Como um fantasma, eu assisti enquanto ele ignorava os apelos dos meus colegas para realizar a cirurgia que salvaria minha vida. Ele até disse ao meu mentor que desejava que eu estivesse morta. Depois, pediu Kimberlee em casamento com o meu anel.
Meu amor por ele finalmente se estilhaçou. Eu estava morta, minha carreira estava sendo destruída, e minha assassina usava meu anel.
Mas a morte não foi o fim. Foi um lugar na primeira fila para a traição deles, e eu estava acorrentada ao homem que me deixou morrer, forçada a assistir cada momento.
Capítulo 1
Ponto de Vista de Clarissa Ferraz:
O mundo explodiu ao meu redor uma semana antes do meu casamento. O metal rangeu, o vidro se estilhaçou, e a água gelada do rio Tietê invadiu tudo, não apenas ao meu redor, mas através de mim. Kimberlee não apenas me jogou da ponte; ela bateu em mim, de novo e de novo, com uma fúria fria e calculada que não tinha nada a ver com a tempestade.
Meu carro era um caixão retorcido, o aço rasgando minha carne. Cada impacto parecia um punho gigante tentando me esmagar até eu deixar de existir. O mundo girou, depois bateu, depois girou de novo. Senti o gosto de sangue, e a dor lancinante no meu braço era uma lança em brasa. Tentei me mover, respirar, mas meu corpo não obedecia. Tudo estava quebrado.
Então eu o vi. Diogo.
Sua SUV preta derrapou até parar, os faróis ofuscantes cortando a chuva. Ele estava aqui. Meu noivo, meu brilhante neurocirurgião, minha salvação. A esperança, aguda e desesperada, surgiu em mim. Ele me salvaria.
Os paramédicos já estavam trabalhando, me arrancando dos destroços. Meu corpo gritava, cada nervo em chamas. Vi flashes da grade da ponte, retorcida como fitas, e a água escura e agitada lá embaixo. Eles me puxaram para fora, meus membros pesados, inúteis. Eu era uma boneca quebrada.
Mas Diogo não estava olhando para mim.
Seus olhos estavam fixos em Kimberlee. Ela estava caída contra a mureta de proteção, seu casaco de grife encharcado, seus ombros tremendo. Seu rosto estava pálido, manchado de lágrimas, sua respiração saindo em arquejos irregulares. Ela parecia um pássaro frágil pego em um furacão. Ela parecia uma vítima.
"Meu Deus, Kimberlee!" A voz de Diogo era um som cru e gutural. Ele passou correndo pelos paramédicos, pelo meu corpo quebrado, direto para ela. Ele a envolveu com os braços, puxando-a para perto. Suas mãos acariciavam o cabelo dela, seus lábios murmuravam palavras de consolo em seu ouvido. "Está tudo bem, meu bem. Apenas respire. Já acabou."
Eu podia ouvir os paramédicos falando sobre mim, suas vozes abafadas. "Trauma interno massivo", disse um. "Pulso fraco, pressão caindo", acrescentou outro. "Mão direita... completamente esmagada."
Diogo olhou na minha direção, depois de volta para Kimberlee. Ele se endireitou, seu rosto endurecendo, a tempestade lá fora refletida em seus olhos frios. Ele era o Dr. Fontes agora, o cirurgião chefe, o homem que era dono daquele hospital, o homem que era meu dono.
"Os ferimentos dela são superficiais", ele latiu, sua voz se sobrepondo ao vento. "Foquem na Kimberlee. Ela está em choque. A astrafobia dela está atacada. Ela precisa de sedação imediata e um quarto particular."
Superficiais.
Minha mão direita, minha mão de cirurgiã, era uma massa disforme de osso e carne, mal presa ao meu pulso. Minhas costelas pareciam cacos pontiagudos cutucando meus pulmões. O sangue pulsava de um corte na minha testa. Superficiais.
"Diogo", eu murmurei, minha garganta arranhando. Minha visão estava embaçando. "Diogo, por favor."
Ele não se moveu em minha direção. Apenas segurou Kimberlee mais forte. Seus olhos, tão familiares, tão amados, não continham calor, nenhum reconhecimento por mim. Apenas uma avaliação distante e irritada. "Ela só está tentando chamar atenção", ele murmurou, alto o suficiente para eu ouvir. "A Kimberlee é a prioridade. Ela quase morreu."
Kimberlee soluçou, enterrando o rosto mais fundo em seu peito. "Clarissa... ela me odeia, Diogo. Sempre odiou. Ela provavelmente tentou me machucar."
As palavras me atingiram mais forte do que qualquer impacto. Senti um pavor gelado, pior que a dor. Ele acreditava nela. Ele sempre acreditava nela.
"Não, Kimberlee", Diogo a acalmou, seu olhar se voltando para mim, cheio de desprezo. "Ela não vai mais tocar em você. Eu prometo." Ele se virou para o paramédico mais próximo, sua voz baixa, imponente. "Preciso que prepare um termo de responsabilidade. Kimberlee Salles se envolveu em uma pequena batida. Ela está isenta de toda a culpa."
O paramédico gaguejou: "Dr. Fontes, ela está gravemente ferida. Precisamos estabilizá-la primeiro, levá-la para a sala de cirurgia."
Os olhos de Diogo se estreitaram. "Eu disse que ela está bem. Alguns arranhões. Kimberlee só teve um ataque de pânico. Esta é minha cunhada. Minha família. Clarissa precisa assinar este documento, ou haverá consequências para todos os envolvidos."
Ele caminhou até mim, uma prancheta e uma caneta na mão. A chuva colava seu cabelo perfeito na testa. Ele nem sequer se abalou com a visão do meu sangue. Apenas me olhou de cima, sua expressão desprovida de pena. "Assine, Clarissa. Facilite as coisas."
Minha mão, minha mão direita, estava esmagada. Tentei levantar a esquerda, mas a dor era demais. "Diogo... eu não consigo."
Ele agarrou minha mão direita mutilada, seu aperto surpreendentemente gentil, mas firme, ignorando o sangue e os ossos torcidos. Ele forçou a caneta em meus dedos, guiando-a para a linha pontilhada. "Você vai", ele sussurrou, sua voz perigosamente suave. "Kimberlee precisa disso. Não a faça sofrer mais do que ela já sofreu por causa da sua imprudência."
Com um grito gutural, uma mistura de agonia e derrota total, consegui rabiscar uma marca trêmula e irreconhecível. Minha visão turvou.
"Boa menina", ele disse, e as palavras foram como uma nova facada. "Agora, vou chamar outra ambulância para você. Levar você para o Hospital São Judas. Um cirurgião geral pode te remendar lá." Ele se afastou, de volta para Kimberlee. "Clarissa vai ficar bem, querida. Vou me certificar de que ela seja cuidada. Apenas se concentre em melhorar."
Ele se afastou. Ele simplesmente se afastou, abraçando Kimberlee, me deixando na chuva, quebrada e sangrando, sozinha. A promessa de outra ambulância, outro hospital, desapareceu no zumbido em meus ouvidos. A chuva parecia lágrimas, mas não eram minhas. Eu não conseguia mais chorar.
O mundo escureceu lentamente, depois ficou claro, depois escuro de novo.
Quando abri os olhos, a chuva havia sumido. O carro destruído havia sumido. A ponte, os paramédicos, Diogo, Kimberlee – todos sumiram.
Eu estava flutuando.
Uma estranha leveza me preencheu, uma sensação que eu nunca conhecera. Sem dor. Sem frio. Sem sangue. Apenas... uma ausência. Um vazio. Levantei minha mão. Estava inteira, perfeita, translúcida. Eu podia ver através dela, para o brilho fraco das luzes da cidade muito abaixo.
Uma percepção arrepiante me invadiu. Eu não estava com frio porque a chuva não podia me tocar. Eu não sentia dor porque meu corpo não estava lá para sentir.
Eu estava morta. Meu coração, que momentos atrás lutara tão desesperadamente pela vida, havia parado de bater. Ele o deixara parar.
Meu vestido de noiva, pendurado impecável no meu armário, parecia uma piada cruel agora. Diogo estava aqui, mas não me salvou. Ele a salvou. E eu não era nada.