"Essa zé-ninguém achou que podia roubar o meu lugar", debochou Larissa. "O estágio que meu pai Alfa conseguiu para mim."
Meu mundo desmoronou. O Alfa era meu marido, Vicente - meu companheiro de alma por dez anos. Quando o contatei através do nosso elo sagrado, ele ignorou meu pânico com mentiras doces, mesmo enquanto eu via Larissa e suas amigas torturarem nossa filha por diversão.
A traição final veio quando sua amante, Íris, exibiu o Cartão da Companheira do Alfa - o "meu" cartão, que ele havia dado a ela. Ele chegou apenas para negar me conhecer na frente de todos, um pecado que estilhaçou nosso elo. Ele me chamou de invasora e ordenou que seus guerreiros me punissem. Enquanto eles me forçavam a ajoelhar e me espancavam com prata, ele apenas ficou ali, observando.
Mas todos eles me subestimaram. Eles não sabiam sobre o amuleto que eu dei à minha filha, ou o poder ancestral que ele continha. Quando o golpe final veio, sussurrei um nome em um canal oculto, invocando um juramento que minha família fez gerações atrás. Segundos depois, helicópteros militares sobrevoaram o prédio, e a Guarda do Alto Conselho invadiu a sala, curvando-se para mim.
"Luna Luísa", anunciou o comandante, "A Guarda do Alto Conselho está ao seu comando."
Capítulo 1
Ponto de Vista: Luísa
"Michele, eu consegui! Eu consegui mesmo! Eles me escolheram!"
A voz que ecoou em minha cabeça era pura, alegria sem filtros. Era o som da alma da minha filha, um canal privado que nos conectava através de quilômetros. Este era o nosso Elo Mental, um laço mais profundo que palavras, um presente da Deusa da Lua para uma mãe e sua filha.
Eu sorri, fechando os olhos enquanto me apoiava no vidro frio da janela do meu escritório. A cidade de São Paulo se estendia abaixo, uma tapeçaria de luzes cintilantes, mas tudo que eu conseguia ver era o rosto radiante de Michele.
"Eu sabia que você conseguiria, minha loba esperta. Estou tão orgulhosa de você."
"Eles disseram que minha proposta de integração juvenil interespécies foi a mais detalhada que já viram de um candidato a estágio. Eu vou para o Conselho Internacional de Seres Sobrenaturais! Dá para acreditar?"
Eu podia. Passei inúmeras noites ajudando-a a refinar aquela proposta, observando-a derramar seu coração em cada palavra. Ela era brilhante, determinada e muito mais forte do que imaginava.
Isso foi há uma semana. Uma vida inteira atrás.
Agora, um pavor gélido se enrolava em meu estômago. Eu encarava o tablet em minha mão, o único ponto piscando na tela. Era o rastreador no amuleto que eu dei a Michele, um medalhão de prata com o antigo sigilo da minha família, a Alcateia Lua de Prata.
Era para ser seu amuleto da sorte. Agora, era um farol do meu pânico crescente.
O ponto estava parado. Havia uma hora.
Estava localizado na sala do conselho do Alfa em sua academia de elite no Morumbi. Um lugar onde ela não tinha motivo para estar.
Minha loba, a parte de mim que mantive acorrentada e silenciosa por uma década, começou a andar de um lado para o outro dentro de mim, inquieta. Dez anos atrás, para proteger Michele dos inimigos que minha linhagem havia criado, fiz um pacto com o diabo. Concordei com o ritual de Vicente, selando minha Loba Branca, trocando meu poder por sua promessa de paz. Uma promessa que ele agora estava quebrando.
Nem me dei ao trabalho de usar o elevador. Movi-me pela sede da alcateia com uma velocidade que teria traído minha verdadeira natureza, se alguém estivesse observando. Em minutos, eu estava no meu carro, o motor rugindo para a vida.
A academia estava silenciosa, as aulas noturnas já haviam terminado. Deslizei por um portão lateral, uma sombra no crepúsculo. O cheiro de madeira velha, pó de giz e algo mais... algo metálico e acre, me atingiu quando me aproximei da sala do conselho.
Medo. O ar estava denso com ele.
A pesada porta de carvalho estava trancada. Eu não hesitei. O poder que eu havia suprimido por tanto tempo surgiu em meu ombro quando me lancei contra a madeira. A fechadura velha se estilhaçou com um estalo agudo.
A cena lá dentro fez meu sangue gelar.
Minha filha, minha brilhante Michele, estava encolhida em um canto. Seus pulsos e tornozelos estavam amarrados com cordas grossas e escuras. Cordas que brilhavam úmidas sob a luz fraca.
Prata. Estavam encharcadas em uma solução de prata.
Mesmo da porta, eu podia ver as queimaduras vermelhas e raivosas em sua pele, a forma como seu corpo tremia de fraqueza e dor. Prata era veneno para nossa espécie, uma substância que queimava e corroía nossa carne, bloqueando nossas habilidades de cura.
"Olha só o que o vento trouxe", disse uma voz debochada.
Virei a cabeça lentamente. Uma garota com luzes baratas e maquiagem demais estava de braços cruzados. Larissa Palmer. Atrás dela, uma professora que reconheci, a Professora Guedes, observava com uma expressão presunçosa.
"É a mãe da Ômega", disse Larissa, sua voz escorrendo desprezo. "Veio buscar sua filha patética?"
"O que vocês fizeram?" Minha voz era um rosnado baixo.
"Nós apenas demos uma lição nela", gabou-se Larissa, dando um passo à frente. "Essa zé-ninguém achou que podia roubar meu lugar no Conselho. O estágio que meu pai Alfa conseguiu para mim."
Meu mundo girou em seu eixo. "O pai Alfa dela."
Havia apenas um Alfa nesta escola. Um Alfa cuja influência poderia garantir uma posição no Conselho.
Meu marido. Vicente.
O homem que eu amei por dez anos. O pai da minha filha. Meu companheiro de alma.
A traição foi um golpe físico, tirando o ar dos meus pulmões.
Eu o alcancei através do nosso elo privado de companheiros, o laço sagrado que conectava nossas almas.
"Vicente, o que está acontecendo?"
Sua voz veio instantaneamente, quente e suave como mel, a voz que acalmou meus medos por uma década. "Luísa, meu amor. O que há de errado? Você parece aflita."
"Michele... ela está ferida. Uma garota chamada Larissa... ela diz que o pai Alfa dela..."
"Shhh, meu raio de luar", ele murmurou, sua voz um bálsamo em meus nervos em frangalhos. "É só briga de colégio. Não se preocupe. Lembra quando nos conhecemos? Aquele cheiro... floresta molhada de chuva e luar. Me enlouqueceu. Ainda enlouquece. Nada pode ficar entre nós."
Por um momento, suas palavras fizeram sua velha mágica. Ele era meu companheiro. A Deusa da Lua o havia escolhido para mim. Ele não faria... ele não poderia...
Então olhei para Michele. Vi a carne viva e enegrecida onde uma corda de prata havia roçado sua pele. A dor nos olhos da minha filha estilhaçou a ilusão de Vicente.
Ajoelhei-me ao lado dela, ignorando as risadinhas de Larissa e suas amigas. "Vou te tirar daqui, meu bem."
Meus dedos tocaram os nós. Um calor escaldante subiu pelo meu braço, a prata corroendo minha pele. Eu sibilei, recuando. Minhas unhas já estavam ficando pretas.
"Está com problemas, Ômega?" zombou Larissa. "Talvez você devesse roer. Como a cadela que você é."
Suas amigas pegaram seus celulares, as telas iluminando seus rostos cruéis enquanto começavam a gravar.
Olhei para o rosto de Michele, manchado de lágrimas. Eu não me importava com a dor. Eu não me importava com a humilhação.
Inclinei-me e afundei meus dentes na corda entrelaçada com prata.
O gosto era metálico e vil. A queimação era intensa, um fogo se espalhando pela minha mandíbula, mas minha loba, a parte primal de mim, podia suportar por um momento. Mordi e rasguei, ignorando as zombarias e os flashes de seus celulares.
A corda se partiu.
Enquanto eu trabalhava na próxima, Larissa deu um passo à frente. Em sua mão estava um osso enlameado e meio mastigado do mascote canino da escola. Com um movimento do pulso, ela o jogou. Atingiu Michele em cheio no rosto, deixando uma mancha de sujeira em sua bochecha.
Algo dentro de mim se quebrou.
Um fogo branco e gelado que eu não sentia há dez anos se acendeu em minhas veias. O poder da Alcateia Lua de Prata, a força de uma verdadeira Loba Branca, surgiu através de mim.
Levantei-me lentamente.
Antes que Larissa pudesse sequer registrar a mudança em meus olhos, minha mão voou. O som do tapa ecoou como um tiro na sala silenciosa. Larissa gritou, cambaleando para trás, agarrando um nariz que agora jorrava sangue e estava torto em um ângulo antinatural.
Não lhe dediquei um segundo olhar. Meus olhos se fixaram no amuleto da Lua de Prata ainda pendurado no pescoço de Michele. Não era apenas um rastreador. Era uma linha de vida. Pressionei o antigo sigilo em uma sequência que minha mãe me ensinou, uma oração desesperada para a única pessoa em quem meus pais confiaram seu legado.
Uma conexão segura se abriu em minha mente, contornando todos os canais normais.
"Caio Rocha", respondeu uma voz calma e profunda.
"Caio", eu disse, minha voz firme e fria como gelo. "É a Luísa. Estou invocando o juramento. Traga seus melhores curandeiros. Agora."