua boca curvando-se em um sorriso de triunfo. Meus lábios formigavam, não da forma que um beijo apaixonado deveria deixar, mas sim de uma forma que eu quis apagar imediatamente da minha memória.
- Veja só, Miriam. - ele zombou, seu tom condescendente me enchendo de raiva. - É interessante como você resiste.
Eu não pude evitar. Minha mão voou em direção ao seu peitoral e o soquei, a dor percorrendo minha mão como uma descarga elétrica. Mas era uma dor satisfatória, uma catarse para a fúria que fervilhava dentro de mim.
- Seu maldito! - gritei, minha voz embargada de raiva. - Você não tem o direito de me tocar dessa forma! Não importa o que você pense, eu nunca serei sua!
Ele arqueou uma sobrancelha, sua expressão desdenhosa permanecendo inalterada.
- Oh, realmente? E quem disse que preciso do seu consentimento? Lembre-se de que você é minha esposa, por mais relutante que possa ser.
Eu quis gritar, quis arrancar aquelas palavras de volta e devolvê-las a ele com o dobro de força. Porém, em vez disso, meus punhos se fecharam novamente, e minhas palavras saíram em um sussurro furioso.
- Sou sua esposa apenas no papel, Arlo. E não importa o que você faça, você nunca será capaz de controlar minha mente ou meu coração.
Sua risada me perfurou como uma agulha.
- Mente ou coração, Miriam? Você acha que tem algum poder sobre mim? Eu poderia tê-la a qualquer momento se quisesse.
As palavras me feriram como facas afiadas, e a repulsa que sentia por ele atingiu um nível insuportável. Antes que eu pudesse conter minha reação, meu punho voou novamente, desta vez acertando seu peitoral com força.
- Seu imbecil! Você é nojento!
O sorriso cínico em seu rosto desapareceu, substituído por uma expressão momentânea de surpresa e dor. Mas logo a máscara de indiferença voltou, e ele me encarou com olhos gélidos.
- Você nunca aprenderá, não é? Continue lutando, Miriam. Isso só torna as coisas mais interessantes.
Sem esperar por sua reação, me afastei dele com passos rápidos, meu corpo tremendo de raiva e nojo. Antes de entrar em meu quarto, eu me virei e cuspi em sua direção, a repugnância em cada gota que atingiu seu rosto.
- Sinto nojo de você, Arlo. Você não passa de um monstro disfarçado de homem.
A luta estava longe de terminar, mas cada confronto como esse apenas reforçava minha determinação em não me submeter às garras cruéis de um casamento que não tinha alma.