Quando o confrontei, ele me chamou de dramática e a escolheu.
Mas sua traição final veio na abertura de sua galeria. Dália me drogou e me agrediu enquanto homens tiravam fotos humilhantes.
Tudo isso enquanto Heitor estava na sala ao lado com ela, ignorando meus gritos.
Ele não apenas me traiu. Ele me abandonou aos lobos.
Deitada em uma cama de hospital, percebi que o homem com quem me casei era um monstro. E eu não ia apenas me divorciar dele. Eu ia queimar o mundo dele até as cinzas.
Capítulo 1
Meu marido, Heitor Bastos, o fotógrafo de arte de renome mundial, estava no palco aceitando mais um prêmio. Seu nome ecoava pelo grande salão, um som tão familiar quanto a batida do meu próprio coração. Ele sorriu, aquele sorriso perfeito e ensaiado, e a multidão foi ao delírio. Eu o observava da minha cadeira, uma esposa orgulhosa, uma sócia oculta em seu império. Por anos, eu administrei seus negócios, sua agenda, sua imagem pública. Eu era a arquiteta de sua fama, e ele era o rosto da minha devoção.
Sempre houve uma tensão estranha entre nós, uma corda silenciosa vibrando logo abaixo da superfície de nossa vida perfeita. Era uma dissonância que eu aprendi a ignorar, uma pequena estática na sinfonia harmoniosa do nosso casamento. Naquela noite, parecia mais alta. Naquela noite, os sussurros de inquietação no meu estômago eram quase gritos.
Ele segurou o microfone, seus olhos percorrendo a plateia brilhante até pousarem em mim. Ele fez uma pausa, o holofote grudado em seus traços esculpidos. "E para a minha musa", ele começou, sua voz baixando para um sussurro teatral que ainda assim alcançava todos os cantos da sala, "minha linda esposa, Elisa. Você é minha maior inspiração, meu único e verdadeiro amor. O mundo não pode ver sua beleza através das minhas lentes. Esse é um privilégio que guardo só para mim."
Um suspiro coletivo varreu a sala. Mulheres enxugavam os olhos. Homens acenavam em admiração. Ele fez parecer a coisa mais romântica do mundo. Ele fez parecer um voto, uma promessa sagrada. Forcei um sorriso, minhas bochechas doendo. Meu coração, no entanto, sentiu uma pequena rachadura se alargar. Eu já tinha ouvido aquelas palavras cem vezes. A cada vez, elas pareciam um pouco mais com uma jaula, um pouco menos com um elogio.
Amanhã era nosso décimo aniversário de casamento. Dez anos. Uma década construída sobre essa mesma base de adoração pública e distância privada. Eu havia planejado uma noite tranquila, só nós dois. Tinha até comprado um vestido novo, algo suave e fluido, na esperança de um momento de conexão genuína.
"Heitor", eu disse na manhã seguinte, enquanto ele servia sua segunda xícara de café. O sol entrava em nossa cozinha impecável, destacando os grãos de poeira dançando no ar. "Para o nosso aniversário... eu estava pensando."
Ele resmungou, rolando o feed do celular. "Sim, amor?" Seu tom era distraído.
"Eu estava pensando", continuei, minha voz ganhando um tom esperançoso, "talvez você pudesse me fotografar. Só para nós. Como você sempre diz, 'guardar minha beleza para si'. Uma sessão particular. Ninguém mais veria."
Ele parou de rolar. Seus olhos, geralmente afiados e intensos, estavam nublados com algo que eu não conseguia identificar. Não era afeto. Nem mesmo irritação. Apenas... um vazio.
"Elisa", ele disse, sua voz plana. "Você sabe que eu não misturo trabalho com prazer. Minha arte é minha arte. Nossa vida é nossa vida. São coisas separadas."
Meu sorriso vacilou. "Mas você disse... ontem à noite, você disse que eu era sua musa. Que você guardava minha beleza para si."
Ele suspirou, um som longo e exasperado. "Isso é uma figura de linguagem, Elisa. Uma ideia romântica para o público. Você sabe como essas coisas funcionam." Ele tomou um gole de café, evitando meu olhar. "Além disso, estou trabalhando em algo grande. Algo importante. Não posso me distrair com... projetos pessoais."
Meu coração afundou no meu estômago, uma pedra fria e pesada. "Projetos pessoais? É isso que nossa sessão de fotos de aniversário seria? Uma distração?"
Ele se levantou, empurrando a cadeira para trás com um arrastar que irritou meus nervos. "Olha, eu tenho uma reunião. Não vamos fazer um drama por causa disso, ok? Podemos pedir um iFood hoje à noite. Isso é especial, não é?"
Ele pegou as chaves, o couro caro de sua pasta rangendo enquanto a tirava do balcão. Ele já estava na metade do caminho para fora da porta, suas palavras uma reflexão tardia e desdenhosa.
"Heitor, por favor", eu disse, minha voz mal um sussurro. "Só uma foto. Uma de verdade."
Ele parou, de costas para mim. "Não, Elisa. Eu disse não." Sua voz estava mais afiada agora, com um toque nítido de aborrecimento. "Eu não fotografo você. Nunca fotografei. É o nosso combinado." Ele não esperou por uma resposta. A porta se fechou com um clique, me deixando sozinha na cozinha silenciosa e ensolarada.
Decepção não era uma palavra forte o suficiente. Era uma dor profunda e lancinante. Eu tinha me permitido ter esperança, tolamente. Eu tinha acreditado em suas declarações públicas, em suas palavras poéticas. Eu tinha comprado o conto de fadas que ele vendia para o mundo, e para mim.
Vaguei sem rumo pela casa, o silêncio amplificando a dor pulsante no meu peito. *Ele nunca me fotografa. É o nosso combinado.* Suas palavras ecoavam, ocas e cruéis. Mas não era o *nosso* combinado. Era o *dele*. A regra *dele*. O controle *dele*.
Meu olhar se desviou para a fotografia emoldurada na lareira, um retrato meu tirado por um amigo anos atrás. Heitor sempre a admirou, sempre disse que capturava minha essência. Ele só nunca quis capturá-la ele mesmo.
Um pensamento, frio e perturbador, piscou em minha mente. Heitor sempre foi secreto sobre seu "estúdio pessoal" no centro. Um espaço que ele alugou, supostamente para projetos experimentais crus demais para seu estúdio principal. Ele raramente falava sobre isso, e eu nunca estive lá. Ele sempre dizia que era um espaço estéril, puramente artístico, não era lugar para uma esposa.
E se não fosse?
Aquela curiosidade fria, nascida de uma década de perguntas suprimidas, começou a me corroer. Encontrei a chave reserva em sua gaveta da escrivaninha, escondida sob uma pilha de contas antigas. Parecia fácil demais. Minhas mãos tremiam enquanto eu dirigia, o motor zumbindo uma melodia nervosa na manhã silenciosa de aniversário.
O prédio era anônimo, uma fachada de tijolos esquecida em uma rua lateral. A chave deslizou na fechadura, um clique silencioso ecoando no corredor vazio. O estúdio por dentro era mais escuro, mais empoeirado do que eu esperava. Não era estéril. Não era puramente artístico. Parecia... habitado. Mas não por Heitor e por mim.
Meus olhos percorreram a sala, pousando em um grande e pesado baú de carvalho no canto. Parecia fora de lugar, quase como um móvel destinado a ser escondido à vista de todos. Meus dedos roçaram a madeira áspera, um leve cheiro de produtos químicos e algo mais... um perfume doce e enjoativo.
Levantei a tampa. Dentro, guardados sob camadas de veludo preto, havia dezenas de álbuns de fotos. Não apenas álbuns, mas livros grossos, encadernados em couro, meticulosamente organizados. Meu coração martelava contra minhas costelas.
Puxei um, a lombada gravada com uma única palavra: "Dália."
Minha respiração engasgou. Dália Ferraz. A modelo. A influenciadora. Aquela cuja ascensão à fama havia coincidido misteriosamente com o trabalho recente, mais sombrio e ousado de Heitor. Ele sempre alegou que ela era apenas mais um tema, um rosto para sua arte.
Abri o primeiro álbum, meus dedos desajeitados com as páginas pesadas. As imagens dentro foram um soco no estômago. Não apenas fotos, mas representações explícitas, cruas, quase brutais de Dália. Poses que ultrapassavam limites. Expressões que eram ao mesmo tempo vulneráveis e desafiadoras. Isso não era arte profissional. Isso era obsessão. Cada página virada era uma nova ferida, uma nova onda de náusea. Havia centenas, milhares delas. Algumas estavam rotuladas com datas, abrangendo anos, até a semana passada. O projeto não era apenas recente; tinha sido um empreendimento contínuo e secreto.
O Projeto Dália. O título era arrepiante, um contraste gritante com suas declarações públicas sobre mim. Ele alegava que guardava minha beleza para si, mas catalogava meticulosamente cada centímetro dela. Cada emoção crua, cada curva sedutora. Por anos.
A última foto no último álbum me atingiu com mais força. Era um close do rosto de Dália, seus olhos semicerrados, um sorriso de canto de boca brincando em seus lábios. E no canto inferior, rabiscado com a caligrafia inconfundível de Heitor, havia uma data. Esta manhã.
Meu mundo inteiro inclinou. O ar saiu dos meus pulmões. Ele esteve com ela. Esta manhã. No nosso aniversário. Na mesma manhã em que ele se recusou friamente a me fotografar, alegando que estava muito ocupado, muito dedicado à sua "arte". Ele não estava muito ocupado. Ele estava com ela.
Uma fúria fria, diferente de tudo que eu já conheci, começou a ferver sob o choque. Não era apenas uma traição. Era uma mentira meticulosamente elaborada, uma segunda vida que ele construiu e escondeu, tijolo por tijolo doloroso.
A porta do estúdio rangeu atrás de mim. "Elisa? O que você está fazendo aqui?"
Heitor. Sua voz estava carregada de surpresa, depois um lampejo de algo que parecia medo. Ele estava parado na porta, a luz forte do corredor siluetando sua figura. Seu rosto estava pálido.
Eu não me virei. Não conseguia. Meus olhos ainda estavam fixos na última foto, a data zombando de mim. "Você disse que não misturava trabalho com prazer, Heitor", eu disse, minha voz chocantemente calma, um tom monótono que eu mal reconheci como meu. Minhas mãos, ainda segurando o álbum pesado, tremiam incontrolavelmente. "Você disse que eu era sua musa, que minha beleza era só para você."
Ele deu um passo à frente, sua sombra caindo sobre mim. "Elisa, não é o que você pensa. Isso é... arte. Experimental. Nada mais." Ele tentou soar autoritário, mas sua voz falhou.
Eu finalmente me virei, o álbum ainda agarrado ao meu peito como um escudo. Meus olhos encontraram os dele, e eu vi uma luta desesperada em suas profundezas. "Arte?", ecoei, uma risada amarga escapando da minha garganta. "Isso é arte, Heitor? Ou é apenas um monumento às suas mentiras? A ela?" Eu empurrei o álbum em sua direção, a capa exibindo o nome de Dália.
Ele recuou como se estivesse queimado. "Elisa, me escute. Isso é um mal-entendido. Dália é uma profissional. Isso é puramente para exploração artística. Você sabe que estou sempre ultrapassando limites." Ele começou a se mover em minha direção, com as mãos estendidas, como se para acalmar um animal assustado. "Meu relacionamento com você é real. Isso é apenas... trabalho."
"Trabalho?" Minha voz finalmente quebrou. "Trabalho, Heitor? No nosso aniversário? Na manhã em que você me disse que estava muito ocupado para mim, muito ocupado para nós? Você estava aqui, com ela, criando isso?" Meu olhar varreu a sala, absorvendo as evidências de seu engano. "Você zombou de cada palavra que já me disse. Cada declaração pública. Cada promessa sussurrada."
Ele tentou arrancar o álbum das minhas mãos. "Não seja dramática, Elisa. Você está exagerando. É isso que os artistas fazem. Nós exploramos. Nós criamos. Você, de todas as pessoas, deveria entender isso." Seu tom mudou, tornando-se condescendente, desdenhoso. O medo se foi, substituído por sua arrogância habitual. Isso era puro gaslighting, uma tática que eu conhecia muito bem.
"Exagerando?" Eu o encarei, vendo-o de verdade pela primeira vez. O homem que eu amava, o homem com quem eu construí uma vida, era um completo estranho. "Você subiu no palco ontem à noite, Heitor, dizendo ao mundo que eu era sua musa, que você guardava minha beleza para si. E todo esse tempo, você tinha essa coleção secreta e explícita de outra mulher. Você fotografou cada emoção crua dela, cada detalhe íntimo. Você até as datou, Heitor. Até esta manhã."
Ele realmente zombou. "E o que isso prova, Elisa? Que sou um artista dedicado? Que estou disposto a ultrapassar limites artísticos? Você está sendo irracional. Você está com ciúmes. É exatamente por isso que mantenho meu trabalho separado da nossa vida pessoal. Você é emocional demais para entender."
"Emocional?" Uma risada fria e dura me escapou. "Minhas emoções são um resultado direto do seu engano deliberado, Heitor. Suas mentiras. Sua traição." As palavras eram como cacos de gelo, cortando o fino verniz de suas desculpas.
Lembrei-me de todas as vezes que ele descartou meus sentimentos, distorceu minhas palavras, me fez duvidar da minha própria sanidade. *Você é muito sensível, Elisa. Você está imaginando coisas. É só uma mensagem amigável. Você sabe como as modelos são, sempre se apegando.* Cada mentira, cada dispensa casual, agora se encaixava, formando um mosaico horrível de seu verdadeiro caráter.
"Você sequer me ama?" A pergunta, que eu não ousava fazer há anos, pairava pesada no ar. Era um apelo desesperado, um teste final. "Ou eu era apenas parte da fachada? A esposa perfeita para o artista perfeito?"
Ele hesitou, um lampejo de algo indecifrável em seus olhos. Era culpa? Arrependimento? Ou apenas aborrecimento por ter sido pego? "Claro que eu te amo, Elisa", ele disse, rápido demais, suave demais. "Você é minha esposa. Você é minha âncora. Isso... isso é só arte. Não significa nada."
O toque estridente de seu telefone cortou suas palavras vazias. Estava na mesa, ao lado de sua bolsa de câmera. Seus olhos correram para ele, depois para mim. O nome "Dália" brilhava intensamente na tela. Meu sangue gelou novamente.
Seu rosto perdeu a cor. Ele pegou o telefone. "Eu... eu tenho que atender. É importante para a galeria."
"A galeria?", sussurrei, minha voz rouca. "Você vai até ela, não é? Agora mesmo."
Ele evitou meu olhar, seus dedos já se atrapalhando com o telefone. "É uma reunião de negócios, Elisa. Você está sendo irracional." Ele se virou, já na metade do caminho para fora da porta do estúdio, já se retirando para sua teia de mentiras cuidadosamente construída.
"Heitor?", chamei, uma tentativa desesperada e final. Ele parou, a mão na maçaneta. "Feliz aniversário."
Ele congelou. Seus ombros caíram por um breve segundo, depois ele se endireitou, abriu a porta e saiu. O clique da fechadura reverberou pelo estúdio vazio. Ele não tinha apenas esquecido nosso aniversário. Ele tinha me esquecido.
Eu estava cercada pelas evidências de sua traição, o ar pesado com o cheiro de produtos químicos e o perfume de Dália. Meu telefone vibrou no meu bolso. Uma mensagem de Hugo, meu amigo de infância, me lembrando que ele havia reservado uma mesa em nosso restaurante favorito para um jantar de aniversário tranquilo, caso Heitor "esquecesse". Uma risada amarga escapou dos meus lábios.
Peguei meu telefone, meus dedos voando pela tela. Meu aniversário era amanhã. Digitei uma mensagem, minha determinação se solidificando a cada palavra.
"Heitor. Isso não é só arte. Isso é uma mentira. E eu cansei. Não se dê ao trabalho de voltar para casa." Apertei enviar.
Fechei os olhos, o silêncio arrepiante do estúdio enchendo meus ouvidos. Amanhã, eu finalmente viraria a página deste capítulo da minha vida. Uma nova página, livre de suas mentiras, livre de seu controle. Mas esta noite, eu tinha que sobreviver.