A traição foi ainda mais profunda quando descobri a verdade. A frieza dele não era para todos; era uma performance calculada, orquestrada por Kaila. "Eu fiz o que você pediu, Kaila", ele sussurrou para ela, sua voz carregada de uma devoção que nunca me mostrou. "Qualquer coisa por você."
Quando as mentiras de Kaila escalaram para um incêndio que quase me matou, Heitor me salvou, apenas para acreditar na história distorcida dela de que eu mesma o havia provocado. Ele a escolheu, de novo e de novo, chegando a me deixar sangrando em uma mesa de operação porque Kaila fingiu um ataque de pânico. "Minha noiva precisa de mim", foram suas últimas palavras para mim.
Eu não era nada para ele. Um incômodo. Um descarte conveniente. O amor que eu sentia virou cinzas.
Então eu desapareci. Reconstruí minha vida, tornando-me uma magnata da mídia, poderosa e intocável. Encontrei o amor verdadeiro com um homem gentil chamado Caio. Mas, assim que encontrei minha paz, um fantasma do passado reapareceu, seus olhos cheios de um arrependimento desesperado e tardio. Desta vez, ele não me quebraria. Desta vez, eu seria a única a ir embora.
Capítulo 1
A notícia de que eu "empurrei" a popular estrela Clara viralizou, levando a uma onda de críticas e abusos online. Eu, Alana Cordeiro, a aclamada atriz da Globo, era o assunto de fofocas intermináveis. Me chamavam de impiedosa, de diva, de uma força da natureza. Na tela, eu era glamorosa, espirituosa e inquebrável. Fora da tela, eu era tudo isso também. Ou assim eles pensavam. Por baixo daquela superfície polida, eu era apenas uma mulher ansiando por algo real, algo que não tivesse sido estilhaçado por uma família que nunca me enxergou de verdade.
O mundo dos famosos comentava sobre minha independência, minha série de relacionamentos casuais, minha recusa em me estabelecer. Diziam que eu era ambiciosa demais, de espírito livre demais. A verdade? Eu tinha pavor de uma conexão genuína. Preferia perseguir o impossível. E por três anos, esse sonho impossível teve um nome: Dr. Heitor Magalhães.
Tudo começou com um acidente estúpido. Uma pequena queda no set, um tornozelo torcido, nada sério. Mas me levou ao pronto-socorro, e foi lá que o vi pela primeira vez. Ele se movia pelo caos da emergência como um fantasma, calmo e preciso. Seus olhos escuros, geralmente frios e analíticos, continham um brilho de algo, um indício de fogos profundos e ocultos. Ele era brilhante, todos sabiam disso. O herdeiro da reservada dinastia Magalhães, mas ele escolheu bisturis em vez de salas de reunião. Ele era um desafio, uma fortaleza que me senti compelida a invadir. E eu pensei que conseguiria.
Por três anos, eu o persegui com uma intensidade obstinada que faria um homem menor desmoronar. Jantares, presentes, convites para pré-estreias, até uma ou duas declarações públicas. Ele sempre recusava, educadamente, distantemente. Sua indiferença era um muro, liso e impenetrável. Isso só me fazia querê-lo mais. Meus amigos me chamavam de obcecada. Eu chamava de determinada. Ninguém nunca tinha dito não para Alana Cordeiro.
Hoje, outro ferimento leve. Um defeito em um objeto de cena, um corte profundo no meu antebraço. A produção me levou às pressas para a clínica particular mais próxima. Não foi surpresa quando Heitor Magalhães entrou na sala de exames, seu rosto uma máscara de neutralidade profissional. Sua presença era como uma corrente de alta voltagem no ar estéril. Ele nem mesmo reconheceu minha piscadela sutil.
"Alana Cordeiro", ele declarou, sua voz um murmúrio baixo e uniforme. Ele pegou meu prontuário, os olhos percorrendo-o, sem se demorar em mim. "O relatório de lesão indica uma laceração no antebraço direito. Vamos ver."
Seu toque era frio, impessoal, enquanto ele limpava e examinava a ferida. Seus movimentos eram eficientes, focados. Ele me suturou com uma precisão quase cirúrgica, a testa franzida em concentração. Minha dor evaporou sob seu olhar.
Eu me inclinei, minha voz um sussurro rouco. "Sabe, Doutor, você é o único homem que pode me tocar assim e não receber uma medida protetiva." Deixei meus dedos roçarem seu braço, uma centelha de desafio brincalhão em meus olhos.
Ele parou, uma agulha suspensa no ar. Seus olhos, escuros como a meia-noite, encontraram os meus. Não havia calor, nenhum brilho de diversão. Apenas um olhar plano e inabalável. "Senhorita Cordeiro, este é um procedimento médico. Aconselho que permaneça imóvel." Sua voz era desprovida de emoção, uma declaração clínica.
Eu me afastei, um leve rubor subindo em minhas bochechas. "Ah. Certo. Só tentando descontrair, Dr. Magalhães. Não é todo dia que uma atriz do primeiro escalão pode flertar com um cirurgião de renome mundial."
"Minha preocupação é a sua recuperação, não sua agenda social, Senhorita Cordeiro", ele respondeu, cortando o fio com um estalo. "Você tem uma alta tolerância à dor. Já notei isso antes. Impressionante." Ele se moveu para limpar os instrumentos, já se desligando.
"Você já notou isso antes?", insisti, uma centelha de esperança se acendendo em meu peito. "Você se lembra de mim?"
Ele se virou, um suspiro fraco, quase imperceptível, escapando dele. "Eu me lembro do histórico médico de todos os meus pacientes, Senhorita Cordeiro." Suas palavras foram um instrumento contundente, esmagando quaisquer noções românticas. "Especialmente quando eles exigem múltiplas visitas por... incidentes menores."
Meu celular vibrou, zumbindo contra a mesa de metal. Era minha mãe. Dona Lúcia. O nome dela piscou na tela, um lembrete gritante de outro tipo de dor. Eu quase ignorei. Quase.
"Alana! Onde você está? Por que não está atendendo?" Sua voz, mesmo pelo viva-voz, era estridente, carregada de uma acusação que estava sempre logo abaixo da superfície. "Seu padrasto está furioso! A Kaila está em casa. Precisamos de você aqui. Imediatamente!"
Eu suspirei, apertando a ponte do meu nariz. "Mãe, eu estou... na clínica. Um ferimento leve."
"Um ferimento? De novo? Honestamente, Alana, suas palhaçadas. Por que você não pode ser mais como a Kaila? Calma, sensata, focada em algo real, não nessa sua farsa vulgar de atuação." As palavras caíram como pequenos dardos, cada um encontrando um alvo familiar.
"Vulgar, mãe? Essa 'farsa' é a minha vida. É como eu pago minhas contas, lembra? Ao contrário da Kaila, eu realmente tenho que trabalhar para viver." O amargor era um gosto familiar na minha boca.
"Não se atreva a falar da Kaila assim!" Sua voz se elevou. "Ela é uma flor delicada, Alana. Sempre foi. Depois do seu avô... depois de tudo, ela precisava de estabilidade. Todos nós precisávamos. Você fugiu, correndo atrás da fama, nos deixando para juntar os cacos."
Meu peito se apertou. Vovô. Meu amado avô. Ele era o único que realmente me entendia, que via além da fachada barulhenta a garota sensível por baixo. Quando ele morreu, tudo mudou. Minha mãe, linda mas frágil, desmoronou. Ela se casou com o Sr. Vasconcelos, um socialite rico, poucos meses após o funeral do vovô. E com o Sr. Vasconcelos veio Kaila.
Kaila, doce e inocente na superfície, uma mestra manipuladora por baixo. Minha mãe, antes minha mais feroz protetora, tornou-se a sombra devotada de Kaila. Cada capricho de Kaila era satisfeito, cada suposta ofensa contra ela era recebida com uma indignação exagerada. Meu sonho de ser atriz se tornou um "constrangimento", minha independência, uma "rebelião".
Eu me lembrava claramente. O vaso quebrado. Kaila o tinha derrubado, uma herança de valor inestimável. Mas suas lágrimas, seus lábios trêmulos, convenceram minha mãe de que a culpa era minha. Fui arrastada para o escritório, meu padrasto levantando a mão. Minha mãe ficou parada, em silêncio, seus olhos cheios não de preocupação por mim, mas de uma estranha e vazia indiferença. Naquela noite, trancada no meu quarto com a bochecha ardendo e o coração ferido, fiz uma promessa a mim mesma. Eu iria embora. Eu construiria uma vida onde fosse amada, onde importasse.
E eu fiz. Eu fui embora. Meus pais ameaçaram me cortar, me deserdar. Eu ri. "Ótimo", eu disse. "Eu nunca quis nada de vocês mesmo." Os anos que se seguiram foram brutais. Servindo mesas, lutando por testes, dormindo no sofá de amigos. Mas eu perseverei. Eu subi. Eu me tornei Alana Cordeiro, a atriz, a magnata, a mulher que não precisava de ninguém.
Ou assim eu dizia a mim mesma.
Talvez seja por isso que Heitor Magalhães se tornou minha obsessão. Aquele brilho de calor, aquela gentileza inesperada, quando ele me tratou pela primeira vez há três anos. Eu tinha tropeçado em um cabo solto, batido a cabeça. Ele tinha sido gentil, seus dedos afastando meu cabelo da testa. "Cuidado, Senhorita Cordeiro", ele murmurou, sua voz mais suave do que eu já tinha ouvido. "Você é valiosa demais para ser tão descuidada." Ele depois descartou isso como procedimento padrão, o dever de um médico. Mas para mim, faminta por ternura genuína, foi tudo. Foi a rachadura em sua armadura, a prova de que sob o gelo, havia fogo. Um fogo que eu ansiava por acender.
A voz da minha mãe cortou meus pensamentos novamente, afiada e insistente. "Alana? Você está sequer ouvindo? Isso é importante! Heitor Magalhães, o Dr. Magalhães, ele está noivo! Da Kaila! Você acredita? Minha garotinha, se casando com a dinastia Magalhães!"
O mundo inclinou. A sala estéril girou. Heitor Magalhães. Noivo. Da Kaila. A agulha da minha tolerância à dor se partiu.