Mas Anderson não me deixaria ir. Ele sabotou a carreira de Caleb, o homem bom por quem eu me apaixonei, e usou minha mãe, de quem eu me afastei, para me humilhar publicamente, tudo para me forçar a voltar para sua gaiola dourada.
"Case-se comigo, Ayla", ele propôs, um contrato vitalício para substituir o antigo. "Você será verdadeiramente livre. Comigo."
Os gritos da minha mãe ecoavam em meus ouvidos: "Ela é uma vagabunda! Sua vagabunda! Mercadoria suja!" E Caleb, meu Caleb, ouviu cada palavra.
Olhei para os olhos frios e possessivos de Anderson, depois para os de Caleb, cheios de uma dor que partiu meu coração. Eu tinha que fazer uma escolha.
Desta vez, eu não iria apenas fugir. Eu iria acabar com isso, de uma vez por todas.
Capítulo 1
Ponto de Vista de Ayla Thompson:
Todo mundo sabia o que eu era. A "sugar baby" de Anderson Vasconcellos. A garota da sua gaiola dourada. Seu troféu. Um bibelô que ele mantinha por perto.
Eu sorria quando ele queria que eu sorrisse. Usava os vestidos que ele escolhia. Assentia nos momentos certos, ria das piadas certas. Minha beleza era uma performance, uma linguagem silenciosa falada para uma plateia que nunca me via de verdade. Para eles, eu era linda, obediente e, total e perfeitamente, dele. Uma boneca cujos fios não eram visíveis a olho nu.
Eles viam os diamantes, as roupas de grife. Não viam as mensalidades da faculdade, a conta bancária vazia, a ordem de despejo. Não viam o desespero que roía meu estômago, o medo corrosivo que me levou a esta prisão brilhante e sufocante. A USP não era barata, e minha família se certificou de que eu não tivesse mais nada.
Ele olhava através de mim, mesmo com a mão pousada nas minhas costas em algum baile de caridade. Então, ele olhava para o outro lado do salão, para Esperança, sua cunhada, seu "único e verdadeiro amor", e uma luz diferente, um anseio desesperado, brilhava em seus olhos. Eu era apenas uma substituta, um corpo quente, uma distração conveniente. Eu suportava sua frieza, sua indiferença pública, as farpas sutis de seu círculo íntimo. Eu suportava tudo por causa de Esperança, o fantasma que assombrava cada uma de nossas interações, a mulher de cuja sombra eu nunca conseguiria escapar.
Todos eles pensavam que eu acabaria sozinha, destruída, agarrando-me aos restos de sua riqueza. Uma história de advertência. Outro rosto esquecido. Eles me imaginavam afogando-me nas consequências, perdida sem suas correntes douradas me protegendo do mundo. Um brinquedo bonito, eventualmente descartado.
Mas eles estavam errados. Eu não estava apenas sobrevivendo. Eu estava planejando minha fuga. E esta noite, tudo começava. O cronômetro estava acionado.
Meu celular vibrou com uma notificação. Uma transferência da conta de Anderson. Mensalidade paga. Mais um mês garantido. Fechei o aplicativo do banco, um lembrete gritante das algemas de ouro que eu ainda usava. Cliquei em um aplicativo de mensagens. Kaila, minha melhor amiga, já estava mandando memes sobre as provas finais.
"Você tem certeza disso, Ayla?" A voz de Kaila estava tensa de preocupação quando liguei para ela mais tarde. "Ele não vai simplesmente deixar você ir embora."
Encostei-me na vidraça fria do meu luxuoso e temporário apartamento, observando as luzes da cidade se tornarem um borrão. "Ele nem vai notar no começo, Kaila. Eu sou apenas uma conveniência. Um acessório bonito." As palavras pareciam pesadas, mesmo que eu as tivesse repetido mil vezes.
"Anderson Vasconcellos não 'deixa de notar' as coisas. Especialmente as coisas que ele considera suas, Ayla. Ele é possessivo, você sabe disso." A voz de Kaila tinha um tom de aviso, um medo que eu entendia muito bem. Anderson me via como uma extensão de seu poder, um objeto belo a ser exibido, nunca questionado. Ele era um homem que controlava tudo e todos em sua órbita, um homem cuja presença preenchia uma sala mesmo quando não estava falando. Sua frieza não era falta de emoção; era uma arma, afiada e precisa.
"Ele é obcecado pela Esperança. Não por mim." Forcei uma leveza em meu tom, uma leveza que eu não sentia. "Ele vai estar muito distraído. O mundo inteiro dele gira em torno dela. Você já viu. Todos nós vimos."
Kaila suspirou. "Ok, quando exatamente você vai fazer sua grande saída?"
"No segundo em que meu último contrato terminar. Nem um dia antes, nem um dia depois. Calculei tudo." Minha voz era firme, resoluta. Isso não era um capricho; era um plano meticulosamente construído. Eu tinha uma nova cidade escolhida, até um novo nome, um novo começo onde ninguém conheceria a "sugar baby de Anderson Vasconcellos". Eu ia encontrar um emprego tranquilo, talvez em uma biblioteca, e me apaixonar por um homem comum que me visse, que realmente me visse, por quem eu era por dentro. Uma vida simples, honesta e livre. Esse era meu único sonho agora.
Lá fora, o céu de São Paulo chorava, uma garoa fria e insistente espelhando o frio que se instalara no fundo dos meus ossos. A chuva sempre fazia as coisas parecerem mais pesadas, mais dramáticas. Como se a própria cidade estivesse de luto por algo, ou avisando sobre algo que estava por vir. A previsão do tempo dizia céu limpo, mas São Paulo raramente ouvia as previsões.
Um brilho de luz chamou minha atenção na chuva lá embaixo. Um carro preto e elegante, seus faróis cortando a penumbra, parou no meio-fio. Meu coração deu um salto. Anderson. Ele não deveria voltar esta noite. Ele deveria estar com... ela.
Um tremor estranho percorreu meu corpo. Não era medo, não exatamente. Mais como um choque de reconhecimento, um aperto familiar no peito que não tinha nada a ver com ele e tudo a ver com o papel que eu desempenhava.
Eu o observei sair, alto e imponente mesmo na luz fraca. Seu contorno era nítido, seus movimentos precisos. Ele era uma silhueta de poder contra o pano de fundo da cidade. Ele não olhou para cima, apenas caminhou rapidamente em direção à entrada, sua presença irradiando uma frieza quase palpável.
Respirei fundo, alisando meu robe de seda. Hora de interpretar o papel. Abri a porta, um sorriso suave e praticado nos lábios. "Anderson, você voltou cedo. Pensei que tivesse uma reunião até tarde." Minha voz era leve, com uma sutil sugestão de queixa brincalhona. Dei um passo à frente, minha mão alcançando seu braço, um gesto gentil e familiar.
Ele não se encolheu, não se abrandou. Seus olhos, escuros e indecifráveis, encontraram os meus por um segundo fugaz, depois passaram por mim. "Preciso que prepare um banho para mim, Ayla", disse ele, sua voz monótona, desprovida de calor. "E pegue aquele arquivo da minha mesa. O vermelho."
Enquanto ele passava, um cheiro fresco me atingiu - perfume caro misturado com algo metálico. Só quando ele se virou ligeiramente que eu vi: um leve hematoma começando a florescer em sua mandíbula, quase escondido por sua barba por fazer. Um pequeno corte, quase invisível, traçava a linha de sua têmpora. Minha respiração ficou presa. O que tinha acontecido?
Engoli em seco, forçando minha expressão a ficar em branco. "Claro, Anderson." Movi-me rapidamente, com cuidado, em direção ao banheiro, sua frieza um peso familiar.
O cheiro de seu perfume, uma mistura particular de cedro e algo vagamente esfumaçado, emanava dele. Não era um cheiro que eu amava, mas se tornara indelevelmente ligado a ele, a esta vida. Era o cheiro do poder, da riqueza e da gaiola em que eu vivia. Trouxe uma estranha e indesejada onda de déjà vu, arrastando-me de volta para outro cheiro: o apartamento mofado e apertado que eu um dia chamei de lar.
O lamento distante de uma sirene de polícia cortou o zumbido da cidade, um som que sempre me puxava de volta. Não era o som em si, mas a maneira como se misturava com a chuva, a maneira como costumava se filtrar pelas paredes finas do meu quarto de infância. Essa mistura particular carregava o peso da memória, uma memória de um tempo em que meu mundo havia sido irrevogavelmente despedaçado.
Foi no verão depois do meu último ano do ensino médio. A carta de aceitação da USP tinha chegado, um farol de esperança, um bilhete para sair de uma vida que eu odiava. Mas então minha mãe, Anete, me sentou, seus olhos arregalados com lágrimas falsas. "Sua irmã, Ayla, ela precisa disso mais do que você. A saúde dela... é tão frágil." Minha irmã mais nova, sempre a frágil, sempre a que minha mãe mimava, mesmo quando estava perfeitamente saudável. Eu sabia que era uma mentira, uma manipulação. Minhas notas do ENEM foram adulteradas, minha inscrição sabotada. Anos de ressentimento, anos sendo preterida em favor da minha irmã, tudo culminando neste golpe final e esmagador.
A voz da minha mãe, enjoativamente doce, ainda ecoava em meus ouvidos. "Você é tão forte, Ayla. Você sempre pode tentar de novo no próximo ano. Pense na sua irmã." Nunca foi sobre minha irmã. Foi sobre a preferência da minha mãe, seu favoritismo cruel, seu desejo distorcido de me manter pequena, por perto e subserviente.
Meus sonhos da USP, de uma bolsa de estudos, de um futuro pelo qual eu havia trabalhado tanto, evaporaram. As provocações dos vizinhos ainda doíam: "Ah, Ayla, que pena. Ouvi dizer que você não passou nas provas. Sua irmã, no entanto, ela é tão delicada, precisa de todo o apoio que puder ter." A pena deles era uma ferida fresca, um lembrete do meu fracasso público.
"Você não pode simplesmente desistir, Ayla!" Kaila tinha esbravejado, sua lealdade feroz. "Você pode refazer o ENEM. Vamos estudar juntas."
Mas minha mãe me encurralou novamente, sua voz envenenada pela chantagem emocional. "Não se atreva a nos abandonar, Ayla. Sua irmã precisa de você. Eu preciso de você. Se você for embora, não sei o que vou fazer. Somos uma família, Ayla. Você não pode simplesmente jogar isso fora."
Eu senti as paredes se fechando, me sufocando. A luta drenou cada gota do meu espírito. Eu me rendi, meus sonhos se desfazendo em pó. Consegui um emprego de baixo salário, economizando cada centavo, planejando minha fuga. Levei dois anos, dois anos me virando, suportando as crueldades sutis da minha mãe e a alegria alheia da minha irmã. Dois anos me sentindo como um fantasma em minha própria casa.
Quando finalmente economizei o suficiente, comprei uma passagem só de ida, fiz uma única mala e deixei um bilhete. Um adeus curto e sem emoção. A ligação furiosa da minha mãe veio dias depois, uma torrente de maldições e acusações. "Nunca mais volte, Ayla! Você me ouviu? Você está morta para mim!" Suas palavras, por mais duras que fossem, eram uma espécie de liberdade.
Mas a liberdade em um novo país, uma nova cidade, foi brutal. Trabalhei em vários empregos, estudei incansavelmente, finalmente juntando o suficiente para a USP. Mas então um assalto, um encontro violento e aterrorizante que me deixou fisicamente ferida e emocionalmente quebrada, me tirou tudo o que eu havia economizado. Todo o dinheiro, sumiu. Minha determinação, estilhaçada. Liguei para minha mãe, um apelo desesperado por ajuda. "Fui assaltada, mãe. Não tenho mais nada."
A voz dela era fria, distante. "É isso que você ganha por abandonar sua família, Ayla. Este é o castigo de Deus. Não me ligue mais." A linha ficou muda.
Essa foi a noite em que fiz minha escolha. Minhas opções eram zero. Pobreza, falta de moradia, ou... isso. Olhei no espelho, não para mim mesma, mas para o potencial. O cabelo longo e escuro, as maçãs do rosto salientes, o tipo de beleza marcante que poderia ser uma moeda. Passei semanas refinando-a, praticando sorrisos, aprendendo a linguagem da sedução. Tingi meu cabelo de um preto mais profundo e rico, escolhi roupas que acentuavam minha figura, transformando-me em uma mulher que poderia chamar a atenção.
Entrei em um leilão de caridade de luxo, um lugar onde riqueza e poder se misturavam. Ele estava lá, Anderson Vasconcellos, uma sombra de fria indiferença em uma sala cheia de sorrisos dourados. Ele estava conversando com um homem mais velho, sua expressão indecifrável, mesmo enquanto comandava a conversa. Eu tinha ouvido sussurros sobre ele, sobre sua família, sobre sua imensa e intocável riqueza. E eu sabia, com uma certeza arrepiante, que ele era minha única saída. Ele era meu alvo.
Aproximei-me dele, meu coração martelando contra minhas costelas, uma taça de coquetel firme em minha mão. "Sr. Vasconcellos?" Minha voz era suave, cuidadosamente modulada. Ele se virou, seus olhos escuros percorrendo-me, um brilho de algo indecifrável em suas profundezas.
Ele mal me deu uma olhada. "Sim?" Seu tom era desdenhoso, mais frio que o gelo na minha taça.